Título: A Conspiração dos Antepassados
Autor: David Soares
Sinopse: Fernando Pessoa é convidado por Aleister Crowley, o famoso mágico inglês, a entrar numa aventura cheia de mistério para descobrir esse segredo que, afinal, talvez tenha a ver com D. Sebastião, e a verdadeira razão porque os portugueses foram derrotados em Alcácer-Quibir.
Do exotismo da Tunísia às ruelas húmidas de Londres, das mandíbulas da Boca do Inferno ao coração da Quinta da Regaleira, A Conspiração dos Antepassados é uma viagem inesquecível. Misturando verdade, lenda e magia, David Soares apresenta-nos algo nunca visto na literatura portuguesa: um romance cuja meticulosa pesquisa vai agradar aos estudiosos de Fernando Pessoa, e cuja energia vai encantar os fãs de uma grande aventura.
Opinião: Quem diria que eu, com toda a minha falta de apreço por Pessoa, iria um dia ler um livro sobre ele, de livre e espontânea vontade. A verdade é que acho que Pessoa, o homem e o escritor, foi uma figura interessante. São os escritos dele(s), nomeadamente a poesia, que não me convence.
Se bem que isso é completamente irrelevante para o caso. Aquilo que interessa é aquilo que vou tentar explicar a seguir: o quão bons são este livro e este escritor, uma tarefa que vai ser complicada. Primeiro porque estou tão fascinado com a obra, a escrita, a caracterização das personagens e a pesquisa exaustiva levada por David Soares, que corro o risco de parecer um fã demasiado excitado. E segundo porque não é uma obra para toda a gente, nem para todos os estômagos.
Não pretendo que as minhas opiniões sejam estritamente objectivas, ou deixariam de ser opiniões, mas também gosto de tentar evitar que caiam no completo subjectivismo. Não deixa de ser uma avaliação do livro, não é verdade?
Pois bem, tentemos. Para começar, é menos macabro e gráfico que o outro livro que li de Soares, Os Ossos do Arco-Íris, mas não deixa de o ser, de forma alguma. Aliás, eu não aconselho este livro de ânimo leve a qualquer pessoa. O capítulo que segue Aleister Crowley é particularmente explícito e todo o livro pode rapidamente ser classificado como "excessivamente gráfico" e "desnecessariamente violento". A certa altura há um ritual de iniciação que até à minha mente retorcida, habituada a ler e a ver de tudo, fez impressão. Bastante impressão.
Mas isto não é um livrinho cor-de-rosa, com uma bonita história de amor em que tudo acaba bem. Isto é literatura de horror no seu melhor, definitivamente o expoente máximo em Portugal, e capaz de rivalizar com grandes nomes a nível mundial. Na realidade, talvez o melhor seja categorizar este livro como dentro do género do fantástico. Como diz António Macedo no excelente prefácio, é um bocado impossível arranjar uma caixa em que este livro (e este autor) se encaixe, mas o fantástico talvez seja a melhor e mais compreensível aproximação, sem entrar em grandes detalhes de subgéneros de subgéneros.
Entre o cinzento dia-a-dia de Pessoa, com as suas depressões e angústias, e os rituais diários de magia sexual de Crowley, a diferença não podia ser maior. Homens diferentes em quase tudo, Fernando Pessoa, o poeta das mil faces, e Aleister Crowley, a Besta 666, encontram-se ligados por uma inteligência acima da média, incompreendida, e por uma forte sensibilidade a assuntos místicos e ao ocultismo. Ambos personagens centrais deste livro, estão igualmente bem caracterizados, assim como todas as personagens e todos os locais, o que revela a extensa e exaustiva pesquisa levada a cabo pelo escritor, que ainda escreveu, no fim, umas notas/comentários a cada capítulo e incluiu uma bibliografia.
A história dos dois une-se graças a uma demanda de Crowley, durante a qual tropeça no mito sebastianista. E qual a melhor ajuda, nesse campo, do que o poeta que tantos versos ocupou com as histórias do Rei Encoberto? A demanda toma caminhos inesperados, deixando Pessoa de boca aberta, exactamente a mesma reacção que eu tive. A trama é complexa, mas David Soares cria-a e desenvolve-a de forma brilhante, não deixando absolutamente nada ao acaso e revelando uma atenção quase doentia, no melhor sentido possível, ao detalhe, o que ajuda a dar uma ideia de realismo à história, mesmo nas partes mais estranhas.
Bem, não me vou alongar mais. Já devem ter percebido todo o meu fascínio pelo livro e pelo escritor que, acreditem, ganhou lugar cativo entre os meus escritores favoritos. Este livro é negro e angustiante, a escrita é trabalhada, detalhada e bastante gráfica, e nunca me vou cansar de dizer o quão bem caracterizadas estão as personagens. Não é uma obra para todos os gostos, e muito menos para todos os estômagos, como já disse, mas é, sem sombra de dúvida, um romance de excelência.