sábado, 28 de fevereiro de 2015

Estantes Emprestadas [14] - Canibalismo literário (mais ou menos)


Sabem aqueles amigos que vocês têm perfeita de que são loucos? Também tenho disso. Apresento-vos a Alexandra Rolo, também conhecida por Pantapuff, dona do blog Folha em Branco e culpada frequente de se ver envolvida em vários projectos de milhentas áreas.

Um deles foi a Oficina de Escrita a que pertenço, e foi assim que a conheci. Se eu era o sanguinário do grupo, aqui a Alexandra era a minha second in command nesse departamento. Vocês nem fazem ideia. Infelizmente, já há uns tempos que ela deixou de contribuir com contos para as sessões, mas de vez em quando ainda se digna a aparecer, principalmente se houver bolo envolvido.

Tendo em conta esta descrição, eu devia ter logo percebido que me ia arrepender de a convidar para participar nas Estantes Emprestadas. Sem mais demoras, passemos à pergunta dela, e depois à minha resposta. Obrigado Alexandra! (E raios te partam!)

P.S.: Aqui fica a resposta dela, e umas palavrinhas minhas quanto a isso.

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Tu és sádico e dado a coisas com um bocadinho de sangue... se tivesses de fazer uma refeição estilo Hannibal Lecter, que personagens (e que partes) usavas e porquê?


Eu não disse que me ia arrepender?  Mas vamos lá, isto vai ser engraçado. Ia começar por me queixar de que não há praticamente nada que eu possa dizer em resposta a isto, mas... Fui ver a lista das opiniões aqui do blog e tenho aqui vinte e dois links que posso mencionar. Estou honestamente impressionado.

Comecemos pelas batotas, que são a maior parte dos links. Podia usar personagens de Fórmula da Felicidade, que são animais antropomórficos, assim as de Maus, ou então algumas das de A Quinta dos Animais ou do mundo de Alice no País das Maravilhas, que são literalmente animais. Isto poupava-me bastante trabalho, mas era desonesto, e corria o risco de repetir a história de Philip K. Dick, Beyond lies the wub.

Portanto não o vou fazer. Mas posso usar batotas mais sofisticadas. Como por exemplo dizer que me tornava num vampiro ou num zombie, e a minha resposta passava a ser "qualquer uma que estique o pescocinho" ou "BRAAAAAAAAAAAAAAAAAAAINS". Aliás, esse tipo de coisas até está bastante na moda, diga-se de passagem...

Mas também era batota, e não quero ir por aí. Até por o canibalismo tem as suas vantagens em várias obras de ficção. Pessoalmente, não me importava mesmo nada de ter a habilidade cibopática de Tony Chu, de ver as memórias de alguém, ou algum animal, que coma. E no universo negro de Joe Abercrombie, há toda uma espécie de seita com poderes praticamente sobrenaturais que ganham após comerem carne humana. Vantagens, é o que eu digo!

Nham nham
Enfim, tenho que parar de divagar e de fazer publicidade a opiniões antigas aqui no blog, e responder realmente à pergunta, não é? Seja. Mas vou fazer uma pequena batota na mesma. Sim, sim, vou sim, e não quero saber.

Ora bem, vou precisar que fiquem com quatro (conjuntos de) obras em mente: The HobbitParque Jurássico, a Saga Bubu do Dragonball e Lovecraft. Confusos? Óptimo.

A (não tão) pequena batota (quanto isso), é que a parte do canibalismo a que a Alexandra quer chegar, vai ser ligeiramente distorcida. E as três personagens que vou de facto incluir na refeição, são especiais. Mas imaginem o que era comer um bocadinho de carne de Smaug, de dinossauro, ou de uma das entidades cósmicas de Lovecraft? Ah! Carne de dragão deve ser qualquer coisa, e então carne de dragão inteligente com a voz do Cumberbatch... Um petisco!

O livro não tem nada a ver com o título, infelizmente...
Os dinossauros eu sei que não são bem personagens, mas até que são, e eu seria o primeiro na fila para dar uma trinca em carne de dinossauro, porque eu gosto assim tanto de dinossauros.

(Não achavam que eu ia ser amigo de alguém como a Alexandra sem ser eu próprio um bocadinho louco também, pois não?)

As entidades cósmicas do Lovecraft seriam uma categoria à parte. Se calhar nem tinha que as comer literalmente a elas, que seres capazes de criar objectos e cidades inteiras com geometrias não-euclidianas, devem fazer um tesseracto de lasanha do caraças. Ou então comida fractal! Se bem que isso já existe, e chama-se "sandes", porque se cortarmos uma sandes ao meio, as "meias-sandes" são na realidade sandes mais pequenas. Quanto mais cortarmos, mais sandes temos, em ponto mais pequeno. Ah!

Perdoem-me o desvio. Vamos ao canibalismo, então? É aqui que peço ajuda ao Bubu do Dragonball, e à sua capacidade de tornar as pessoas em doces. Tecnicamente é canibalismo, e caía mesmo bem depois duma refeição de dragão, dinossauro, entidades cósmicas e/ou tesseractos e fractais comestíveis. Toma esta, Alexandra!

Gelado de pessoas, alguém quer?
Vá, vou ser simpático e escolher algumas personagens para transformar em doces. Alguém como o Wolverine era o ideal: imaginem um doce com capacidade de regenerar. Uma tablete de chocolate que voltava a ficar inteira depois de cada trinca. Chocolate infinito!

De resto só se forem personagens mesmo muito desagradáveis, das quais me quisesse ver livre. E de momento não me ocorre nenhuma. Raios parta. Mas já escrevi muito, considera-te satisfeita, Alexandra! Agora diz tu de tua justiça. E vocês que estão a ler isto com ar horrorizado, façam favor, também!

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Doctor Who [T7]


Doctor Who é a minha fraqueza. Aconteça o que acontecer, pára tudo para se ver um episódio acabadinho de sair. Dorme-se menos. Não faz mal. O vício é tanto que vale a pena tudo isso. Para saberem mais sobre o que sinto em relação a esta série, leiam isto e investiguem por aqui.

Volto a falar disto - quem me acompanha com regularidade já deve estar farto - para explicar o porquê de estar a ver uma temporada de 1970, com má qualidade de imagem e sem verdadeira relevância para acompanhar a série nos dias de hoje.

