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sábado, 28 de fevereiro de 2015

Estantes Emprestadas [14] - Canibalismo literário (mais ou menos)


Sabem aqueles amigos que vocês têm perfeita de que são loucos? Também tenho disso. Apresento-vos a Alexandra Rolo, também conhecida por Pantapuff, dona do blog Folha em Branco e culpada frequente de se ver envolvida em vários projectos de milhentas áreas.

Um deles foi a Oficina de Escrita a que pertenço, e foi assim que a conheci. Se eu era o sanguinário do grupo, aqui a Alexandra era a minha second in command nesse departamento. Vocês nem fazem ideia. Infelizmente, já há uns tempos que ela deixou de contribuir com contos para as sessões, mas de vez em quando ainda se digna a aparecer, principalmente se houver bolo envolvido.

Tendo em conta esta descrição, eu devia ter logo percebido que me ia arrepender de a convidar para participar nas Estantes Emprestadas. Sem mais demoras, passemos à pergunta dela, e depois à minha resposta. Obrigado Alexandra! (E raios te partam!)

P.S.: Aqui fica a resposta dela, e umas palavrinhas minhas quanto a isso.

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Tu és sádico e dado a coisas com um bocadinho de sangue... se tivesses de fazer uma refeição estilo Hannibal Lecter, que personagens (e que partes) usavas e porquê?


Eu não disse que me ia arrepender?  Mas vamos lá, isto vai ser engraçado. Ia começar por me queixar de que não há praticamente nada que eu possa dizer em resposta a isto, mas... Fui ver a lista das opiniões aqui do blog e tenho aqui vinte e dois links que posso mencionar. Estou honestamente impressionado.

Comecemos pelas batotas, que são a maior parte dos links. Podia usar personagens de Fórmula da Felicidade, que são animais antropomórficos, assim as de Maus, ou então algumas das de A Quinta dos Animais ou do mundo de Alice no País das Maravilhas, que são literalmente animais. Isto poupava-me bastante trabalho, mas era desonesto, e corria o risco de repetir a história de Philip K. Dick, Beyond lies the wub.

Portanto não o vou fazer. Mas posso usar batotas mais sofisticadas. Como por exemplo dizer que me tornava num vampiro ou num zombie, e a minha resposta passava a ser "qualquer uma que estique o pescocinho" ou "BRAAAAAAAAAAAAAAAAAAAINS". Aliás, esse tipo de coisas até está bastante na moda, diga-se de passagem...

Mas também era batota, e não quero ir por aí. Até por o canibalismo tem as suas vantagens em várias obras de ficção. Pessoalmente, não me importava mesmo nada de ter a habilidade cibopática de Tony Chu, de ver as memórias de alguém, ou algum animal, que coma. E no universo negro de Joe Abercrombie, há toda uma espécie de seita com poderes praticamente sobrenaturais que ganham após comerem carne humana. Vantagens, é o que eu digo!

Nham nham
Enfim, tenho que parar de divagar e de fazer publicidade a opiniões antigas aqui no blog, e responder realmente à pergunta, não é? Seja. Mas vou fazer uma pequena batota na mesma. Sim, sim, vou sim, e não quero saber.

Ora bem, vou precisar que fiquem com quatro (conjuntos de) obras em mente: The HobbitParque Jurássico, a Saga Bubu do Dragonball e Lovecraft. Confusos? Óptimo.

A (não tão) pequena batota (quanto isso), é que a parte do canibalismo a que a Alexandra quer chegar, vai ser ligeiramente distorcida. E as três personagens que vou de facto incluir na refeição, são especiais. Mas imaginem o que era comer um bocadinho de carne de Smaug, de dinossauro, ou de uma das entidades cósmicas de Lovecraft? Ah! Carne de dragão deve ser qualquer coisa, e então carne de dragão inteligente com a voz do Cumberbatch... Um petisco!

O livro não tem nada a ver com o título, infelizmente...
Os dinossauros eu sei que não são bem personagens, mas até que são, e eu seria o primeiro na fila para dar uma trinca em carne de dinossauro, porque eu gosto assim tanto de dinossauros.

(Não achavam que eu ia ser amigo de alguém como a Alexandra sem ser eu próprio um bocadinho louco também, pois não?)

As entidades cósmicas do Lovecraft seriam uma categoria à parte. Se calhar nem tinha que as comer literalmente a elas, que seres capazes de criar objectos e cidades inteiras com geometrias não-euclidianas, devem fazer um tesseracto de lasanha do caraças. Ou então comida fractal! Se bem que isso já existe, e chama-se "sandes", porque se cortarmos uma sandes ao meio, as "meias-sandes" são na realidade sandes mais pequenas. Quanto mais cortarmos, mais sandes temos, em ponto mais pequeno. Ah!

