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segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Sepulturas dos Pais


Argumento: David Soares
Arte: André Coelho


Opinião: Abençoados sejam os deuses que vocês preferirem: mais uma obra recente de David Soares que me agradou! A arte de André Coelho, excelente, contribuiu bastante, mas o argumento agradou-me genuinamente.

Começando pela pior parte, vou já deixar bem claro que detestei o final. Para mim foi como ver um sketch de humor que não sabe quando acabar, e continua e continua e continua, bem para lá daquilo que é engraçado - ou, neste caso, daquilo que é bom.

Mas pronto, deixemos isso. Vamos focar-nos no enredo, interessante, retorcido e negro, mas também esperançoso, de certa forma. Nunca nada é demasiado explicado, nem nunca nada fica muito claro, mas as narrativas entrecortadas funcionam bem e contam a história toda. Pelo menos a que o leitor precisa de saber.

David Soares consegue "brincar" muito a sério com a acto de dar vida, e cria metáforas excelentes com as criaturas de areia que o protagonista consegue criar, de forma tão simples. E mesmo com um tema destas, a história consegue ser surpreendentemente negra e agressiva, como é apanágio de algo escritor por este autor.

A arte de André Marques é um excelente complemento (por favor não se inibam de voltar a colaborar), tão ou mais negra que a escrita de David Soares. Os diálogos sofrem, muitas vezes, de excesso de davidsoarismo, mas já nem é defeito, é mesmo feitio, e como o livro se mantém coerente, isso acaba por não destoar demasiado.

Já a noção que dá origem ao título, as sepulturas dos pais, é um bocado forçada, e acho que o livro só tinha em ganhar se o autor tivesse deixado essa ideia de parte, e se tivesse focado noutras coisas. Felizmente nunca exagera, e esta ideia, ainda que importante e central, mas também vaga e secundária, não polui nada.

Resumindo, é bom ver Soares a produzir material de verdadeira qualidade, depois de algumas francas desilusões. Venham mais assim.

sábado, 13 de junho de 2015

Feira do Livro 2015 e os Impérios do Mal


Bem-vindos! Os mais distraídos ficam a saber que não só a Feira do Livro já começou, como está prestes a acabar! Há anos em que até costumo avisar e fazer publicidade e isso tudo, mas isto está cada vez mais complicado... Portanto ficam com este aviso para lá passarem entre hoje e amanhã, que já não é mau.

Vamos agora às queixas. Isto da Feira do Livro é uma coisa muito engraçada, com cada vez mais editoras (e a Chiado, também), e gosto de lá ir comprar livros e tudo, mas aquilo é uma desgraça autêntica. Um tipo olha para o mapa e fica com vontade de chorar: bastam três grupos editoriais para preencher quase metade da Feira. Porto Editora, Presença, e o Império do Mal por excelência, a Leya.

Análise de mercado não é propriamente uma das minhas especialidades, mas parece-me óbvio que isto não é bom. Ainda por cima quando é fácil de perceber a falta de escrúpulos destes grupos. São autênticos Golias empresariais que sugam pobres Davids para dentro da sua estrutura livreira e os reconvertem às suas práticas. Uma espécie de Romanos ao contrário.

"Bah, estás a exagerar!"

Ai estou? Digam-me onde anda a colecção azul de FC da Caminho? E os Saramagos sem capas ridículas? E os Argonautas? Onde? Nos alfarrabistas?

Pois é.

E estes são só os casos de que me lembro. E não serão os últimos. Acreditem em mim, isto só vai piorar. Os afluentes editoriais destes Impérios do Mal parecem continuar relativamente independentes, mas não se deixem enganar. Mais dia menos dia e tornam-se indistinguíveis uns dos outros.

(e vou ignorar completamente o facto da Chiado ter uma das maiores zonas da Feira, nem sequer ter na ideia que alguém considera aqui alguma coisa, eu não a deixava ir para lá, ainda para mais para ter aquela caixa ridícula de "deixe aqui o seu manuscrito")

Enfim. Vamos deixar estas coisas para outra altura e passar a falar de livros. Reparem outra vez na foto lá de cima e observem as minhas fantásticas compras. Quero que comecem por notar nos três volumes de História das Ciências que comprei por dois euros cada, e que validam o meu certificado de nerd até ao próximo ano. Depois reparem no King Kong, que me custou outros dois euros, e que valida o meu certificado de geek até ao próximo ano.