É que depois de papar todos os episódios do novo fôlego da série, começado em 2005, decidi que ia ver as temporadas antigas, de 1963 a 1989, mais o filme de 1996. Sim, fiquei mesmo apanhadinho pela série e pela personagem, especialmente tendo em conta que as primeiras seis temporadas estão repletas de episódios perdidos, num total de 97, que tive de ver na sua forma reconstruída. O que é uma seca do caraças.


As reconstruções são normalmente imagens, fotos que sobreviveram de uma forma ou de outra, com o som a acompanhar. Terrivelmente aborrecido, por mais que se goste daquilo. Mas lá ultrapassei e cheguei à sétima temporada, a partir da qual já não há mais reconstruções! E os episódios passam a ser a cores! Bem, alguns estão a preto a branco, mas foram problemas técnicos com as cópias sobreviventes, não há muito a fazer. Vê-se bem na mesma!

Agora antes de começar a falar da temporada propriamente dita, quero fazer rapidamente um apanhado do que se passou até agora. O Doctor é uma personagem fantástica, um Timelord vindo de Gallifrey, um planeta distante. É super inteligente, tem dois corações, uma máquina do tempo chamada Tardis, e a capacidade de regenerar todas as suas células, em vez de morrer. Entre outras coisas, como um apurado sentido de justiça e moralidade, uma curiosidade demasiado aguçada, e uma incapacidade em simplesmente deixar as coisas acontecer.

Sim, máquina do tempo. Sim, dois corações. E sim, capacidade de regenerar. É uma das suas marcas distintivas - assim como a máquina do tempo bigger on the inside e com formato de police box, bem azulinha - e uma das suas características mais importantes. Imaginem que em vez de morrerem, continuavam a mesma pessoa, mas mudavam completamente todas as vossas células, tornando-vos efectivamente numa pessoa diferente?

A primeira regeneração
É um conceito no mínimo delicado. É ou não uma pessoa diferente? Se virem várias encarnações do Doctor em acção, tanto podem responder que sim como que não. Eles claramente agem de formas diferentes, falam de formas diferentes, têm diferentes formas de encarar as coisas... Mas também têm muita coisa em comum, repetem ideias, frases, parecem pensar da mesma forma e deixam-se guiar pelos mesmos princípios, ainda que cada versão tenha a sua interpretação própria. Não é fácil.

O primeiro foi William Hartnell, um actor extraordinário que fez um papel para lá de extraordinário: não só lançou com sucesso o programa, como deixou fundações robustas que ainda não cederam após mais de cinquenta anos, e apesar de interregnos e cancelamentos. É sem dúvida um dos meus favoritos, e só tenho pena que tenha tido um final tão triste.

O seu sucessor foi Patrick Troughton, mais novo, mais energético, menos rezingão, enfim, uma autêntica injecção de adrenalina num programa que por vezes se encostava demasiado à diplomacia do First Doctor. Nunca descurou os momentos de acção, afinal é para isso que servem os companions que viajam com o Doctor, mas tive essa sensação, que desapareceu por completo nas temporadas de Troughton.

Este Doctor já não me convenceu tanto, mas ainda foi um bom papel, e confesso que o facto de praticamente todos os seus episódios serem reconstruções contribuiu um pouco para isso. Mas teve uma boa era, com mais acção e mais desenvolvimento da personagem e da mitologia, agora que as grilhetas de "se ficarmos sem este actor, a série acaba" já tinham desaparecido. Isto permitiu bastante liberdade a Troughton e proporcionou alguns dos melhores momentos que já vi na série. E o final foi bom, muito intenso e emotivo, e só por essa qualidade, perdoei-lhe alguns defeitos!

É assim que chegamos a Jon Pertwee, o chamado Third Doctor, com um carisma muito próprio. Ainda me faltam quatro temporadas dele, com menos episódios que as dos Doctors anteriores, portanto não posso dar uma opinião definitiva, mas pelo que vi, gosto bastante! Pertwee é muito mais assertivo e menos aleatório. É igualmente louco, como é óbvio, mas tem classe.


As suas histórias demonstram isso mesmo. Não só são apresentadas de perspectivas muito diferentes daquilo que era normal, como tinham a agravante da Tardis não funcionar, devido a interferências dos Timelords quando o obrigaram a regenerar da sua sua segunda para a sua terceira encarnação. Isto muito a dinâmica, pois não temos um planeta diferente em cada história, mas não muda assim tanto, já que era frequente a Tardis avariar no início da história e só voltar a funcionar no final. Ou ser capturada. Enfim, o Doctor passava a maior parte do tempo sem a Tardis de qualquer forma.

Mas bem, a primeira história é The Spearhead from Space, que me agradou bastante como primeira história do Third Doctor. Jon Pertwee cai no papel que é uma maravilha, e o primeiro episódio (na série antiga, cada história tinha vários episódios) está muito bem escrito. A nova companion, Liz Shaw, é fantástica: esperta, cientista, respondona, gozona... Um pequeno triunfo do feminismo, se querem que vos diga. E a sua química com o Doctor é completamente instantânea!

É então que aparecem os vilões, os Autons, formas de vida artificiais feitas de plástico e comandadas pela Nestene Consciousness, uma entidade alienígena. São honestamente perturbadores!


O meu único problema com esta história, que é uma fantástica introdução para um novo Doctor, é que na parte final, principalmente no quarto episódio, Liz passa de céptica total em extraterrestres e basicamente tudo o que o Doctor diz, a crente fervorosa. Percebe-se que isto tinha de acontecer, mas era algo que exigia alguma espécie de transição, o que não acontece e todo...

Na segunda história, Doctor Who and the Silurians, aparece pela primeira vez o famoso carro amarelo do Doctor, de nome Bessie, e dinossauros! O primeiro episódio é relativamente normal, para os padrões da série, e nem sequer introduz muito enredo. Mas no segundo episódio aparecem os Silurians, ainda que apenas os vislumbremos, e temos direito a momentos fantásticos de ver o que se passa pela perspectiva na primeira pessoa de um Silurian. Está muito bem feito e consegue até ser assustador!

Esta qualidade era frequente desde o primeiro, em 1963, e surpreendente por terem tanto tempo. Afinal, estamos a falar de uma série de ficção científica com uma premissa difícil de vender do zero hoje em dia, feita há mais de cinquenta anos! Sim, os efeitos têm claros problemas, mas está tudo muito bem feitinho, para a altura e para o baixo orçamento que tinham!


