quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Mostra-me a tua espinha

Título: Mostra-me a tua espinha
Autor: David Soares

Sinopse: Um premiado fotógrafo profissional vai descobrir a verdade que existe por trás de um segredo centenário; um escritor vai confrontar-se com as suas origens e descobrir que é feito do mesmo material com que foi construída a sua cidade; através dos anos, numa europa envelhecida pela guerra, duas criaturas nómadas têm como desporto cruel a destruição da vida de um homem mudo; e, finalmente, uma mulher irá pactuar com o mal para obter o filho que o seu útero árido é incapaz de incubar.

Opinião: Ter encontrado este livro à venda foi uma sorte descomunal. Praticamente fora de circulação, Mostra-me a tua espinha foi dos primeiros livros publicados por David Soares e contém já os traços característicos do seu estilo, sem que os contos nele contidos atinjam a qualidade literária de trabalhos posteriores.

Com isto quero dizer que os seus 4 contos são viscerais e gráficos, têm descrições sangrentas e aterrorizadoras extremamente detalhadas e são bastante mais literários que as comuns histórias de terror. São histórias de horror quase poéticas, um estilo muito próprio que já predominava visivelmente neste que é um dos seus primeiros trabalhos e que apenas se foi apurando, com o tempo.

No entanto, e apesar de serem 4 contos bastante interessantes, ficam muito aquém da qualidade dos contos presentes em Os Ossos do Arco-Íris, por exemplo. E apesar de ser uma comparação algo injusta, muito, mas muito distantes da mestria e quase perfeição de A Conspiração dos Antepassados.

Não quero com isto dizer que sejam maus, ou que o livro em si não tenha qualidade, como é óbvio. Estou apenas a tentar transmitir que após ter lido trabalhos mais recentes, este livro não fascina por aí além. Já têm o factor "eugh literário", mas falta-lhe o factor "wow!, David Soares!".

Mas falando do livro em termos mais concretos, a introdução escrita pelo autor demonstra toda a sua genuína paixão pelo horror e em particular pela literatura de horror. No primeiro conto, A Mãe, aparecem os primeiros indícios de uma mente bastante doente, dizem alguns. Eu cá prefiro mente bastante genial, sabendo à priori quem é o autor. Este conto só peca por ser curto e pelo desenvolvimento algo apressado, pois a ideia é interessante.

O segundo, Cidade-Túmulo, é ligeiramente confuso e desconexo, mas tem uma atmosfera pesada bastante coerente. Esta frase não parece fazer muito sentido, mas espero que me percebam. A história em si avança aos solavancos, sem se perceber muito bem o que está a acontecer, mas o ambiente é sempre igualmente negro, há sempre uma ténue ameaça em cada página.

O Homem Oco, que se segue, é um conto deveras curioso. Eu pessoalmente acabei por não perceber muito bem a história, fiquei demasiado entretido com o Ameixa e o Costeleta, duas personagens estranhas, verdadeiramente nasty, em bom inglês, com a sua pitada de sangue e vísceras. Personagens bastante à là David Soares, portanto.

Por fim, A Concepção Repulsiva foi, para mim, a melhor destas 4 histórias. É a que tem o enredo mais "banal", se é que tal palavra se pode aplicar a algo que veio da mente deste escritor, mas foi a que me pareceu melhor escrita, melhor desenvolvida e com o final mais espectacular. E tem uma personagem bastante... curiosa.

Resumindo, 4 bons contos, mas abaixo do esperado para David Soares, o que não é assim tão estranho, tendo em conta que esta foi uma das suas primeiras obras. Não posso é deixar passar todo o simbolismo presente em cada história, muito do qual me passou de certeza ao lado, tal é a densidade.

Um destaque ainda para a edição, que mesmo ligeiramente mal tratada, tem bom aspecto, e a capa é perturbadora por si só. E volto a dizer algo que já disse umas poucas vezes sobre David Soares: não é um escritor para toda a gente. É preciso um certo estômago para se conseguir apreciar as suas obras, e esta não é excepção, apesar de talvez ser um bom livro para alguém iniciar as suas leituras deste escritor, provavelmente por ser menos perturbador que obras posteriores. Ou talvez não.

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