A minha antiga escola deu início a um projecto chamado E o céu aqui tão perto, sobre o diálogo entre a Ciência e a Literatura, e fui convidado a dizer umas palavras para o arranque da iniciativa, no passado dia 18. Como devem imaginar, ter a oportunidade de ir falar sobre Ciência E Literatura foi mais do que suficiente para me deixar, digamos, feliz da vida.
Devo dizer que acho o projecto extremamente interessante, e tenho muito pena de não ter tido algo do género quando lá andei. Houve outras coisas, como é óbvio, que também apreciei bastante, mas este era o tipo de projecto capaz de me enlouquecer ligeiramente, de tão espectacular.
Espero apenas que os alunos das turmas envolvidas, bem como toda a escola, aproveitem bem esta rara ocasião de cooperação entre áreas e de entendimento entre a Ciência e a Literatura, que não é complicado, de todo... Apenas faltam as "pontes", pessoas como eu, por exemplo, passe a arrogância. Alguém de Ciências apaixonado por aquilo que faz, e igualmente apaixonado por Literatura. Ou o caso inverso. Alguém ou alguma coisa que facilite a troca de ideias entre alunos de ambas as áreas, para que percebam que não são duas zonas do conhecimento que se excluam uma à outra. Antes pelo contrário!
Acho que o melhor é mesmo deixar-vos com o texto que preparei para este dia:
As diferenças entre a Ciência e a Literatura dificilmente podiam ser
maiores. Se por um lado as Ciências exigem rigor, objectividade e o seguimento
de regras exactas, as Letras são muito mais liberais, subjectivas e com uma
certa tendência para o desprezo pelas regras. E no entanto são duas áreas que
não só se misturam frequentemente, como o fazem facilmente, devido a uma série
de pontos comuns que as ligam apesar das diferenças.
Por exemplo, de
um lado temos a Matemática e do outro a Poesia. Duas coisas tão absurdamente
diferentes que a maior parte das pessoas falha por completo em ver as semelhanças.
Afinal, o que é que Euler e Gauss podem ter a ver com Pessoa e Poe?
Aparentemente, nada. Mas qualquer professor de Matemática que se preze vos pode
falar da beleza quase poética que a Matemática pode ter, assim como qualquer
professor de Português vos pode atormentar com o rigor quase matemático que a
Poesia pode ter.
Ou seja, não é
complicado. Literatura e Ciência, Ciência e Literatura… Uma coisa não exclui a
outra, antes pelo contrário. E há uma área em particular que é tão misteriosa e
tão sublime que só um esforço conjunto destas duas áreas a pode entender
minimamente. Falo da Astronomia. É impossível compreender o Universo sem fazer
uso de uma Física extremamente complicada que escapa ao entendimento da maioria
das pessoas, mas é também impossível descrever as maravilhas nele contidas sem
ter que recorrer à subjectividade e criatividade específicas das Letras.
É complicado de
perceber e de conceber que nós e tudo o que nos rodeia é constituído por
elementos químicos que foram formados em vários tipos de reacções no coração de
uma estrela, mas se a acompanhar isto se disser que “somos todos feitos de
poeira estelar”, pouco mais é preciso dizer. Por outro lado, tentar explicar
por palavras o que é um buraco negro ou o que é o infinito não é fácil, mas há
equações que descrevem o primeiro e trabalha-se frequentemente com o segundo
nos diversos ramos da Ciência.
Pessoalmente acho
que é algo complicado de explicar, mas a Astronomia, para mim, é um exemplo
perfeito da união e da complementaridade de ambas as áreas. Ainda para mais
quando essa sintonia resulta num género literário como a Ficção Científica, do
qual sou um aficionado e que já me providenciou das melhores leituras da minha
vida. Livros como 2001 – Odisseia no
Espaço, de Arthur C. Clarke, são para lá de geniais… Este em particular é
uma verdadeira obra-prima da literatura, com algumas das melhores descrições do
espaço que eu já li. A forma como o autor nos faz viajar por entre as estrelas,
como se estivéssemos de facto a espreitar pela janela de uma nave espacial é
divinal. E o livro tem um rigor científico fora do comum para uma obra de
ficção.
Já para não falar
de Júlio Verne e dos seus livros Da Terra
à Lua e À Roda da Lua, com uma
Ciência minimamente plausível e descrições espaciais, nomeadamente lunares,
simplesmente fascinantes e perfeitas. E a quantidade de livros sobre os quais
ainda podia falar torna ridícula a ideia de que a beleza não existe na Ciência,
ou de que a Literatura é incapaz de captar a sua essência. Porque ambas as
áreas não passam de duas faces da mesma moeda, ou de duas abordagens diferentes
para fazer exactamente a mesma coisa: perceber o Mundo que nos rodeia.
Isto leva a que da mesma forma que posso dizer que há poucas coisas tão diferentes como a Literatura e a Ciência, posso também afirmar sem qualquer peso na consciência, que ainda é mais complicado encontrar duas coisas que sejam, ainda assim, tão semelhantes.
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