O Third Doctor rodeado por dois Silurians
O resto da história desenrola-se de forma relativamente previsível, com alguns momentos muito bem feitos e bastante Doctor-ish, e outros menos bem conseguidos, mas termina muito bem, com uma decisão difícil do Brigadier (uma das estrelas da da Era Pertwee, sem sombra de dúvida) que vai contra tudo aquilo em que o Doctor acredita.

Os efeitos dessa decisão sentem-se na história seguinte, The Ambassadors of Death, durante a qual o Doctor  é bastante rude para o Brigadier. Está verdadeiramente ressentido, e isto é um excelente exemplo de algo que acontecia pouco nas temporadas anteriores: uma verdadeira continuidade entre histórias.

Mas o Brigadier continua badass, a história tem mistério, suspense, um Doctor rude mas carismático e, no mímino, interessante. Por algum motivo, andam-se a enviar pessoas para Marte, em 1970, mas nem tudo corre bem, como seria de esperar, e o resultado é um excelente cliffhanger logo no primeiro episódio!


Brigadier Lethbridge-Stewart a ser badass
Ao longo dos episódios a história só consegue adensar-se, tudo piora, o Doctor fica em perigo de vida duas ou três vezes por episódio, e os vilões, que não são bem vilões, são aterrorizantes! O verdadeiro vilão, esse, é o mais eficiente de sempre. Faz tudo sozinho e tem sempre sucesso!

No último episódio há ainda um plot twist inesperado e muito interessante, mas tudo se resolve com diplomacia e o mínimo de prejuízo. Sem dúvida uma das minhas histórias favoritas, tudo bem feito, bem escrito e bem interpretado.

Falta então a última história, Inferno, que é extraordinária, mas tem vários pontos fracos que a prejudicam bastante. Para começar, o cenário de laboratório já é demasiado repetitivo, ainda que esta seja a única vez em que faz sentido (o Doctor quer usar a energia deste laboratório para pôr a Tardis a funcionar). Depois há mortes um bocado aleatórias e, espantem-se, lobisomens. Mais ou menos lobisomens, que nunca são inteiramente explicados. Ah!



Mas mais umas vez as personagens são boas, os actores estiveram bem e o argumento é muito bom. A curta viagem do Doctor por um universo paralelo, em que o Brigadier se torna em Brigade-Leader e faz parte do plantel dos vilões... Deve ser o episódio mais negro que já vi em Doctor Who, pelo menos na série antiga.

A ameaça é que é um bocado, digamos, difusa. Não mete realmente grande medo, porque não se percebe muito bem o que é, o que prejudica, obviamente, toda a história. Apesar disso, foi uma história fantástica, que usou muito bem os seus sete episódios, culminando num final muito interessante, muito tenso e muito dramático, para depois incluir um toquezinho de comédia

"A couple of seconds in the future, and a couple of yards away."
"The trash?"
"The trash."

É um final muito típico de Doctor Who, inserido numa série de episódios relativamente atípicos. Inferno fica assim a lutar com The Ambassadors of Death para decidir de quem gosto mais, sem sombra de dúvida.


Brigade-Leader, a versão malvada do Brigadier, em Inferno
Com tudo dito sobre cada episódio, só posso acrescentar que esta série tem um poder inexplicável. Parece que foi feita de propósito para mim, daí a minha adoração - e o texto longo. Esta temporada foi das que mais gostei de ver, e embora seja praticamente impossível destronar William Hartnell, acho que já gosto mais deste Doctor do que do Second de Troughton. É claro que ainda falta muito, e gostei do Troughton, especialmente em retrospectiva, mas este é um herói como gosto de ver, com classe, sem medo de pôr as mãos na massa, muito inteligente mas também muito perigoso em termos físicos (sabe karaté venusiano!!), envolve-se em mil e uma coisas movido apenas pela sua curiosidade, teimosia e vontade de ajudar.

Sem nunca amarrotar a roupa. E além de tudo isso, é claramente o Doctor, com traços que já vi em qualquer um dos outros que conheço bem: First (William Hartnell), Second (Patrick Troughton), War (John Hurt), Ninth (Christopher Eccleston), Tenth (David Tennant), Eleventh (Matt Smith) e Twelfth (Peter Capaldi). Por essas e por outras, esta sétima temporada foi durante umas semanas a minha forma de descansar, uma oportunidade de parar e ficar vidrado a seguir as desventuras do Doctor e companhia. Está bem feita, tem bons argumentos, os actores são cada vez melhores (o método de actuar no início da série era bastante diferente), bons efeitos tendo em conta o orçamento, e não tem medo de enfrentar os assuntos, nem a violência, nem nada. Sem dúvida nenhuma, algo que aconselho a qualquer pessoa, na condição de deixar de lado as picuinhices, que pode discutir depois, e simplesmente apreciar e deixar-se envolver.

Garanto que vale a pena!

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O Dia do Sol Negro (XIII #1)


Argumento: Jean Van Hamme
Arte: William Vance
Tradução: Rui Freire


Opinião: Não sabia bem o que esperar. XIII é um tipo de BD, a franco-belga, da qual li muito pouco. Estou mais habituado a BD americana, britânica, alguma portuguesa, mas por aí. Portanto este livro foi, de certa forma, uma lufada de ar fresco. Com um traço mais realista e histórias mais plausíveis (ainda que igualmente exageradas!), fiquei honestamente surpreendido.

Não que me tenha convencido por completo. Para isso preciso de muito mais do que apenas este livro, mas fiquei curioso. Bastante curioso. O ritmo é completamente alucinante!

No entanto este livro pareceu-me mais uma apresentação do que se passa do que outra coisa, o que é perfeitamente normal numa saga. Tenho noção disso e fiquei já com isso na cabeça, à espera de mais alguns volumes para realmente perceber o que acho disto.

É que a história é misteriosa o suficiente para me deixar interessado. E parece-me que as personagens secundárias vão todas ser bem desenvolvidas, o que me agrada bastante. Pelo menos há espaço para isso!

E quando o livro quer ser triste e dramático, é triste e dramático à força. Começa tudo muito interessante, com um casal de velhotes a dar de caras com um tipo amnésico na praia, com "XIII" tatuado na clavícula, e um tiro na cabeça.