Agora o bicho que mais se destaca: A Voz do Fogo, de Alan Moore, que só me custou cinco euros e para o qual me ando a babar há anos. Nem vou comentar, venha ele!

O que sobra? Algo que me deixa muito orgulhoso: quatro livros de autores portugueses, sendo que dois são BD's! Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa vai-se tornar um clássico, não tenho dúvida alguma, e portanto não podia deixar de o ter nas minhas estantes. O Batalha, do David Soares, era olhado com expectativas altíssimas, e agora com umas expectativas mais baixas, mas ainda é um livro deste autor que sempre me deixou interessado. Fábula cuja protagonista é uma ratazana ateia? É que falamos bem.

Por fim, Cidade Suspensa, de Penim Loureiro, e O Baile, de Nuno Duarte e Joana Afonso. O primeiro livro tem um ar fantástico e promete recorrer ao imaginário Fantástico português de uma forma que me deixa muito curioso, e o segundo, enfim, vem das mãos de um dos meus argumentistas portugueses preferidos, e é ilustrado por uma das minhas artistas portuguesas preferidas. É que mal posso esperar!

E com isto tudo, não comprei um único livro que tenha custado mais de dez euros. O total nem chega aos cinquenta! Provavelmente ainda vou comprar mais qualquer coisa (Afonso Cruz, estou a olhar para ti), mas não gasto muito mais.

Da vossa parte, não se deixem intimidar pelas Impérios do Mal e ataquem. Passem na Feira do Livro e percam tempo a procurar e a folhear, que encontram-se coisas muito, muito boas.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Crumbs - An anthology of delicious comics by portuguese toast makers


Argumento: André Oliveira, Fernando Dordio, David Soares, Mário Freitas, Pedro Cruz, Francisco Sousa Lobo, Nuno Duarte, Joana Afonso, Ana Matias, Zé Burnay
Arte: André Pereira, Afonso Ferreira, André Caetano, Bernardo Majer, Pedro Serpa, Sérgio Marques, Pedro Cruz, Francisco Sousa Lobo, Osvaldo Medina, Inês Galo, Joana Afonso, Ricardo Venâncio, Zé Burnay


Opinião: Este livro começa bem logo com esta capa (e contracapa) fantástica de André Pereira e Afonso Ferreira. O tamanho também é qualquer coisa, e se o objectivo era chamar a atenção, bem, sucesso!

Agora, o que já não começa tão bem é logo a premissa. Pelo menos à partida, quando soube que era um livro inteiramente de autores portugueses, mas em inglês, fiquei de pé atrás. Aquele sentido de patriotismo linguístico veio ao de cima e barafustei um bocado mentalmente contra a ideia.

Mas compreendo a escolha. Crumbs é um livro com um propósito muito específico, o de apresentar e representar lá fora o que de melhor se faz por cá. Faz sentido que seja inteiramente em inglês, portanto deixei passar essa resmunguice.

A única coisa que faltava era o livro convencer-me, com a sua qualidade, de que valia a pena. A citação de Cebulski que vem na contracapa, sobre a verdadeira identidade dos autores portugueses de banda-desenhada é verdade, e isso bem aplicado podia originar aqui um livro tremendo. Infelizmente, não é o caso. Já passo à opinião específica de cada uma das histórias, mas fiquem já com a ideia de que ficam aquém. Muito aquém, na generalidade.

E o problema que vejo é exactamente a diversidade de estilos que Cebulski louva. Não que isso seja intrinsecamente mau, mas não é fácil conjugá-los todos numa antologia, que pede o mínimo de coerência. Ainda por cima se o livro fosse em português, talvez não se notasse, mas não sendo, até esse elemento de "portugalidade" se perde, e o resultado são inúmeras histórias completamente diferentes umas das outras. O resultado final é um livro pouco coeso, um bocado all over the place.

Mas vamos lá ver cada uma das histórias. A primeira é Light Bearer, de André Oliveira e André Caetano, que sofre do mesmo mal que sofre Palmas para o Esquilo e que tanto me chateou: arte e argumento não contam exactamente a mesma história, pelo menos não da mesma maneira, e não estão interligadas de forma normal. É um problema pessoal, que não gosto mesmo nada disso, porque acho que se perde muito ao separar as duas coisas em vez de se fazer um esforço para as integrar e usar uma para reforçar a outra. No entanto, e focando-me principalmente na arte, conta uma história interessante e tem um final curioso e inesperado que me agradou.

