domingo, 26 de fevereiro de 2012

O Sonho da Razão

Título: O Sonho da Razão
Autor: Javier Fresán
Tradutor: João Pedro Piroto Pereira Duarte

Sinopse: No primeiro terço do século passado, dois eminentes lógicos desferiram golpes fatais nos pilares do imponente edifício matemático que vinha sendo erigido desde a época de Euclides. Houve quem quisesse ver nos trabalhos de Bertrand Russel e Kurt Gödel a derrota da razão; outros, pelo contrário, decidiram partir deles e conduziram a lógica em direcção aos novos e fascinantes territórios da informática e do difuso.

Opinião: Bem, desculpem desde já pela má qualidade da imagem, e por aparentemente estar em italiano, mas gosto de ter as capas nos livros nas suas opiniões, e esta foi a única imagem que encontrei.

Passemos ao que interessa realmente. Este é o 22º volume desta colecção sobre matemática, que tem um total de 30, e é bem provável que fique marcado como o meu favorito. Pelo menos até agora, dos 22 que li, este é definitivamente o meu preferido, aquele que me deu mais gozo a ler e ainda aquele que acho que está mais bem escrito.

Depois de pensar bem nisso, isto não é algo assim tão estranho, um vez que é um livro basicamente sobre lógica, um dos aspectos da matemática (e da filosofia, se quiserem) que mais me fascina. Mais especificamente sobre como toda a lógica, e por arrasto quase toda a matemática, esteve em risco de ruir graças aos paradoxos e a alguns resultados surpreendentes de quem os trabalhou.

Tudo começa, em termos ideológicos, com o Paradoxo de Epiménides. Este grego, natural de Creta, disse "Todos os cretenses são mentirosos.". Nada de especial, à primeira vista, mas se pensarem bem no caso, reparam que sendo Epiménides cretense, segundo o que ele próprio diz, é mentiroso, logo o que diz é mentira e, portanto, os cretenses não são mentirosos, logo o que diz é verdade, logo os cretenses são mentirosos... Estão a ver o problema? Isto pode-se arrastar de forma indefinida, neste ciclo contínua de contradições simultâneas, sem que se consiga chegar à resposta certa. No entanto, uma análise mais rigorosa da frase pode levar à conclusão de que se Epiménides está a mentir, a verdade é que há pelo menos um cretense que não é mentiroso, o que invalida o paradoxo.

Mas é óbvio que rapidamente se arranjou uma versão mais moderna e mais firmemente paradoxal, conhecida como o Paradoxo do Mentiroso, que pode tomar várias formas equivalentes, sendo uma delas "Esta afirmação é falsa.". Se for falsa, a afirmação é verdadeira, logo é falsa, e portanto é verdadeira, ad eternum. Este exemplo sim, é um verdadeiro paradoxo, que cria um problema por causa da auto-referência, algo que o autor demonstra ser uma fonte inesgotável para a criação de paradoxos com várias formas e feitios, todas elas, no fim, equivalentes ao Paradoxo do Mentiroso.

Com um estilo narrativo pouco usual em livros de divulgação científica, Javier Fresán leva o leitor através de um pouco da história da lógica, dos paradoxos e de como estes últimos contribuíram de forma tão impressionante para o desenvolvimento da primeira. Com referências a Euclides, Hilbert, Russel, Gödel, Turing e tantos outros matemáticos proeminentes, o livro chega quase até aos nossos dias, mencionando a lógica difusa, em que há vários graus de verdade (literalmente um mundo a vários tons de cinzento, em vez de a preto e branco, como a lógica clássica), e as máquinas de Turing, precursoras teóricas daquilo que hoje em dia chamamos de computadores.

E a melhor parte é que não é um livro absolutamente incompreensível, como obras deste género correm o risco de ser. Ainda por cima sendo um livro sobre lógica, que é provavelmente a coisa mais abstracta e incompreensível para os leigos que se pode encontrar em matemática. O autor conseguiu algo verdadeiramente extraordinário ao apresentar estes temas de forma clara e relativamente simples, sem nunca deixar de dar os detalhes necessários à captação do interesse de quem percebe mais qualquer coisita do assunto.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Anúncio de um Crime

Título: Anúncio de um Crime
Autor: Agatha Christie
Tradutor: Carlos Afonso Lobo

Sinopse: "Anuncia-se um crime que terá lugar sexta-feira, 29 de Outubro, em Little Paddocks, às 18.30" é um enigmático anúncio publicado no jornal local de Chipping Cleghorn. A pacata aldeia fica em polvorosa e não é par menos. A proprietária de Little Paddocks, Letitia Blacklock, decide entrar na brincadeira e recebe os convidados. As luzes apagam-se e, quando voltam a acender-se, o "assassino secreto" actuou e o corpo da vítima jaz ensanguentado no chão. Mas este jogo mortífero conta com um jogador à altura: Miss Jane Marple.

