sábado, 16 de agosto de 2014

Sentir a Literatura


Vou ser honesto: às vezes farto-me de falar de livros. Tenho este blog há mais de cinco anos e raramente falo de outra coisa. Lá aparece a ocasional opinião sobre um filme, ou alguma outra coisa, mas o dia-a-dia aqui no Que a Estante nos Caia em Cima é livros para aqui, contos para acolá, autores por todo o lado, enredos e personagens e descrições e narradores e antologias e bla bla bla.

Foi para isso que o blog foi criado, é certo, mas às vezes sinto que falta alguma coisa. No meio de tudo isto, discussões, debates, opiniões, guerras de géneros e análises que conseguem fugir para o mecânico e impessoal, acontece aqui o que acontece a muitos outros blogs: esquecem-se da literatura.

Por entre leituras e opiniões, qualquer um de nós pode facilmente ficar a saber tudo sobre as personagens, o enredo, o contexto social-político-económico-filosófico do livro e do autor e tudo o mais. Mas também vejo que cada vez mais nos esquecemos de falar da forma como um certo livro manipulou as nossas emoções, não só as nossas expectativas, mas aquilo que sentimos realmente.

O poder da literatura é esse mesmo, na minha opinião. Um bom exemplar consegue transmitir ideias e ideais, mensagens e pontos de vista, por uma via emotiva, além da via racional. O que é fantástico nisso é que se é relativamente fácil esquecermo-nos de algo que aprendemos há dez anos, dificilmente iremos esquecer algo que sentimos.

Muitas vezes nem fazemos por mal! Acho que já processamos isso como algo tão inerente às nossas leituras, que nem compreendemos verdadeiramente. Estamos "preocupados" em analisar o comportamento das personagens, o ritmo do enredo, a beleza e a fluidez da escrita, mas não nos concentramos em analisar aquilo que sentimos - há poucos Fernandos Pessoas por aí.

É claro que há alguma coisa que passa. Seja de forma explícita nas opiniões, ou nas entrelinhas, que somos todos pessoas inteligentes o suficiente para isso. Aquilo que vejo é que mesmo isso começa a ficar afogado no meio de considerações sobre os aspectos técnicos e formais, o que é uma pena. Já chegam os críticos literários profissionais para isso, com as suas análises secas e objectivas, que acabam quase sempre por falhar completamente a razão de ser de determinada obra para além daquilo que já foi estudado e aceite até à exaustão.

Temos que dar um passo atrás e olhar novamente para tudo o que sabemos sobre Literatura. E depois fazer perguntas. Já pensaram podemos considerar como Literatura coisas que não estão escritas em lado nenhum? Ou que não temos necessariamente de ler para entrar em contacto com Literatura? Ou que não se livram da Literatura só porque vão a andar distraídos na rua?

Considerações metafísicas à parte, que não quero ir tão longe, já pensaram nisto? E noutras questões, que há muitas de certeza? Se nunca o fizeram, façam agora: não somos críticos literários profissionais, somos leitores*.

*o significado literal de leitores é um bocado restritivo, tendo em conta todo o meu paleio até agora, portanto façam-me o jeitinho de entender a palavra como era suposto, sim?

3 comentários:

Anónimo disse...

Boas Rui

Como eu te compreendo.
Às vezes até me sinto um idiota por gostar tanto de livros. (Vg. Às vezes estamos a ouvir falar alguém de livros, metemo-nos na conversa e as outras pessoas até ficam envergonhadas por nós sabermos mais de livros do que elas...)
Já agora, a título de novidade (ou não) já pensaste ou já fizeste (ou já actualizaste...) uma compilação das tuas personagens favoritas já lidas?

Um abraço.

Rui Bastos disse...

Respondendo à tua pergunta: nem por isso. Agora que trouxeste o assunto ao de cima, vou ter que pensar nisso, mas é complicado... Já para não falar da provável predominância de vilões :p

Anónimo disse...

Claro...
Os vilões e os pontos de vista dos vilões são sempre algo especialmente prazeroso de se ler (O mesmo se diga de antagonistas...), mas acredito que existem heróis que também te marcaram.

Mas ainda bem que te dei uma ideia!

Tava com medo de fazer figura de parvo.

Já li a Manopla de Karasthan do Filipe Faria e, ainda que seja o primeiro livro escrito do autor, gostei.

Claro que o ritmo se adequa mais ao de um roteiro de uma série power rangers, em que todos os episódios há uma luta... mas pronto, de resto fiquei agradado.

Já passei para o segundo (Aproveitar as férias...)

Abraço