Autor: Filipe Faria
Ilustrador: Pedro Potier
Opinião: Vamos lá com calma. Vou fazer o mesmo que fiz quando acabei de ler o livro: respirar fundo, contar até dez, lembrar-me do Seltor. Infelizmente, isso não melhora nada, e este livro continua a ser mau. Abaixo do medíocre, sem sombra de dúvida, com algumas notas positivas mas, no geral, um completo descarrilamento para o Filipe Faria.
E chegado a este ponto gostava de ressalvar que gosto bastante do autor e continua a ter As Crónicas de Allaryia como uma das minhas sagas favoritas de sempre. Por causa disso, e da premissa apelativa de mistura de histórias tradicionais com sangue e tripas e o próprio estilo do autor, desde que O Perraultimato foi lançado que tenho bastante curiosidade para o ler.
É aqui que começa a minha história. Observem esta capa:
Não é propriamente feia, mas é infantil. Sofre do mesmo problema que as ilustrações no interior, não tem um estilo adequado ao conteúdo, quer do livro quer das próprias ilustrações. É uma pena, pois Pedro Potier parece ser um bom ilustrador, só que está completamente desadequado a este livro. E ainda por cima o livro foi relançado com a capa que podem ver no cimo do post, com o resto da colecção Felizes Viveram Uma Vez a acompanhar essa linha, muito mais interessante. Como devem imaginar, não queria esta capa, que supostamente até já nem devia estar a ser vendida.
Portanto fiquei aborrecido quando encomendei o livro e ele me veio com essa capa. Mais chateado fiquei quando fui à Fnac fazer a troca, e me sugeriram que eu devia estar à procura do segundo volume. Já não é a primeira vez que acontece, e eu sei que devem ouvir muito pedido estapafúrdio, mas é essencial que tentem compreender cada cliente, e não tentar tratar de todos pela mesma medida. Lá consegui explicar o problema e disseram-me que iam tratar do problema. Imaginem quão chateado fiquei ao voltar lá e ter um livro exactamente igual à minha espera. Só podiam estar a brincar comigo. Foi só com essa terceira tentativa que o livro veio com a capa que eu queria!
Mas pronto, lá o consegui, fiquei todo contente, ainda por cima devia ser interessante, de certeza que ia compensar!
Foi então que o comecei a ler. Novo Acordo, eugh. O prólogo ocupa quase metade do livro, eugh. Mas vamos lá. Nem começa nada mal, a primeira parte do prólogo (que está dividido em cinco) é bastante interessante. Uma versão melhorada e mais sangrenta (yay!) da história mais do que conhecida do Capuchinho Vermelho, e faz sentido que exista.
A escrita, no entanto, ainda mal tinha começado a ler, e já me estava a doer um pouco. Quase amadora! Ou melhor, amadora-que-se-esforça-demasiado-para-ser-profissional. Aquilo que me lembro das Crónicas, especialmente com o avançar dos livros, é de uma boa escrita, capaz de balançar as palavras pouco usuais com uma certa leviandade e um ritmo bastante variável. Neste livro, no entanto, há uma escrita a precisar urgentemente de revisão, com palavras arcaicas e excessivamente complicadas sem necessidade, e que apenas conseguem atrapalhar, e de que maneira, a leitura.
O resto das personagens apresentadas também é interessante, embora algumas histórias de origem (a certa altura só consigo pensar em super-heróis, e que quando acabar o prólogo vou ler uma coisa tipo Avengers) sejam menos interessantes que outras, as suas setenta ou oitenta páginas não me incomodaram. Fazem algum sentido. Talvez o autor pudesse ter lidado com isto de outra forma, mas nem ficou muito mal.
A história, quando "arranca", com aspas porque só arranca mais ou menos, é que deixa muito a desejar. E quando digo muito, quero mesmo dizer muito. Diálogos inconsequentes. Uma escrita consistentemente mediana e muito abaixo da qualidade a que o autor nos habituou. Enredo infantil e violência juvenil, com ambas as coisas a arrastarem-se ao longo dos capítulos sem qualquer necessidade. Uma série de falhas na própria lógica da história.
Enfim. Não quero bater mais no ceguinho. O meu maior problema, para além da demanda súbita e ligeiramente idiota em que os protagonistas se vêem envolvidos, é que este livro tem pouco valor por si só, a sua especialidade é em ser um primeiro volume. Não acreditam? Reparem no Perraultimato, um pergaminho com umas coisas escritas e que é o artefacto da demanda:
Tens de consultar o espelho -> este livro
Para saber onde encontrar o cristal -> próximo livro, O Andersenal, com um cristal na capa...
Com o qual deverás ler o livro -> terceiro livro
Que te permitirá encontrar os ingredientes -> quarto livro
Para o unguento capaz de trazer de volta
As memórias daquela que se lembra... -> quinto livro
Juntem um final para que tudo se resolva e TA-DA! Temos uma saga. E este livro, o que faz, é passar imenso tempo a apresentar as personagens, com quase zero de desenvolvimento e a maior parte do pouco que é feito a acontecer fora de cena, e ainda divertir-se a apresentar o mundo criado e a história propriamente dita. É um primeiro volume profissional, sem tirar nem pôr.
Acho que o que me chateia mais ainda é o facto de a ideia ser boa, ainda que não propriamente original, e as personagens até terem potencial para caírem na sátira, por muito que agora estejam mais no domínio do ridículo. No fim senti-me desiludido e com a sensação de que era dinheiro mal gasto. As coisas positivas que consigo encontrar nestas páginas não são suficientes para balançar a mediocridade, ou pior, de tudo o resto.