sábado, 3 de novembro de 2012

As personagens de Filipe Faria

Podem pôr muitos defeitos a este escritor, eu próprio aponto alguns sem dificuldade, mas de uma coisa não se podem queixar: as personagens.

Sim, tem algumas ligeiramente menos interessantes ou mais incoerentes, mas há ali uns pequenos focos de pura genialidade, se querem que vos diga.

Falo de Worick, por exemplo. Um thuragar (basicamente um anão), mal encarado, refilão e antipático, como é característico da sua raça, e com uma forte inclinação para distribuir cachaporrada, mas que demonstra um forte apego a Lhiannah, a sua protegida, digamos assim. E com o evoluir da história, vai-se notando uma crescente preocupação contrariada para com os seus companheiros.

A parte gira é mesmo o feitio do thuragar, e a forma como fala. Para além de querer sempre resolver todo e qualquer problema com o seu martelo na cabeça de alguém, fala de uma forma simplesmente hilariante! Promete doses de porrada a cada 3 falas, chama torrentes intermináveis e extremamente criativas de nomes a toda gente. Lhiannah é a cachopa, duma forma geral. Taislin, um burrik (na prática um hobbit), vai desde o mafarrico a caganito... E a certa altura acho que chega a ser o filho desgraçado de uma cabra estropiada, ou algo do género. Nem sei. É apenas genial.

Este é apenas um dos exemplos em que o Filipe Faria demonstrou toda a sua habilidade enquanto escritor. Worick é uma personagem irritável e antipática, verdadeiramente desagradável e com uma aversão a quase tudo e todos, mas que no fundo está apenas recheado de boas intenções e que vai dando sinais cada vez mais claros de gostar dos seus companheiros, por muito que isso lhe custe.

E depois há Culpa, o pai de Seltor, o grande vilão da saga. Culpa, além de ser o mortal que foi seduzido por Luris, a negra potestade primordial, tendo com ela um filho que se tornou n'O Flagelo de Allaryia, é para mim uma das personagens mais geniais das Crónicas. Vergado pela culpa de ter trazido tamanho mal ao mundo, está condenado a vaguear, cego, com o peso de ter cometido o Segundo Pecado e ter indirectamente causada tanta dor, destruição e sofrimento, ao mesmo tempo que espalha essa mesma Culpa por onde passa. As pessoas quando se aproximam dele sentem todos os pequenos resquícios de culpa que possam ter dentro de si, seja para si próprias ou para pôr em cima de outros. Tudo isso vem ao de cima, e há sempre gente a falecer.

Nem vos consigo explicar muito bem, só lendo, mas é basicamente isto. Uma personagem que se sente tão culpada que se torna (mais ou menos) imortal e passa os seus dias a trazer ao de cima aquilo que de pior há em cada pessoa pela qual passa? Genial.

E agora, já que falo no pai de Seltor... Tenho que falar no Seltor. Tenho-me aguentado bastante bem, como já devem ter reparado, mas já atingi a saturação. Seltor é das melhores personagens que eu já vi na Literatura em geral. Agora no último livro está a passar por uma fase um bocado estranho, mas acho que ainda vem aí muita espectacularidade. Quase que a cheiro, quase que a sinto. Desde que apareceu, no fim do terceiro livro, que tem vindo a espalhar o caos... Se bem que não da forma que se poderia estar à espera.

Isto porque o Anátema (que nome tão fixe, não é?) volta passado 20 anos com desígnios tão inescrutáveis que nem os seus servos mais próximos fazem a mais pálida ideia do que raio é que ele vai fazer. E quando começa a fazer coisas, são dos capítulos mais espectaculares de todos os 7 livros. As consequências desses actos afectam toda a Allaryia, e toda a história, mostrando-se ao longo dos capítulos maioritariamente como coisas que acontecem no pano de fundo.

O que é importante é que Seltor é uma personagem magnífica. Sempre com uma aura maléfica quase palpável, mas aparentemente com boas intenções... Ou ele pelo menos assim o apregoa. Quando aparece, o escritor descreve a situação de forma avassaladora, quase deixando o próprio leitor de joelhos em profunda reverência aterrorizada. Uma personagem de mestre e um dos grandes trunfos do autor.

Mas é óbvio que isto não é só espectacularidade. Há um aspecto em particular, no que toca às personagens, em que acho o Filipe Faria deveras fraquinho. As relações amorosas. É que não há o mínimo de paciência para aturar os amores e desamores do Quenestil e da Slayra, nem os arrufos pré-entendimento do Aewyre e da Lhiannah. Nomes que não dizem nada à maior parte de vocês, mas enfim, os dois primeiros são um eahan e uma eahannoir, que é como diz um elfo e uma elfa negra, e os dois últimos são humanos. E andam sempre às turras, e tanto estão nos braços uns dos outros como se odeiam de morte e tentam matar, ou algo do género. Não gosto da forma como as relações estão desenvolvidas.

Resumindo, apesar de algumas menos bem conseguidas, acho que Filipe Faria tem jeito para as personagens, pelo menos para as que encontrei ao longo das Crónicas, não faço a mínima de como serão as da nova saga... Mas já abri O Perraultimato ao calhas e vi uma das personagens a estripar alguém.

Não me vou queixar.

3 comentários:

Vírgula, disse...

Pois, eu estou agora a ler o Perraultimato!
Aquilo é estranho :S
ahah! mas diz-se por aí que é um excelente jovem escritor!

Rui Bastos disse...

Se é estranho é bom!

Pedro disse...

Li muito na diagonal o texto, com medo de alguns spoilers.

Gosto imenso de Aewrye, Taislin e Worick. De todas as personagens, acho que sao aquelas que mantém sempre a sua natural maneira de ser (o Taislin e o Worick são adoráveis) e, se alguma vez mudam de atitude é mesmo porque alguma coisa aconteceu e nunca é muito repentinamente.
Lhiannah também gosto. Mas acho que nem ela sabe o que quer, de si ou dos outros, portanto ainda é uma personagem que tem muito a dizer(ainda vou no segundo livro, atenção)!

Eu adorava a Slayra. Até chegar a este segundo livro. é que de um livro para o outro ela muda completamente de carácter, tão repentinamente que nem parece a mesma! Nao gosto muito disso, mesmo amando o Quenestil acho que ela passou de mulher durona para amante submissa e toda "ai meu querido da-me um beijinho", não gosto muito dessa mudança tão brusca lol

O Quenestil até é uma personagem interessante. Sobretudo por não se resumir a um shura ou um eahan, acho que de todas as personagens é a mais complexa. Apesar de eahan, tem aquela natureza do carcaju e aqueles impulsos que fazem dele talvez a personagem mais multifacetada de todas.

Odeio o Allumno. Não que seja uma personagem má, mas ele é mesmo um chato maçador. Parece que pensa que tem sempre razão e que sabe tudo ou quase tudo. E quando fala com as pessoas espera sempre que lhe digam tudo o que ele quer porque ele é um feiticeiro e merece saber, mas ele próprio nunca é humilde. Não gosto mesmo dele, já deu para perceber xD

O Babaki tem características fascinantes e que fazem dele também uma personagem bastante complexa, mas ainda acho que o autor nunca chega a pegar nisso com o verdadeiro drama que merece. Infelizmente.

Gosto imenso de Kror, esse sim super humilde, inteligente, perspicaz, de confiança, bom.

Também gosto bastante de Tannath. Até já tenho pena dele, sabendo o que o futuro lhe reserva...