Opinião: Caso haja alguém que torça o nariz aos livros da Agatha Christie que não têm o Poirot, só por não terem o Poirot, este é um dos livros cuja leitura eu aconselho vivamente. É claro que é muito complicado vencer o "As Dez Figuras Negras", uma obra para lá de genial, mas este "Anúncio de um Crime", com a Miss Marple, também é bastante engenhoso e uma leitura muito agradável, tirando um ou dois pequenos pormenores.

Tudo começa quando aparece um anúncio no jornal a avisar que irá ocorrer um crime em Little Paddocks, a casa de Letitia Blacklock. É óbvio que na localidade pequena e quase familiar que é Chipping Cleghorn, onde toda a gente conhece toda a gente, os vizinhos aparecem em peso em Little Paddocks, alguns a pensar que seria algum tipo de jogo, outros a pensar que era uma brincadeira de mau gosto, e outros ainda genuinamente preocupados, ainda que de forma disfarçada. Mas depois acontece o impensável e dá-se de facto um crime... Levantam-se as suspeitas e inicia-se a investigação.

E é aqui que aparece um pormenor que não me agradou. Um dos polícias fala de Miss Marple aos seus colegas, porque já a tinha conhecido e trabalhado com ela em outros casos, e pouco depois não é que uma das habitantes de Chipping Cleghorn, que tem uma qualquer relação familiar com ela, a convida para passar uns dias por lá? É assim que aparentemente do nada Miss Marple tem um pretexto para se meter na investigação (e resolver o caso).

Tirando isso, Miss Marple fascinou-me, apesar do protagonismo relativamente reduzido. Ela parece apenas uma velhinha que gosta de andar na cusquice e de falar de medicamentos e doenças e dos casamentos destes e daqueles, e na realidade... é basicamente apenas isso! Uma velhinha como outra qualquer, com os tiques de qualquer velhinha, e apenas com uma particularidade, o seu instinto apurado e raciocínio claro e eficiente que a levam a ser uma grande ajuda na resolução de crimes e deste em particular.

Ou seja, mais um excelente livro de Agatha Christie, como não podia deixar de ser. Fica a curiosidade para com Miss Marple e a pena de não ter aquela edição maravilhosa que tenho na imagem.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O Demónio Branco

Título: O Demónio Branco
Autor: Lev Tolstoi
Tradutor: António Sérgio

Sinopse: Este conto de Lev Tolstoi narra a história de um tchecheno dividido entre aliar-se às tropas russas para salvar a sua família sequestrada ou entregar-se ao Imã Shamil, líder da resistência contra o Império Russo no século XIX. Com Muçulmanos versus Ortodoxos, O Demónio Branco mostra um choque de civilizações que acaba numa espiral de violência. Escrito há mais de cem anos, Tolstoi faz uma representação notável e exacta dos vários aspectos do Islão.

Opinião: Mesmo no meio da guerra entre Muçulmanos e Ortodoxos, o tchecheno Hadji Murat vê-se numa situação delicada, pois a sua família foi capturada pelo Imã Shamil, o que o obriga a aliar-se aos seus antigos inimigos, os Russos, de forma a poder salvá-la.

Tolstoi conta esta história, baseada num homem real, com o seu excelente estilo narrativo de descrições pormenorizadas, embora não me tenham parecido assim tão extensas e detalhadas como já ouvi dizer que são, em outras obras dele.

Os temas retratados são essencialmente a luta entre os tchechenos, Muçulmanos, e os russos, Ortodoxos, bem como a incapacidade de um homem em aceitar impávido e sereno aquilo que a vida atira contra ele, ou seja, a sua vontade de lutar contra o destino... e de como esse destino é absolutamente inevitável, no fim de tudo.

Não posso dizer que tenha adorado o livro, apesar da escrita absolutamente brilhante de Tolstoi, que não me canso de elogiar. E não o faço por ser um dos escritores mais aclamados a nível mundial, e do qual se diz, quase por unanimidade, que merecia um Nobel, mas sim por o achar genuinamente. Gosto bastante do seu estilo narrativo e da crítica (mais ou menos) velada com que caracteriza sempre os seus escritos, e embora a história possa não me agradar, como é caso deste livro, só posso louvar a sua genialidade enquanto escritor.

Em suma, mais um bom livro desta colecção "Não Nobel", que raramente desilude, e que ainda assim, quando o faz, apresenta na mesma uma boa obra. Este fica vivamente aconselhado, que só pela escrita já vale a pena.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Contra o fanatismo

Título: Contra o fanatismo
Autor: Amos Oz
Tradutor: Henrique Tavares e Castro

Sinopse: Nascido na Jerusalém dilacerada pela guerra, Amos Oz observou em primeira mão as consequências nefastas do fanatismo. Neste livro, composto de três ensaios, o autor oferece-nos uma visão única sobre a verdadeira natureza do fanatismo e propõe uma abordagem racional que permita resolver o conflito israelo-palestiniano.