Enfim, gostei de ler. E a arte mais realista encaixa bastante bem no tom da história. Tem momentos bonitos, tem momentos tristes, tem momentos dramáticos, tudo bem explorado, sem apressar mas sem demorar demasiado. Um trabalho bem feito. Não me convenceu inteiramente - e a edição falhou ligeiramente, havia pelo menos um pedaço de texto que ficou sem balão, sobre um fundo escuro, e não deu para ler - mas acho que me convenceu o suficiente. Vamos agora ver como é que evolui.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O Livro de Cesário Verde


Autor: Cesário Verde


Opinião: Já se sabe que poesia não é para mim, mas eu lá vou tentando ler umas coisas, para pelo menos conhecer e criticar com conhecimento de causa. Não tinha nenhum interesse particular neste livro, nem nenhuma curiosidade especial, mas lembro-me de alguém me estudar Cesário Verde no 11º ano. Não fiquei fã, como é óbvio.

O problema é que, objectivamente falando, não vejo nestes poemas nada de especial. Quer dizer, nada assim tão especial que justifique Cesário Verde como um dos nossos melhores poetas. Noutro país qualquer, talvez, mas num país conhecido como "país de poetas", é um exagero.

Fiquei espantado, confesso, com as inclinações narrativas. A maior parte dos poemas contam uma história, por curta que ela seja, e são frequentemente mais narrativos do que líricos, e essa parte agradou-me. Alguém que perceba que poesia não tem de ser sinónimo de palavras aleatórias para transmitir uma mensagem profunda!

Mas depois todos os textos deixam transparecer uma boa dose de snobismo e uma obsessão muito pouco saudável com mulheres, ao ponto de se tornar, muito honestamente, irritante.

Por outro lado há uma fixação com a Morte que é muito curiosa. Até quando os poemas descrevem mulheres bonitas e situações românticas e lamechas, recorrem a cenários e a termos trágicos, quase mórbidos. É uma faceta interessante e provavelmente muito indicativo do carácter da escrita de Cesário Verde.

No entanto, não me encheu as medidas, nem de perto nem de longe.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

O poder dos palavrões

Falar de palavrões não é tarefa fácil. Por vários motivos, desde preconceitos de quem lê a, infelizmente, preconceitos entranhados no cérebro de quem escreve. No meu caso isso é completamente verdade. Não tenho qualquer problema em ler textos com palavrões, mas já escrevê-los... Quando escrevo uma história, por exemplo, tenho que fazer um esforço consciente para os incluir nos diálogos, porque é algo que me faz mesmo espécie.

Se bem que não é bem preconceito. Acho que são realmente palavras feias, e não gosto de escrever palavras feias. São óptimas para utilizar na oralidade, mas na escrita... Genuinamente falando, não gosto.

É por isso que vou escrever esta crónica sobre palavrões sem escrever um único palavrão. Ah!

Começo é por vos pedir para fazerem uma pausa nesta leitura, e seguirem para a crónica sobre palavrões que o Filipe Faria escreveu para o Morrighan. Muito bom. E explica perfeitamente o que se passa com os palavrões, porque é que os consideramos palavrões, e porque raio é que existe tanto pudor com eles.

Não é sobre isso que quero falar, no entanto. A aceitação, ou não, dos palavrões pelo público geral é algo complicado, mais que não seja porque o público geral tem as grilhetas do politicamente correcto, que não incluem, obviamente, quaisquer palavrões.

Eu quero apenas pôr mais um prego no caixão dos argumentos anti-palavrões dessas pessoas. O meu objectivo é explicar a utilidade e a eficácia dos palavrões. Para tal, vou recorrer à segunda crónica do Filipe Faria, no Morrighan, sobre palavrões, estes menos profanos e mais arcaicos. A defesa que o autor faz da utilização de termos ditos complicados, antigos e obscuros, é quase tão boa como a utilização que faz na sua escrita desses mesmos vocábulos.

É importante, neste texto, repararem em algo muito essencial. Há palavras portuguesas, muitas vezes arcaicas e praticamente caídas em completo desuso e esquecimento, que resumem uma frase inteira. Os exemplos que o autor dá são chanfalho e arandela, que substituem "espada de má qualidade" e "parte saliente da boca do castiçal", respectivamente. Quão genial é isto? Muito!

Reparem em como se trocam expressões compridas e desajeitas por uma única palavra, com um ar peculiar, que chama a atenção e claramente fica no ouvido, mais que não seja pela estranheza? Fantástico! Esta é boa parte da beleza da nossa língua, a capacidade que ela tem de ter uma palavra única para praticamente tudo o que se possa imaginar, algo que também é visível em A Demanda de D. Fuas Bragatela, de Paulo Moreiras.

Temos uma língua riquíssima, é verdade, e aproveitamo-la muito mal. E isto não é válido simplesmente para palavras antigas, complicadas e etc. Também é válido, e muito, para os palavrões. Os a sério.

Digam-me, existe algo mais perfeito para se dizer quando nos aleijamos, do que um belo de um palavrão? Ou na escrita, num diálogo entre pessoas normais, vamos fazer com que chamem "pega" a alguém, quando não é bem isso que se quer dizer? Há algo mais explicativo do que um belo de um palavrão?

Pois é. Faz sentido. E os leitores ficam mais do que esclarecidos. Mas há mais! Os palavrões ainda têm o dom de serem palavras muito fortes e marcantes, de tal forma que podem mudar completamente o tom de um texto. Mais que não seja obrigam o leitor a parar e a dar conta daquilo que está a ler. Porque o palavrão a isso obriga, é algo chamativo, até chocante (para os padrões politicamente correctos de hoje) e que nos faz pensar duas vezes.

Ou seja, os palavrões podem fazer a diferença num texto, desde que bem utilizados. Porque uma coisa é dar realismo a uma conversa, outra é encher um texto de palavrões porque isso é avant-garde, ou o raio que o parta. Palavrão pelo palavrão faz tanto sentido como incluir sexo só porque sim, ou ter uma personagem de uma minoria só porque tem de ser, ou algo parecido. Tem que fazer sentido. Não pode exagerar sem um motivo (muito) válido. E não pode perturbar a escrita, antes pelo contrário: tem que fazer parte, e ser tão natural como o resto que está à volta.

Só que isso é complicado de fazer, e uma boa parte na nova vaga de escritores portugueses, por exemplo, cai no erro do avant-garde-ismo baratucho. O que é mau, não só para a literatura portuguesa, como para os palavrões, palavras tão dignas como quaisquer outras. Um bocado feias, mas dignas.

