Título: O Evangelho do Enforcado
Autor: David Soares
Sinopse: Lisboa, século XV: Nuno Gonçalves, nascido com um dom quase sobrenatural para a pintura, desvia-se dos ensinamentos do mestre flamengo Jan Van Eyck quando perigosas obsessões tomam conta de si. Ao mesmo tempo, na sequência de uma cruzada falhada contra a cidade de Tânger, o Infante D. Henrique deixa para trás o seu irmão D. Fernando, um acto polémico que dividirá a nobreza e inspirará o regente D. Pedro a conceber uma obra única. E que melhor artista para a pintar que Nuno Gonçalves, estrela emergente no círculo artístico da corte? Mas o pintor louco tem outras intenções, e o quadro que sairá das suas mãos manchadas de sangue irá mudar o futuro de Portugal.
Entretecendo História e fantasia, O Evangelho do Enforcado é um romance fantástico sobre a mais enigmática obra de arte portuguesa: os Painéis de São Vicente. É, também, um retrato pungente da cobiça pelo poder e da vida em Lisboa no final da Idade Média. Pleno de descrições vívidas como pinturas, torna-se numa viagem poderosa ao luminoso mundo da arte e aos tenebrosos abismos da alienação, servida por uma riquíssima galeria de personagens.
Opinião: Podia dizer que fiquei decepcionado com este livro, mas estaria a ser injusto. Não teve o terror macabro e avassalador de Os Ossos do Arco-Íris, e não achei genial da mesma forma que achei A Conspiração dos Antepassados, mas foi um excelente livro na mesma. Apenas diferente.
Tem o horror explícito, a vertente histórica bem estudada, os simbolismos ao virar de cada página e a escrita excelentemente trabalhada e cuidadosa. É talvez mais dispersos que A Conspiração, no sentido em que segue mais personagens e não tão fundo como fez como Pessoa e Crowley.
Mas houve algo que se repetiu, e que acredito ser uma das principais razões para a tremenda espectacularidade dos seus livros: o entrosamento cuidadosamente planeado entre ficção e realidade. Desta vez foram os painéis de S. Vicente e o pintor Nuno Gonçalves um dos pontos centrais, com o Portugal medieval como pano de fundo.
Este cruzamento entre diferentes partes da História e a ficção parece-me uma fórmula de sucesso levada à perfeição por este escritor. Além de conseguir imprimir o tom certo ao livro conforme as épocas, e de ser capaz de situar o leitor na época e no acontecimento em questão, consegue ainda criar personagens sólidas, muitas vezes baseadas em personalidades reais, e que também por isso mesmo se afiguram bastante reais ao percorrerem a narrativa.
Não sei se já deu para perceber, mas David Soares já se tornou num dos meus escritores favoritos de sempre.
Pessoalmente acho que a mistura entre o universo fantástico e o real que ele faz é das mais bem conseguidas que já vi. Faz-me lembrar Stephen King, se bem que num campeonato diferente. King é um contador de histórias nato, com um estilo bastante directo e livre de grandes floreados, enquanto que Soares é muito mais literário. Mas consigo ver nos dois a mesma afeição a um lugar. O Maine, no caso de Stephen King, e Lisboa no de David Soares.
E há ainda mais semelhanças. Os livros do americano dão uma sensação bastante... americana, uma imagem muito vívida do american dream (ou nightmare) corrompido por forças para lá do nosso entendimento. E os livros do português, pelo que vi até agora, transmitem igualmente uma sensação muito tipicamente portuguesa e difícil de explicar.
Eu sei que isto pode parecer um pouco idiota, mas quero tentar passar essa ideia, nenhum dos autores escreve obras internacionais nem seguem nenhum padrão universal. Tanto um como o outro escrevem no contexto do seu país, livros que só podiam ter saído de autores dos respectivos países.
Enfim, espero estar-me a fazer entender e não a cair no ridículo. O que realmente interessa é que gostei bastante deste livro, apesar de pessoalmente o classificar uns lugares abaixo d'A Conspiração, possivelmente pelo sue carácter mais disperso.
Não deixa de ser um excelente livro que tal como os outros dois que já li... não é para todos os estômagos.
4 comentários:
Pelo que disseste aqui, este parece enquadrar-se bem no estilo do "Lisboa Triunfante"!
Mais um que tenho que ler...
Não é mesmo para todos os estômagos. Pela tua opinião, parece-me que tenho de ler "A Conspiração dos Antepassados".
Este livro foi o único que li do David Soares porque foi o escolhido para uma tertúlia com o autor em que participei. GOstei imenso e foi uma óptima surpresa.
Na minha lista de desejos já constam os restantes livros do autor, mas estou numa de ler primeiro os livros que tenho por ler lá em casa.
Mas é, sem dúvida, um dos melhores autores Portugueses do género fantástico (humm, provavelmente o melhor mesmo).
Boas leituras
Pat
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