Perdoem-me o desvio. Vamos ao canibalismo, então? É aqui que peço ajuda ao Bubu do Dragonball, e à sua capacidade de tornar as pessoas em doces. Tecnicamente é canibalismo, e caía mesmo bem depois duma refeição de dragão, dinossauro, entidades cósmicas e/ou tesseractos e fractais comestíveis. Toma esta, Alexandra!

Gelado de pessoas, alguém quer?
Vá, vou ser simpático e escolher algumas personagens para transformar em doces. Alguém como o Wolverine era o ideal: imaginem um doce com capacidade de regenerar. Uma tablete de chocolate que voltava a ficar inteira depois de cada trinca. Chocolate infinito!

De resto só se forem personagens mesmo muito desagradáveis, das quais me quisesse ver livre. E de momento não me ocorre nenhuma. Raios parta. Mas já escrevi muito, considera-te satisfeita, Alexandra! Agora diz tu de tua justiça. E vocês que estão a ler isto com ar horrorizado, façam favor, também!

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

The eyes have it


Título: The eyes have it
Autor: Philip K. Dick

Opinião: Um conto bastante engraçado, que leva as interpretações literais às últimas consequências. Muito bem escrito, destaco especialmente a voz do narrador, sempre super sério e a acreditar piamente no que está a descrever como uma invasão alienígena.

Nota-se o à-vontade de Philip K. Dick a escrever um conto, uma tremenda facilidade em contar uma história cativante e, neste caso, engraçada. Não é de todo o melhor conto que já li deste autor, mas apreciei bastante.

E depois o final deliciosamente irónico. O que eu me ri. A melhor comparação que consigo fazer para descrever este conto é com uma piada magistralmente contada: o timing todo certo, e uma punchline debitada na altura perfeita, com o tom perfeito.

sábado, 18 de maio de 2013

Beyond the door


Título: Beyond the door
Autor: Philip K. Dick

Opinião: Pequeno conto, com um conceito bastante interessante, achei Beyond the door demasiado curto para explorar todo o seu potencial. A ideia, lá está, é muito boa, mas as poucas páginas não foram suficientes para que a história se desenvolvesse como podia ter desenvolvido, com uma maior extensão.

A desavença conjugal que serve como pano de fundo para um relógio de cuco bastante misterioso e imprevisível não passa de vagamente interessante e um mero pretexto para explorar o mencionado cuco.

Mas se nos concentramos nisso, no cuco, tudo corre bem. A partir do momento em que só sai da sua casita quando lhe apetece, só canta para quem lhe apetece, e consegue quase hipnotizar uma pessoa ao mesmo tempo que recebe apenas desprezo total de outra, fiquei curioso.

Philip K. Dick nunca explica o que raio se passa com o sacana do cuco, mas não precisa, pois é exactamente esse mistério em seu redor que faz dele interessante. Fiquei a querer saber como é que funcionava, porque é que agiu da forma que agiu, como raio é que podia agir por decisão própria e fazer as coisas que fez... Enfim, não achei um grande conto, mas tem uma história interessante que talvez beneficiasse de mais 3 ou 4 páginas.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Beyond lies the wub


Título: Beyond lies the wub
Autor: Philip K. Dick

Opinião: Sem desapontar minimamente, Philip K. Dick escreveu um conto interessante, com uma premissa e desenvolvimento que levam o leitor a pensar, e com um enredo imprevisível. Eu pessoalmente fiquei ligeiramente chocado, a certa altura, e surpreendido no fim, o que é sempre agradável.

Imaginem uma espécie de porco marciano, enorme e com um ar estúpido. Foi esse ser, um wub, que a tripulação de uma nave comprou, com a intenção de o usar como alimento. Qual não foi a surpresa deles quando o bicho começou a falar e revelou ser uma criatura inteligente!

A questão que se levanta é bastante óbvia: por um lado temos um ser com um aspecto claramente animalesco, remotamente parecido com um porco, e que poderia ser usado para comida; por outro temos um ser claramente consciente e inteligente, que conversa com os tripulantes. Comer ou não comer, eis a questão, podia-se mesmo dizer.

Achei o wub muito bem conseguido enquanto personagem, de certo modo mais humano que os humanos que o rodeavam, mas ao mesmo tempo com uma forma de pensar claramente alienígena, ainda que partilhasse traços tipicamente terráqueos, como a curiosidade.