Opinião: Um pequeno livro que contém 3 ensaios, todos sobre o fanatismo e o que fazer para o combater, "Contra o fanatismo" é uma pequena e fascinante obra que além de me deixar a pensar me apresentou um autor que eu apenas conhecia de nome, e muito vagamente: Amos Oz.

Os ensaios são: "Da natureza do fanatismo", no qual o autor discorre sobre o que significa exactamente ser um fanático, além de apresentar uma "cura" para o fanatismo; "Da necessidade de chegar a um compromisso e da sua natureza", ensaio que versa sobre um tema recorrente nas obras e nas ideias de Amos Oz, a solução para o conflito israelo-palestiniano, que o autor acredita assentar num compromisso ligeiramente prejudicial a ambas as partes e não num entendimento mútuo e repentino que deixe toda a gente feliz e contente; e por fim, "Do prazer de escrever e do compromisso", em que o autor fala exactamente do prazer de escrever e do compromisso que isso significa.

E a verdade é que fiquei bastante curioso relativamente ao autor, que com uma escrita clara e bem direccionada apresenta os problemas que se propõe a discutir e de seguida os discute, por vezes num tom pessoal, por lhe ser algo muito próximo, mas sempre da forma mais objectiva e explicativa possível.

Fica a pergunta, já alguém leu alguma coisa dele? O que me aconselham?



quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Homem do Castelo Alto

Título: O Homem do Castelo Alto
Autor: Philip K. Dick
Tradutor: António Porto

Sinopse: 1962. Estados Unidos. Quinze anos depois das Potências do Eixo terem derrotado os Aliados na Segunda Guerra Mundial. Os Estados Unidos ficaram sob o controlo da Alemanha nazi e do Império do Japão. A obra de ficção científica mostra uns EUA incapazes de superar a Grande Depressão em 1929 depois do assassinato do presidente Franklin D. Roosevelt e uma URSS que rui em 1941. O Homem do Castelo Alto valeu um Prémio Hugo a Philip K. Dick, reconhecido em meios de ficção científica.

Opinião: A pior pergunta que alguém pode fazer sobre alguma situação é "E se...?". Não só por haver um número infinito de perguntas como esta, aplicadas à mesma situação, como cada uma dessas perguntas tem um número infinito de respostas. E ainda por cima o mais normal é as perguntas serem já por si exasperantes, quanto mais as respostas.

E no fundo foi exactamente isso que fez Philip K. Dick, reconhecido autor de ficção científica: questionou-se sobre como seria o mundo se a tentativa de assassínio de Franklin D. Roosevelt, presidente dos Estados Unidos na altura da Segunda Grande Guerra Mundial, tivesse tido sucesso, e a Alemanha tivesse ganho a guerra, juntamente com a Itália e o Japão.

O mundo que nos apresenta é diferente do nosso, mas não é assim tão diferente quanto se possa pensar, na minha opinião. O mundo está dividido entre as três potências vencedoras da guerra, que à falta de inimigos mais palpáveis, guerreiam internamente, um confronto frágil e constante que faz uso do melhor meio que a estupidez humana teve o dom de perverter: a política. Sem esquecer a ganância e a mesquinhez, pois claro. No fundo é um mundo como o nosso, só que fascista dum pólo ao outro. Relativamente a algumas coisas é até melhor, pois os avanços tecnológicos da Alemanha nazi não foram refreados e levaram o homem a Marte e a outros planetas...

A cultura nipónica é algo que neste mundo se encontra fortemente enraizado, de tal forma que a maior parte das personagens faz uso crónico e quase compulsivo do I Ching, antigo livro chinês do qual os japoneses se apropriaram. Usam-no para basicamente todas as decisões que têm de tomar. O próprio autor confessou ter usado esse mesmo livro para tomar decisões relativamente ao enredo e ao desenvolvimento da história d'O Homem do Castelo Alto.

Aquilo que é mais interessante, para além do final surpreendente, sobre o qual não posso de todo falar, é observar as lutas interiores e exteriores que os personagens, representativos de várias classes sociais, travam entre si e consigo próprios. A mestria do autor neste livro em particular, para mim, está nos contrastes e nos confrontos que conseguiu desenhar e desenvolver, por vezes de forma subtil, outras vezes de forma mais aberta, mas sempre de forma esclarecedora. Às vezes até de forma extremamente retorcida, como é o caso do livro que uma das personagens escreve, e que apresenta uma alternativa àquele mundo, que é uma alternativa ao nosso.

E se me perguntarem, digo-vos que este livro é essencialmente sobre mudança. Sobre aquilo que podia ter acontecido e sobre aquilo que ainda pode acontecer. É também um livro sobre o destino e sobre a fatalidade, de certa forma, sobre como todos estamos ligados de alguma forma, seja por um antigo livro chinês, como nesta obra, seja por outra coisa qualquer. E é ainda sobre como essa ligação que todos temos nos pode mudar a nós e ao mundo.

Ou seja, não sei do que é que estão à espera para ler este livro. Da minha parte já comecei a minha busca por mais coisas deste autor...