Título: O Sangue e o Fogo
Autor: António de Macedo
Sinopse: Prepare-se para uma viagem fantástica que começa nas ruínas da lendária Khalôm, cujas ruas eram percorridas pelas almas dos mortos porque um terrível sortilégio impedia o acesso às regiões celestes a quem morresse dentro das suas muralhas; uma viagem que continua com o choque entre os fanáticos rigores da Inquisição e as acções de bruxas que assolam uma vila no Alentejo; uma viagem que termina com um professor que capta as frases ditas por Jesus um mês antes da sua crucificação e que podem abalar os pilares em que assentam os principais dogmas da Igreja.
Opinião: Tenho pena de ter lido este livro nesta altura. Para o conseguir apreciar como deve ser, tenho que ter tempo para o ler calmamente e fazer pesquisa, para ser capaz de apreender tudo aquilo que António de Macedo tenta transmitir através da sua escrita e das suas histórias.
É que a escrita é impecável. As 3 peças de teatro (sim, teatro) têm histórias interessantes e, passe a repetição, surpreendentemente surpreendentes. A primeira, O Osso de Mafoma conseguiu apanhar-me desprevenido e dar umas reviravoltas quando eu já não esperava que tal fosse possível. A segunda, A Pomba, de longe a minha favorita, também teve alguns momentos em que fiquei de boca aberta. E por fim, A Nova Ilusão, que não é de todo a mais espectacular, mas que talvez seja a que tem a premissa mais louca, apesar de ser a que tem menos intervenção do sobrenatural.
Todas as 3 peças falam sobre vários assuntos como o amor, a obsessão, a morte e a religião, mas é especialmente sobre esta última que se concentram as atenções. Em O Osso de Mafoma há um amor impossível estilo Romeu e Julieta, com religiões em vez de famílias, mas com um início trágico e um fim... Bem, logo dão por ela. Passada ainda antes do ano 1000, é interessante ver o cuidado com que o aspecto histórico foi tratado, nomeadamente (e isto é um ponto comum a todas as 3 histórias) as mentalidades das pessoas da altura.
Curiosamente foi a peça mais antiga a que mais me interessou. A Pomba foi escrita foi em 1984, um ano antes de A Nova Ilusão e seis antes de O Osso de Mafoma, e passa-se já em plena época de Inquisição. Como já disse, foi a peça que mais me agradou, possivelmente por ter o fim mais... estranho e ao mesmo tempo espectacular, quase épico, ou talvez por ser simplesmente a que mais se adequa aos meus gostos. Fala de bruxaria, do fanatismo Cristão, da hipocrisia e do preconceito, sem descurar o amor, ou a falta dele. Gostei particularmente do facto da história se situar exactamente em cima duma linha bastante ténue e difusa que separa o real do Fantástico, deixando-nos a questionar me qual dos lados se situa definitivamente, mesmo após o final aparentemente óbvio.
E nesse aspecto fez-me lembrar um pouco o que sinto quando leio Agatha Christie, só que em vez de pensar que alguém é culpado de algo, deu para ficar a pensar sobre se o que estava a presenciar era magia ou não. Numa página, "Ah, isto foi claramente bruxaria!", e na a seguir "Espera, se calhar não, esta explicação faz sentido...". Nesse aspecto, genial.
Por fim, A Nova Ilusão é o que explora de forma mais intensa o fanatismo religioso de uma forma geral, usando uma facção do Cristianismo em Portugal como representante. Ou talvez tenha sido uma crítica intensa e específica ao Cristianismo em Portugal, pois bem vistas as coisas, o autor já sofreu bastante por causa dos seus filmes, polémicos e que nunca agradaram particularmente à Igreja.
De qualquer forma, a premissa é absolutamente louca, embora eu já a tenha visto algures. Não sei bem onde, sei apenas que a ideia base não é uma ideia completamente nova: a de usar utensílios feitos há muitos anos para ouvir sons dessas épocas. A ideia é simples e faz algum sentido, nomeadamente em peças de barro, feitas na roda do oleiro, com o auxílio de instrumentos metálicos que podem ter sido ligeiramente afectados pelos sons em redor, deixando irregularidades microscópicas na superfície que podem depois ser "ouvidas", via aparato tecnológico. Esta parte em si nem é assim tão louca, tendo em conta a pessoa que supostamente é ouvida através desta técnica, e o que ela diz...
Mas como disse no início, por muito que tenha gostado do livro, e em particular de A Pomba, tenho noção que houve muita coisa que me escapou. Preciso de pesquisar e de ler com uma enciclopédia gigantesca sempre ao lado, tal é a erudição e a cultura que este escritor passa para o papel. O que me leva à última coisa que quero dizer, que é deixar aqui bem assente qual é uma das partes mais interessantes de todo o livro: a introdução, prefácio, ou o que lhe quiserem chamar. António de Macedo é uma daquelas pessoas que dá gosto ouvir falar, como eu comprovei no Fórum Fantástico do ano passado, tal é intensidade com que o conhecimento emana da sua pessoa, e comprovo agora que consegue escrever como fala! Fiquei fascinado, como é óbvio.