Depois veio Tunnels, de Fernando Dordio e Bernardo Majer, que tem a premissa curiosa de ilustrar uma música, nomeadamente a Tunnels dos Arcade Fire, e os autores conseguem fazer com que funcione, de uma forma estranha, aleatória e abstracta. Mas não é o meu estilo, e portanto não apreciei devidamente. Já para não falar da arte, da qual não gostei, demasiado simplista e viciada (as caras são todas iguais...).

The Boar-man is getting married, or Leng T'che, de David Soares e Pedro Serpa, tem uma das melhores artes e uma das piores histórias (se é que havia uma) do livro. Volta a aparecer a separação entre escrita e desenhos que me aborrece de morte e tira todo o interesse à história. É uma boa leitura, mas apenas graças à arte de Pedro Serpa, ainda que confesse que a ideia, que deve ter sido 100% do David Soares, é bem porreira!

Em Orwell, the Soviet Cat, é a vez de Mário Freitas, o organizador da antologia, apresentar uma história desenhada por Sérgio Marques. E não tenho muito a dizer para além de "bom título, boa arte, história assim assim". Depois de ler esta história fiquei plenamente convencido que todas as histórias pecam por serem tão pequenas!

Young Enlil goes to Hell, de Pedro Cruz, é um grande cliché em forma de BD, com um final super estranho e que serve mais como "trailer" e publicidade do que outra coisa, e que, portanto, não me agradou minimamente.

A história seguinte, The Green Pool, de Francisco Sousa Lobo, conseguiu algo extraordinário: uma premissa interessante, uma história interessante, um bom argumento e uma arte porreira, que tudo junto dão origem a uma BD mediana. Não sei o que se passou, mas suspeito que, lá está, esta história precisasse de mais espaço para se desenvolver.

Uma das histórias mais interessantes foi definitivamente Low Battery, de Nuno Duarto e Osvaldo Medina, que tem uma boa ideia e uma arte muito boa. Peca um pouco pela forma ligeiramente idiota como se desenvolve, mas é uma boa história que consegue ter um final interessante, apesar do diálogo meio ranhoso, de vez em quando.

Depois há Hanging Garden, de André Oliveira e Inês Galo, com uma boa arte e uma boa história... Se ignorarmos completamente a narração. É outra BD moderna com uma separação entre escrita e desenhos, mas que consegue contar uma boa história. Aliás, uma história muito boa, que perde muito do seu peso por causa da péssima narração que a acompanha.

Um problema que não aflige Joana Afonso, em Ick!, que tem uma das melhores artes do livro, e um dos finais que menos me agradou, apesar de ter uma história bastante interessante. Foi das poucas histórias que conseguiu realmente adaptar-se ao formato e mostrar algo interessante sem cair em idiotices.

In Clouds, de Ana Matias e Bernardo Majer, tem uma certa inocência infantil na forma como conta a história. Os desenhos não são maus, embora sejam de um estilo que não me agrada particularmente, mas a vertente mais infantil dá-lhe outra graça.

Já quase no final, aquela que deve ter sido a minha BD favorita, Omega, de Nuno Duarte e Ricardo Venâncio, que tem bons desenhos, uma excelente história, e um final muito interessante. É uma boa abordagem à escrita, especialmente à escrita de BD, e à forma como é fácil um autor ficar preso a uma personagem, ou a um Universo. Muito bom.

Só tenho pena que para terminar tenha sido escolhido Walpurgis 77, de Zé Burnay. Ou melhor, que tenha aparecido de todo nesta antologia, porque isto não é BD, são desenhos semi-aleatórios, uma história à là Chilli com Carne sem interesse nenhum e que não me fascinou de nenhuma forma. Uma autêntica pena.

Como podem ver, não foi uma má leitura. Até foi bastante boa, tendo em conta que são portugueses a escrever em inglês para apresentar o que de melhor se faz por cá. Só que pronto, tem alguns pormenores que resultam dos autores se perderem, de certa forma. É fácil ficar preso no meio de "tenho de ser diferente!" e "preciso de impressionar" e "modernismo, modernismo, modernismo", e muitas destas pequenas BD's sofrem disso mesmo, o que é uma pena e faz desta uma leitura mediana.

Mas louvo o esforço, o trabalho, a concretização e o resultado final. Apesar da qualidade ficar aquém, é bom ver alguém a mexer-se e a apresentar iniciativas da forma que Mário Freitas e todos estes autores o fazem, e por isso, estão de parabéns.