O fim deixou-me surpreendido e satisfeito, o que ajuda a que cada vez sinta mais vontade ler os contos, e outras obras, deste autor, que tem vindo a revelar uma grande mestria na arte de contar histórias.

domingo, 7 de abril de 2013

The Crystal Crypt


Título: The Crystal Crypt
Autor: Philip K. Dick

Opinião: Os contos de Philip K. Dick foram-me aconselhados pelo João Campos, do Viagem a Andrómeda. Como já gostava do autor, não foi preciso mais que isso para ficar curioso. Bastante curioso.

Uns dias depois, encontro na net, arrumadinhos e prontos a sacar, uns poucos contos de Philip K. Dick, a maior parte em formato compatível com o meu Kobo. Maravilha!

Optei por começar por este apenas e só porque foi o que me apareceu primeiro na lista. Não sei nada sobre os seus contos além dos títulos, e de que, segundo o João, são muito bons. Foi portanto uma aventura, ler este conto, uma aventura com boas expectativas que felizmente foram cumpridas.

Não que tenha achado o conto genial, porque não achei. A história começa a bordo duma nave a sair de Marte, com os últimos terráqueos que ainda estavam no planeta. A nave é abordada por marcianos, que andam à procura dum grupo de terroristas que fizeram desaparecer uma cidade inteira. E é então que, ligeiro spoiler daqui para a frente, não encontram nada e se vão embora, ainda que os terroristas estejam na nave e acabem a contar a sua história a um gajo desconhecido, que insiste nisso, o que não é nada suspeito, não é verdade?

Mas pronto, não vos quero estragar a leitura, mas também não estou muito preocupado com isso, porque todo o conto é deveras previsível. Foi esse, aliás, o meu único problema com ele. A estrutura é óptima, a narrativa é excelente, a ideia muito boa, tudo corria às mil maravilhas até às linhas que permitiam prever o resto do conto. Aconteceu duas ou três vezes, e acabou por tirar algum do interesse ao conto.

Só que isso não faz dele um mau conto. The Crystal Crypt é um bom conto, com ideias e noções interessantes, principalmente aquilo que aconteceu à cidade, e que me aguçou a curiosidade para futuros contos do autor.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Relatório Minoritário

Título: Relatório Minoritário
Autor: Philip K. Dick
Tradutor: Saul Barata

Sinopse: Philip K. Dick é um dos grandes mestres da ficção científica. As suas obras inspiraram filmes de culto como Blade Runner, e continuam, ainda hoje, a ser adaptadas ao cinema. É o caso de Relatório Minoritário, um conto admirável que nos revela um mundo onde o autor faz coabitar uma estranheza intrigante e uma realidade que se afigura plausível, que temos a ilusão de conseguir tocar com as pontas dos dedos. Tudo se passa num futuro não muito longínquo. A América conseguiu erradicar quase completamente o homicídio graças a um sistema inovador de previsão exacta do crime concebido e colocado em prática por John Anderton, comissário da Agência Precrime. E é justamente quando Anderton está a explicar ao seu novo assistente o complicadíssimo funcionamento de toda aquela parafernália que o mais insólito acontece - o equipamento informático debita uma ficha onde se pode ler o seu próprio nome. John Anderton irá matar um homem. É o início de uma fuga alucinante ao que se afigura na mente do comissário como uma conspiração paranóica para o derrubar e fazer desacreditar todo o sistema. Mas quem estaria tão interessado em fazê-lo? Uma narrativa empolgante, que nos fascina pela sua inacreditável capacidade de nos surpreender e de nos manter suspensos na vertigem de um universo que quase ultrapassa a própria ficção científica.

Opinião: A capa é hedionda, eu sei. Quer dizer, não é propriamente horrível, mas eu nunca gosto quando usam os filmes para fazer as capas dos livros. Especialmente quando o filme é apenas vagamente baseado na história original. Ainda por cima espetaram lá com a cara da personagem principal, John Anderton, que no filme é o Tom Cruise, todo bonitão, jovem e atlético, enquanto que no livro é um homem de meia idade, pouco atlético e careca.


Enfim, não interessa. Até porque as personagens deste conto são muito pouco profundas, o que não tem mal, já que o principal é claramente o enredo e as questões que este levanta. A premissa é simples: a certa altura do nosso futuro, descobriram-se mutantes capazes de prever o futuro, os precogs e fundou-se uma agência Precrime que os usa para prever crimes e assim deter as pessoas ainda antes de cometerem o dito crime. Um sistema de prevenção, em vez de punição.


As suas vantagens e desvantagens são bem exploradas, apesar da pequenez do conto. Rapidamente a história cai numa teia de dimensões temporais alternativas, paradoxos e problemas afins. Não se brinca com a linearidade (ou falta dela) do tempo. E é claro que se está mesmo a ver que tudo isto levanta uma grande questão, a mais normal em histórias que envolvam brincadeiras temporais: existe livre-arbítrio?