O Sangue e o Fogo é então um bom livro, com potencial para ser um mais do que excelente livro, assim que eu o consiga ler com a atenção e as pesquisas adicionais que ele merece. Fica a vantagem de ficar a conhecer a escrita deste grande senhor e a vontade de ler e ver muito mais coisas do cineasta feito escritor que é um homem de cultura em todas as suas vertentes.
É que a escrita é impecável. As 3 peças de teatro (sim, teatro) têm histórias interessantes e, passe a repetição, surpreendentemente surpreendentes. A primeira, O Osso de Mafoma conseguiu apanhar-me desprevenido e dar umas reviravoltas quando eu já não esperava que tal fosse possível. A segunda, A Pomba, de longe a minha favorita, também teve alguns momentos em que fiquei de boca aberta. E por fim, A Nova Ilusão, que não é de todo a mais espectacular, mas que talvez seja a que tem a premissa mais louca, apesar de ser a que tem menos intervenção do sobrenatural.
Todas as 3 peças falam sobre vários assuntos como o amor, a obsessão, a morte e a religião, mas é especialmente sobre esta última que se concentram as atenções. Em O Osso de Mafoma há um amor impossível estilo Romeu e Julieta, com religiões em vez de famílias, mas com um início trágico e um fim... Bem, logo dão por ela. Passada ainda antes do ano 1000, é interessante ver o cuidado com que o aspecto histórico foi tratado, nomeadamente (e isto é um ponto comum a todas as 3 histórias) as mentalidades das pessoas da altura.
Curiosamente foi a peça mais antiga a que mais me interessou. A Pomba foi escrita foi em 1984, um ano antes de A Nova Ilusão e seis antes de O Osso de Mafoma, e passa-se já em plena época de Inquisição. Como já disse, foi a peça que mais me agradou, possivelmente por ter o fim mais... estranho e ao mesmo tempo espectacular, quase épico, ou talvez por ser simplesmente a que mais se adequa aos meus gostos. Fala de bruxaria, do fanatismo Cristão, da hipocrisia e do preconceito, sem descurar o amor, ou a falta dele. Gostei particularmente do facto da história se situar exactamente em cima duma linha bastante ténue e difusa que separa o real do Fantástico, deixando-nos a questionar me qual dos lados se situa definitivamente, mesmo após o final aparentemente óbvio.
E nesse aspecto fez-me lembrar um pouco o que sinto quando leio Agatha Christie, só que em vez de pensar que alguém é culpado de algo, deu para ficar a pensar sobre se o que estava a presenciar era magia ou não. Numa página, "Ah, isto foi claramente bruxaria!", e na a seguir "Espera, se calhar não, esta explicação faz sentido...". Nesse aspecto, genial.
Por fim, A Nova Ilusão é o que explora de forma mais intensa o fanatismo religioso de uma forma geral, usando uma facção do Cristianismo em Portugal como representante. Ou talvez tenha sido uma crítica intensa e específica ao Cristianismo em Portugal, pois bem vistas as coisas, o autor já sofreu bastante por causa dos seus filmes, polémicos e que nunca agradaram particularmente à Igreja.
De qualquer forma, a premissa é absolutamente louca, embora eu já a tenha visto algures. Não sei bem onde, sei apenas que a ideia base não é uma ideia completamente nova: a de usar utensílios feitos há muitos anos para ouvir sons dessas épocas. A ideia é simples e faz algum sentido, nomeadamente em peças de barro, feitas na roda do oleiro, com o auxílio de instrumentos metálicos que podem ter sido ligeiramente afectados pelos sons em redor, deixando irregularidades microscópicas na superfície que podem depois ser "ouvidas", via aparato tecnológico. Esta parte em si nem é assim tão louca, tendo em conta a pessoa que supostamente é ouvida através desta técnica, e o que ela diz...
Mas como disse no início, por muito que tenha gostado do livro, e em particular de A Pomba, tenho noção que houve muita coisa que me escapou. Preciso de pesquisar e de ler com uma enciclopédia gigantesca sempre ao lado, tal é a erudição e a cultura que este escritor passa para o papel. O que me leva à última coisa que quero dizer, que é deixar aqui bem assente qual é uma das partes mais interessantes de todo o livro: a introdução, prefácio, ou o que lhe quiserem chamar. António de Macedo é uma daquelas pessoas que dá gosto ouvir falar, como eu comprovei no Fórum Fantástico do ano passado, tal é intensidade com que o conhecimento emana da sua pessoa, e comprovo agora que consegue escrever como fala! Fiquei fascinado, como é óbvio.
O Sangue e o Fogo é então um bom livro, com potencial para ser um mais do que excelente livro, assim que eu o consiga ler com a atenção e as pesquisas adicionais que ele merece. Fica a vantagem de ficar a conhecer a escrita deste grande senhor e a vontade de ler e ver muito mais coisas do cineasta feito escritor que é um homem de cultura em todas as suas vertentes.
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