Não tenham medo dos palavrões, é isso que eu quero dizer, nem na leitura nem na escrita. São úteis, são bastante expressivos e parte genuína da nossa língua, que ainda por cima até é relativamente inventiva e original no que a palavrões diz respeito, principalmente no que toca a chamar nomes a alguém. Só não abusem!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

A Mãe que Chovia


Texto: José Luís Peixoto
Ilustrações: Daniel Silvestre da Silva

Sinopse

Opinião: Mais um livro que me foi emprestado por um colega do museu, e desta vez um no qual eu nunca iria pegar de livre e espontânea vontade. Sim, tenho um problema com o Peixoto. E não foi este livro que o resolveu.

Sendo um livro para crianças, seria de imaginar que dou um desconto e tal, mas não. Os livros infantis são tão bons de ler como outros quaisquer, e um bom livro infantil pode bater aos pontos qualquer outro tipo de bom livro.

Não é o caso. A história é engraçada, tem uma boa ideia e alguma escrita inteligente. Cedo a mão à palmatória, de vez em quando há bons momentos. Toda a noção de uma criança que é filha da chuva é muito interessante, e o tratamento que lhe é dado, tanto pelo texto como pelos desenhos, é bom, pelo menos a espaços.

Quer dizer, as ilustrações são sempre boas. Realistas mas algo... Difusas. Não demasiado elaboradas, mas com pormenores suficientes para se dizer que têm de facto pormenores relevantes. Como um sonho. E isso, pelo menos, é fantástico.

O texto é que deixa muito a desejar. E não, não estou a dizer isto só por ser o Peixoto. Desde frequentes falhas gramaticais que me deram enfartes agudos do gramaticárdio, até sintaxes demasiado elaboradas para um livro de crianças, passando por um final sem imagens, com pelo menos quatro páginas inteiras de texto texto texto, a tentar ser poético e a falhar redondamente nisso, e em ser acessível para crianças.

Um livro para crianças que não acessível a crianças? É verdade. Foi isso que Peixoto escreveu. E nem as ilustrações de Daniel Silvestre da Silva o salvaram.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Por Mundos Divergentes


Autores: Ana C. Nunes, Nuno Almeida, Pedro Martins, Ricardo Dias, Sara Farinha
Ilustradores: Manuel Alves, Ana Santo, Leonor Ferrão, Rui Miguel Gomes, Magde Matias


Opinião: Depois de Na Sombra das Palavras, peguei neste livro com algumas expectativas, mas não demasiadas. E ainda bem. Desta vez nem cheguei a concorrer, portanto se houve dúvidas quando à minha imparcialidade na opinião do livro anterior, não podem existir para este!

Comecemos por falar da capa. Fantástica. A sério, é uma boa capa, chamativa, interessante, e perfeitamente adequada ao tema do livro. De resto, em termos de edição, é o esperado da Editorial Divergência, a editora empenhada e amiga do ambiente!

Agora antes de falar dos contos, quero falas das ilustrações que acompanham os ditos. Que vontade de bater em alguém. Logo o primeiro conto, escrito por Ricardo Dias e ilustrado por Rui Miguel Gomes, falha completamente. São ilustrações com um ar amador até ao tutano. A sério, são más. Assim como as do último conto, escrito por Sara Farinha e ilustrado por Magde Matias. Já não têm um ar tão amador, mas continuam a ser fracas, muito fracas. Os outros três contos têm ilustrações competentes, nenhuma delas particularmente vistosa ou excepcional, mas competentes e agradáveis.

Com isso já fora do sistema, vamos lá focar-nos nos contos. O primeiro é Patriarca, de Ricardo Dias, que tem uma premissa interessante mas um mundo distópico muito pouco consistente. Ora há um controlo extremo como se desafia abertamente a autoridade sem grandes consequências. Orwell e companhia são leitura obrigatória nas escolas, e aqui ninguém me convence que qualquer que seja a autoridade vai cair na idiotice de achar que esses livros servem os seus propósitos.

Mas pronto, a ideia do computador vivo, tão vivo que se vira contra si próprio, é fascinante, embora a forma como a história é contada a deixe demasiado confusa. Ainda por cima a escrita é mediana e o fim é muito, muito fraco.

Depois vem Em Asas Vermelhas, de Nuno Almeida, um dos contos mais interessantes, mas que peca por causa da escrita mediana e do péssimo desenvolvimento das personagens. São praticamente unidimensionais e mudam conforme o enredo precisa. O ritmo é algo confuso, tem um final cliché e muito, mas muito mal aproveitado, mas tenho que destacar a ideia de haver uma espécie de apartheid no futuro, com a desculpa de radiações e afins. Boa premissa!

O conto seguinte deve ser o meu favorito. Dispensáveis, de Ana C. Nunes, tem uma abordagem muito mais íntima do que os outros contos, ao acompanhar o final de vida de um idoso numa distopia que classifica os velhos e inválidos como dispensáveis e os abandona em lugares apropriados. Um nazismo suave. A escrita é boa, a história também, e o tom é muito negro, com muitos bons momentos (e alguns, poucos, menos bons).

Consegue ter um final satisfatório, ainda que previsível. Só não gostei de ter alguém na primeira pessoa a terminar o discurso daquela forma, porque não faz muito sentido. Não quero dizer mais para não estragar leituras, mas pronto.

Arrábida8, de Pedro Martins, é o conto mais desenvolvido, pelo menos em termos do universo distópico que apresenta, incluindo até um sistema muito interessante de balanço pessoal das coisas más e stressantes com as coisas boas. Demasiado trabalho, acumula demasiados créditos, tem que ir gastar em lazer. Muito interessante!

As personagens é que são fracas. O ritmo também é, no mínimo, estranho. Mas evolui bem, é uma história interessante de acompanhar, misteriosa, com pequenas dicas do que se passa, e tal. Estraga é um bocado no fim (acho que a minha obsessão com princípios e fins esteve nos píncaros durante este livro todo), por deixar algumas pontas soltas que era importante ter atado.

Por fim, Somos Felizes, de Sara Farinha, que tem a distopia mais aterradora, sem sombra de dúvida: uma em que obrigam as pessoas a ser felizes, a níveis bastante perturbadores. Gostei de ler, mas a história é altamente confusa, como se não se conseguisse decidir exactamente por onde seguir. Acaba por ter uma premissa interessante - numa sociedade feliz por lei, como é que se lida com a morte? - e desenvolvimentos bem feitos, mas deixa um bocadinho de nada a desejar. Não deixa, no entanto, de ser uma boa forma de terminar o livro.