E a questão não podia surgir da forma mais natural. Anderton, à frente da Agência do Precrime, lê uma das previsões dos precogs que diz que ele irá matar alguém. A partir daqui acho que conseguem imaginar. Irá ou não irá fazê-lo? O facto de ter acesso a esta informação influenciará os seus actos? Será que que irá cumprir a previsão, independentemente de ter tido conhecimento dela ou não? Ou será que a irá cumprir (ou não), exactamente por ter tido conhecimento dela?


Estas questões são bem desenvolvidas, dentro dos limites de um canto, como é óbvio. O autor vai dando respostas e conclusões bem interessantes, até que chega ao fim e... deixa a conclusão final para nós. Eu cá ainda não me consegui decidir. Mas uma coisa sei: que é um bom livro, pelo qual daria mais uns trocos do que os poucos que dei por ele.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Homem do Castelo Alto

Título: O Homem do Castelo Alto
Autor: Philip K. Dick
Tradutor: António Porto

Sinopse: 1962. Estados Unidos. Quinze anos depois das Potências do Eixo terem derrotado os Aliados na Segunda Guerra Mundial. Os Estados Unidos ficaram sob o controlo da Alemanha nazi e do Império do Japão. A obra de ficção científica mostra uns EUA incapazes de superar a Grande Depressão em 1929 depois do assassinato do presidente Franklin D. Roosevelt e uma URSS que rui em 1941. O Homem do Castelo Alto valeu um Prémio Hugo a Philip K. Dick, reconhecido em meios de ficção científica.

Opinião: A pior pergunta que alguém pode fazer sobre alguma situação é "E se...?". Não só por haver um número infinito de perguntas como esta, aplicadas à mesma situação, como cada uma dessas perguntas tem um número infinito de respostas. E ainda por cima o mais normal é as perguntas serem já por si exasperantes, quanto mais as respostas.

E no fundo foi exactamente isso que fez Philip K. Dick, reconhecido autor de ficção científica: questionou-se sobre como seria o mundo se a tentativa de assassínio de Franklin D. Roosevelt, presidente dos Estados Unidos na altura da Segunda Grande Guerra Mundial, tivesse tido sucesso, e a Alemanha tivesse ganho a guerra, juntamente com a Itália e o Japão.

O mundo que nos apresenta é diferente do nosso, mas não é assim tão diferente quanto se possa pensar, na minha opinião. O mundo está dividido entre as três potências vencedoras da guerra, que à falta de inimigos mais palpáveis, guerreiam internamente, um confronto frágil e constante que faz uso do melhor meio que a estupidez humana teve o dom de perverter: a política. Sem esquecer a ganância e a mesquinhez, pois claro. No fundo é um mundo como o nosso, só que fascista dum pólo ao outro. Relativamente a algumas coisas é até melhor, pois os avanços tecnológicos da Alemanha nazi não foram refreados e levaram o homem a Marte e a outros planetas...

A cultura nipónica é algo que neste mundo se encontra fortemente enraizado, de tal forma que a maior parte das personagens faz uso crónico e quase compulsivo do I Ching, antigo livro chinês do qual os japoneses se apropriaram. Usam-no para basicamente todas as decisões que têm de tomar. O próprio autor confessou ter usado esse mesmo livro para tomar decisões relativamente ao enredo e ao desenvolvimento da história d'O Homem do Castelo Alto.

Aquilo que é mais interessante, para além do final surpreendente, sobre o qual não posso de todo falar, é observar as lutas interiores e exteriores que os personagens, representativos de várias classes sociais, travam entre si e consigo próprios. A mestria do autor neste livro em particular, para mim, está nos contrastes e nos confrontos que conseguiu desenhar e desenvolver, por vezes de forma subtil, outras vezes de forma mais aberta, mas sempre de forma esclarecedora. Às vezes até de forma extremamente retorcida, como é o caso do livro que uma das personagens escreve, e que apresenta uma alternativa àquele mundo, que é uma alternativa ao nosso.

E se me perguntarem, digo-vos que este livro é essencialmente sobre mudança. Sobre aquilo que podia ter acontecido e sobre aquilo que ainda pode acontecer. É também um livro sobre o destino e sobre a fatalidade, de certa forma, sobre como todos estamos ligados de alguma forma, seja por um antigo livro chinês, como nesta obra, seja por outra coisa qualquer. E é ainda sobre como essa ligação que todos temos nos pode mudar a nós e ao mundo.

Ou seja, não sei do que é que estão à espera para ler este livro. Da minha parte já comecei a minha busca por mais coisas deste autor...