quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Mr. Holmes (2015)



Adaptações de Sherlock Holmes é coisa que não falta por aí. Já são décadas de séries, filmes, livros, peças de teatro e tudo o mais que se possa imaginar. A série da BBC, Sherlock, tem feito um excelente trabalho, com Mark Gatiss e Steven Moffat a escrever, Benedict Cumberbatch e Martin Freeman nos papéis principais, e um espírito de modernização e adaptação que não trai as histórias originais nem a essência das personagens e do autor.

Mas é complicado. Sherlock Holmes não é uma personagem fácil, e as suas histórias não são normais. Já todos estamos mais do que habituados ao estilo, de tanto as lermos, mas basta pensar em como as adaptar a outro meio, que ficamos logo a piar mais fininho.

Raramente há grandes cenas de acção, e há histórias inteiras em que o protagonista, Sherlock Holmes, mal sai do cadeirão no seu apartamento em Baker Street. Literalmente. São histórias intelectuais, mais preocupadas com as personagens e os mistérios do que outra coisa. É por isso que se torna complicado adaptá-las, ao contrário das histórias de Poirot, que é um homenzinho enérgico, carismático e sempre a andar de um lado para o outro.

Sherlock é quase apático. É carismático, é certo, mas é peculiar. Tanto pode ser o centro das atenções como uma nódoa num canto para quem ninguém olha. Para se ter noção da dificuldade da adaptação, basta pensar nos filmes relativamente recentes com Robert Downey Jr. no papel do detective, e Jude Law no de Watson. Chamar-lhes ridículos é dizer pouco. Transformar Sherlock num herói de acção, promíscuo, sempre a fazer piadas e a usar o seu poder de dedução para calcular a trajectória da marreta que lhe vai acertar, é o mesmo que fazer um Poirot sem bigode, um Tyrion Lannister com dois metros de altura, ou uma Carrie lindíssima e popular.

Esses filmes podem até ser minimamente agradáveis (duvido), mas não são filmes do Sherlock Holmes. São filmes de acção relativamente genéricos, numa Londres vitoriana, com personagens com nomes iguais às das histórias de Conan Doyle. Mais nada.

Um problema que não atinge este Mr. Holmes. Baseado em A Slight Trick of the Mind, de Mitch Cullin, a visão que nos dá é a de um Sherlock em fim de vida, reformado e entregue às suas abelhas. Com noventa e três anos, está fragilizado, muito esquecido e completamente reformado das andanças de detective privado. Mas não deixou de ser Sherlock Holmes, profundamente inteligente, socialmente estranho, com uma tenacidade de ferro e algumas surpresas.


Ser interpretado por Ian McKellen já era mais do que suficiente para chamar a atenção. É de facto uma representação excepcional a todos os níveis, que de certa forma acaba por carregar todo o filme às costas. Mas um Sherlock a caminhar para o senil diz-nos mais coisas: que as histórias de Watson são largamente exageradas, que nunca usou um chapéu como o que lá vem descrito, e que a morada está ligeiramente errada, para não atrair demasiados visitantes. Ah, e Sherlock é uma pessoa muito mais calorosa e "normal" do que seria de esperar. Watson é que tomou certas... liberdades literárias.

É por isso que vemos um Sherlock de bengala a passear com o filho da governanta, um miúdo novo e perspicaz que encaixa muito bem na personalidade do detective. Juntos, cuidam das abelhas, ouvem raspanetes da governanta, e vão numa viagem pelas memórias que Sherlock tem do seu último caso. Este é, aliás, uma das grandes questões do filme: a memória. Velho, mesmo muito velho, o detective tenta de tudo para reavivar e manter viva a sua memória, com o objectivo de escrever uma última história, a do seu último caso, desta vez pelas suas palavras, para corrigir algumas incorrecções de Watson.

Esse último caso, acabamos por saber, tem um desfecho fascinante e inesperado, e é o que afasta definitivamente Sherlock da vida de detective. A curiosidade do filho da governanta, por seu lado, é o que o volta a atrair a essa vida, ainda que por breves momentos, não só para completar a história, mas também para a contar, e para conseguir ficar em paz consigo próprio.

Repleto de bons momentos e interpretações fantásticas, particularmente a de McKellen, mas também a de Milo Parker, como filho da governanta, Laura Linney, como a governanta, e mais alguns. Não sei se é uma boa adaptação do livro de Mitch Cullin, mas é uma boa adaptação de Sherlock Holmes, e um bom exemplo dum filme que não precisa de explosões, câmaras a abanar violentamente, trágicas histórias de amor, mamas, nem nada desses elementos que parecem indispensáveis nos filmes modernos. Mr. Holmes é, sem sombra de dúvida, um filme diferente da maior parte dos que andam por aí. E ainda bem, pois tem um dos melhores Sherlocks que já vi!


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