Como podem ver, a qualidade dos contos não é muito variável. Não há nenhum que se destaque nem pela positiva nem pela negativa. É uma melhoria em relação à antologia anterior, pelo menos agora gostei realmente da leitura, mas fico com a sensação que isto ainda não é o melhor que há. Nem digo outros contos, nem outros autores, mas sim um maior polimento destes contos. A maior parte dos defeitos que apontei tinham sido facilmente resolvidos com mais umas voltas aos contos.

Juntamente com isso, as frequentes gralhas também chateiam, o que me deixou a pedir várias vezes aos deuses da Revisão para fazer cair um relâmpago neste livro. Momentos de cabeça quente, nada mais, porque ao fim e ao cabo este é um livro razoável. Ainda por cima tendo em conta que é apenas o segundo livro da Divergência, e que o primeiro foi abaixo de razoável, isto é bom, e por isso é preciso louvar novamente a editora. Venham os próximos!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Que as citações nos caiam em cima [59]


"Tinham passado dias a juntar os esquisitóides mais malucos de São Francisco. Uma cidade em que eles não faltavam. Freaks que ululavam enquanto gravavam símbolos nas costas de crianças perdidas... Homens que arrancavam as pálpebras para nunca pararem de ver o Sol..."

A Morte Persegue-me (Fatale #1)
Ed Brubaker

A Morte Persegue-me (Fatale #1)


Argumento: Ed Brubaker
Arte: Sean Phillips, Dave Stewart
Tradução: José Hartvig de Freitas


Opinião: Vi este livro no Fórum Fantástico do ano passado, e ainda pensei em comprá-lo juntamente com o primeiro Tony Chu, mas folheei e as ilustrações, por algum motivo, não me atraíram. Passado algum tempo deixei-me convencer pela fantástica edição da GFloy deste policial noir lovecraftiano, e não me arrependo.

É muito interessante a forma como Brubaker não tem, propriamente, um protagonista, mas sim uma história para contar, mais importante e maior do que qualquer personagem e qualquer acontecimento do livro. Tudo o que acontece são desenvolvimentos de partes dessa história maior, que acaba por ser contada com mestria, de forma muito subtil.

A arte, que ao início não me tinha convencido, é bastante apropriada ao tom do livro. Continuo a não ser o maior fã, mas revelou-se mais agradável do que estava à espera.

A subtileza da narrativa nota-se a vários níveis, e um deles é a femme fatale que serve como olho da tempestade ao longo destas páginas. Misteriosa, com vários segredos e relações peculiares, desde o início que mostra ser uma personagem com muito mais para dizer do que aquilo que aparenta. O seu encanto vai-se estendendo a várias personagens, que se vão deixando embasbacar, umas atrás das outras.

O mais impressionante é que ela parece realmente interessada nos homens que vai usando. Mesmo aqueles de que está activamente a tentar fugir. É como se a certo ponto tenha de facto estado interessada neles, ou se tenha habituado de tal forma que é quase a mesma coisa. E isso parte-lhe o coração, tanto como aos seus apaixonados. Um autêntico segundo gume escondido da faca que é ser uma verdadeira femme fatale.

Mas no meio do ambiente noir aparece um tema que encaixa como uma luva: terror lovecraftiano. Nada demasiado chocante, pelo menos por agora, mas com uma utilização muito eficaz. Não que não existam alguns momentos chocantes, com muito sangue e muitas tripas bastante explícitas, mas raramente estão relacionadas com os monstros. Esses actuam mais em segundo plano, pela calada, e ficamos a saber dos horrores perpetrados mais pelas consequências e por descrições, do que por visualização directa.

Isto é um pormenor interessante e muito provavelmente deliberado, que não só está perfeitamente de acordo com o estilo original de Lovecraft, como dá uma nova dimensão ao medo do desconhecido, aqui transposto para BD.

O final deixa água na boca e muitas pontas por atar, de tal forma que me deixou imensamente curioso e com vontade de pegar imediatamente no volume seguinte (o que infelizmente só acontece pela Primavera, a acreditar no que diz na última página do livro), o que é de louvar, tendo em conta que estou a falar de um livro que inicialmente não me chamou a atenção.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

O problema da Literatura em Portugal

Para além de "não há dinheiro para comprar livros", como é mais do que óbvio. Esse problema já eu mostrei várias vezes que não é bem um problema: entre alfarrabistas, promoções, feiras do livro, e afins, é possível comprar autênticas pechinchas. E as BLX raramente falham, qualquer uma tem sempre alguma que vale a pena. Grátis.

Não, o problema é outro. E não é nada que seja fácil de resolver. Conhecem a expressão "levar-se demasiado a sério"? Acho que é mais ou menos isso que acontece. Seja na literatura dita mainstream (e essa às vezes não se leva tão a sério como devia) ou na mais especializada, seja em formato romance, conto, novela ou BD, parece que já quase ninguém se diverte a escrever.

Sim, meus caros, escrever é algo que se faz porque se gosta. É algo que nos deixa satisfeitos e concretizados, e que gostamos realmente de fazer. Mas o que eu vejo a acontecer não é isso. O José Rodrigues dos Santos, também conhecido como "A Máquina De Best Sellers Que De Certeza Não Os Escreve Sozinho", fez da escrita um trabalho como outro qualquer: cospe um livro a períodos regulares, com temas actuais, sempre com basicamente a mesma fórmula, e vende que nem pacotes de lenços no Inverno.

No nicho do Fantástico, que conheço melhor, aquilo que vejo é uma queda maior para a Ficção Científica - a literatura das ideias, não se esqueçam - e uma quase incapacidade em sequer discutir as coisas sem se entrar num autêntico combate de "a minha ideia de FC é melhor que a tua, na na na na!". Como é que um autor de FC pode sequer entrar no mercado? A multidão de críticos, às vezes mais preocupados com o facto das cortinas não chegarem ao chão e então não fazer sentido estarem tão puídas, do que com a história e a escrita, parece uma corte de abutres à espera da próxima posta de carne para canhão. É intimidante.

Nem falo de pessoas como o Pedro Chagas Freitas, cuja denominação de escritor até me faz espécie. Mas posso dar o exemplo do David Soares, um escritor a sério, cujo trabalho admiro (algumas coisas mais do que outras, no entanto), mas que leva a sua genuína intelectualidade demasiado a sério. Bem, tem dias. Acho mais que ele é como um professor do IST: genial na sua área, mas com dificuldades em pôr de forma simples aquilo que lhe vai na cabeça, simplesmente porque o que lhe vai na cabeça não é simples.

Um bocado como o que acontece com o Gonçalo M. Tavares, alguém cujo talento imenso reconheço, mas cujos livros me apetece atar a blocos de cimento e atirar ao rio. A sua mensagem tem que passar, e é uma coisa muito séria, e se ele não a repetir trinta mil vezes de trinta mil formas diferentes, não vai ficar satisfeito.

Estou-me pouco borrifando para o primeiro autor que mencionei e para o indivíduo de que falei a seguir. Mas os outros, e muitos como eles, tanto mais veteranos como mais amadores, só tinham a ganhar com uma abordagem mais relaxada. Especialmente o pessoal que anda agora aí novo, não há pressa nem necessidade de preencher determinado critério super exigente de que tudo tem que ser pensado até à exaustão. Tenham calma. Escrevem porque sim, porque gostam, porque vos sabe bem.

Como faz o pessoal da Imaginauta. É claro que não sei se se estão a divertir com este projecto, mas é daquilo que falo. Não se levam demasiado a sério. Têm um projecto, têm um plano, estão a explorar e a divertir-se. "Vamos fazer um livro de contos", "agora vamos arranjar um CD", "agora vamos fazer uma campanha de livros natalícia", "agora vamos fazer um concurso para arranjar um RPG". Ah!

Ou como fazem o Manuel Alves e o Joel Gomes, que promovem o seu trabalho de forma engraçada e sem pretensiosismos. Muito tranquilos. Como eu gosto de ver.

E tudo isto se resume a algo muito simples. Por muito lógico que eu seja, e por muito que preze o meu raciocínio, há uma coisa de que tenho perfeita noção. Para mim, e acho que isto é que faz sentido, a Literatura antes de ser intelectual, é emocional. Desperta sensações. Faz-nos sentir coisas. Só depois dessa primeira fase é que realmente analisamos as coisas com algum método, e começamos a ver as falhas ou os parafusos que estão a manter tudo junto.

Quando o pessoal se leva demasiado a sério, salta a experiência emocional. Agarra num texto e lê-o com o espírito de "vamos lá ver onde é que ele se enganou", ou "deixa lá contar o número de clichés". Ou escreve alguma coisa e pensa nas suas personagens como meros veículos de mensagens e engrenagens na máquina narrativa que é a sua obra.

O panorama começa a mudar, e sei que esta minha opinião pode ser, no mínimo polémica, mas só quando os leitores e escritores portugueses aprenderem que podem sair do pedestal e ser comuns mortais, é que a Literatura por cá avança alguma coisa.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Sombras


Autora: Marta Monteiro


Opinião: Muito bom. Este livro foi-me emprestado por um colega do museu, ele próprio um artista, quando se apercebeu que, digamos, livros era a minha cena. Também me emprestou outros dois, dos quais falarei a seu tempo, mas decidi começar por este, o mais pequeno e ainda por cima o que mas me interesse me despertou - não tem qualquer texto.

É logo aí que entra a parte de ilustração, com uma utilização das sombras que é qualquer coisa de especial, sem sequer contar propriamente uma história. É mais um cruzar de histórias, com milhentas interpretações possíveis e imaginárias! Estarão as sombras maluquinhas de todo? Isto será apenas um dia normal num mundo diferente do nosso? Passa-se alguma coisa estranha? Não sei, mas é delicioso ver as sombras a afastarem-se dos seus donos, e a interagirem umas com as outras e com o mundo real.

Para o tipo de ilustração, que não é dos meus favoritos, fiquei agradavelmente surpreendido. A ausência total de texto poderia ser um grande senão, mas não me chateou. Não é importante, e o que me parece é que apenas me iria distrair daquilo que realmente interessa. O livro assim até ficou a ganhar!

Sim, porque por vezes as sombras são subtis na sua diferença/revolta, mas há sempre qualquer coisa. O texto iria ser redundante, na melhor das hipóteses. A autora fez um excelente trabalho e este livro deixou-me realmente curioso!

O facto de ser um livro infantil também não se fez notar. Sim, talvez seja um bocadinho ingénuo e simplista, mas qual é o problema disso? Não é difícil alguém abrir este pequeno livro e perder-se a explorar o mundo que ali está representado, tentar perceber o que vai determinada sombra fazer, ou porque é que as sombras se estão a comportar assim.

Será que estão a manifestar os traços do subconsciente das pessoas? E o homem cuja sombra é um ladrão talvez até gostasse de andar por aí a roubar, mas reprime? Boa pergunta, à qual os petizes dificilmente chegarão, o que apenas prova que Marta Monteiro fez aqui um trabalho que pode agradar a toda a gente.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Morte nas Nuvens


Autora: Agatha Christie
Tradutora: Luísa Feijó


Opinião: O típico caso de quarto fechado. Numa viagem de avião - em que Poirot, obviamente, participa - uma mulher é misteriosamente morta. O culpado tem de estar entre os presentes no compartimento, mas ninguém viu nada nem sabe de nada, apesar da morte ter ocorrido via zarabatana.

Eu juro que não sei como é que demoram tanto tempo a perceber que não foi com a zarabatana. Mas praticamente até ao fim é isso que acham. O quê? Spoiler? BOOHOOO, não me venham com tretas, ninguém acredita que se possa matar alguém, num avião cheio de gente, com uma zarabatana.

A única coisa menos discreta era uma betoneira.

Mas pronto, estes mistérios da vida lá acontecem, e se acham que a presença de Poirot significa que o crime ficou resolvido logo à partida, estão enganados. O nosso querido detective tem um estomac deveras fraco, portanto passa a viagem toda encolhido nas suas peles, a dormitar e a sofrer.

E é claro que depois toda a gente está relacionada, naquele avião. A investigação é a típica: Poirot sabe sempre mais do que toda a gente, apenas com as pistas que também são apresentadas a quem lê, e nunca revela nada até ao último instante.

Não me estou a queixar: já sei, quando pego em Agatha Christie, que a história vai ser algo assim. Raramente é algo muuuuito diferente. O que é impressionante nos livros dela, como neste, é a forma como ela me prende à leitura, apesar de eu saber isto tudo.

Eu consigo, literalmente, estar a ler e dizer "isto depois é importante. isto é só para enganar. agora falta o par romântico secreto. ai essa personagem usa boxers às bolinhas? então vai ser familiar do criminoso.", porque enfim, há coisas que acontecem sempre e que são extremamente óbvias.

A resposta ao mistério, por outro lado, não costuma ser óbvia. Aqui é assim-assim, mas normalmente a revelação é um momento climático pelo qual vale a pena esperar. É essa a magia de Agatha Christie. Essa, e o facto de conseguir garantir que daqui a uns tempos volto a pegar noutro livro dela!

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Que as citações nos caiam em cima [58]


"A grande parte daquilo que os meus vizinhos consideram ser bom, eu acredito com toda a alma que seja mau, e se me arrependo de algo, é muito provável que seja do meu bom comportamento. Que diabo me possuiu para que me comportasse tão bem? Podeis dizer a coisa mais sábia que conseguirdes, ó ancião (vós, que vivestes setenta anos, não sem toda a espécie de honras), mas eu escuto uma voz irresistível que me convida ao alheamento de tudo isso. Uma geração abandona as iniciativas da outra como se se tratassem de navios encalhados."

Onde Vivi e Para Que Vivi
Henry David Thoreau

Onde Vivi e Para Que Vivi


Autor: Henry David Thoreau
Tradutora: Odete Martins


Opinião: Sabem quando um livro até podia ser interessante, mas fica aquém? E nem sequer é propriamente por ser um mau livro, ou estar mal escrito, mas sim porque pura e simplesmente não é algo que vos interesse muito?

Pois é, foi o que aconteceu com este livro. Não tinha nenhum motivo em especial para ler isto, mas decidi pegar nele porque andava aqui por casa e precisava de alguma coisa pequena para despachar rápido e desanuviar.

Não conhecia o autor nem nunca tinha ouvido falar do livro em lado nenhum. Curiosamente, depois de o ler, encontrei um livro do autor na Fnac. Mas antes, não sabia nada de nada. O que significa que comecei a leitura completamente às escuras, por assim dizer. E quando percebi sobre o que era, até achei piada: uma espécie de visão naturalista e simples da vida. Ou de como o autor acha que a vida devia ser, melhor dizendo.

Só que pronto, não é tema que me interesse. Estes ideais de comunhão com a natureza e de vida simples, à base de trocas e uma vida calma, é demasiado simplista para mim. Simplesmente não é realista. Talvez há umas décadas até fosse mais razoável, mas entretanto as coisas evoluíram, e viver assim é viver como um eremita sem grande futuro.

Também não consigo deixar de pensar que alguém a viver assim é pura e simplesmente egoísta. Não contribui nada, para nada. Bem, não chateia ninguém, já é qualquer coisa, é verdade. Mas é uma vida de isolamento, de afastamento e até de alienamento em relação aos outros e à sociedade.

No entanto tenho que deixar bem claro que é um livro bem escrito, porque é. Thoreau tem uma escrita clara e objectiva o suficiente para fazer passar o seu ponto de vista sem o forçar no leitor, algo que muitos autores contemporâneos portugueses podiam aprender a fazer. Mas pronto, lá está, não é o meu tipo de leitura, e portanto não a apreciei como poderia ter feito, por muito que reconheça a qualidade da escrita e do livro.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Extra-leitura


Num mundo perfeito todos os livros seriam vendidos em edições espectaculares e espectacularmente baratas. Ter cada um deles na estante seria um orgulho, pegar neles seria quase um momento de culto, e lê-los seria um sonho dentro de um sonho. Pelo menos para mim, que gosto quase tanto do livro-objecto como do livro-leitura.

Aliás, se me acompanharem regularmente é fácil de verem os vários momentos em que me babo para edições lindíssimas, ou em que me queixo de edições ranhosas. Para mim, ler envolve tudo, da capa à contracapa, sem excepção, e todos os pormenores são importantes.

Sei perfeitamente que não é assim para toda a gente. Conheço quem se esteja a borrifar, vá pegar numa edição qualquer da biblioteca, por mais podre que esteja, e lê satisfeito da vida. É válido, a leitura é exactamente a mesma!

Ou será? A pergunta que me faço, e a vocês, é se será realmente assim, se o tipo de edição não influencia a leitura? Pior ainda: deveria fazê-lo?

A mim sei que influencia, e não me importo nada. Se for um livro realmente bom, até o posso escrito em guardanapos agrafados uns aos outros, que fico bem. E se for um livro realmente mau, nem que venha numa edição banhada a ouro. Para o resto dos livros, bem, influencia um bocadinho.

Mais que não seja por comparação. Digam o que disserem, há edições que apetece emoldurar! Quando pego num livro assim, já vou satisfeito, e muito mais permissivo, digamos assim, para o conteúdo do livro. Perdoo-lhe algumas coisas, porque a capa é fantástica, ignoro outras, porque as ilustrações são um mimo... Enfim, deixo-me aldrabar pelo aspecto!

Não se preocupem que as minhas opiniões continuam a ser de confiança. Se um livro é mau, é mau, se é mediano, é mediano, e se é bom, é bom. Acabou. Mas dentro do mau, mediano, bom, há várias tonalidades, e sou mais simpático para um mediano se a edição for fantástica, e menos agradável para um bom se a edição for terrível.

Será que isto é bom? Válido? Eu acho que sim! Quando compro um livro, compro-o como um todo, quero que o livro seja bom e bonito. Já para não falar daquelas edições que têm um tamanho perfeito, que se tornam tão agradáveis de ler.

O outro ponto de vista também é legítimo, no entanto. O que realmente importa é o conteúdo, um livro não pode propriamente ter um valor diferente só porque a edição mais recente é consideravelmente mais agradável, e de capa dura e tudo isso. O que livros como a Odisseia já devem ter sofrido, desde as suas origens como uma espécie de audiobook da Grécia Antiga (começou por ser apenas uma história que se contava, que passava de pessoa em pessoa), até hoje em dia!

Continuo a gostar mais do meu ponto de vista. É por isso que tenho tanto cuidado com os livros que compro e os livros que leio. Se for um livro que quero mesmo ter, e do qual sei existirem mais edições, não me vou resignar a comprar uma edição feia, só por ser mais barata. Aliás, até nem me importo de gastar mais uns cobres numa edição toda xpto, que ainda por cima me vai ficar bem na estante. Não tenho problemas com isso.

Um livro, para mim, inclui tudo. Se vou gastar dinheiro, ao menos que seja em algo agradável aos sentidos!