sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Areopagítica

Título: Areopagítica
Autor: John Milton
Tradutor: Benedita Bettencourt

Opinião: A liberdade de expressão é um conceito mais sovado que compreendido. Há quem por ele lute, como todos devíamos fazer, há quem o ignore, e há quem tente activamente, ainda que disfarçadamente (ou não), deitá-lo abaixo sempre que pode. Mas nem há assim tantos como isso que o compreendam. Liberdade de expressão não é ter o direito de disparatar à vontade, ou ter o dever de expressar a nossa opinião, mas sim o direito de dizer aquilo que pensamos, sem qualquer tipo de censura.

Isto implica que liberdade de expressão é também o direito de ficar calado, e obriga a que cada pessoa tenha consciência daquilo que pensa e do que vai dizer, antes de o dizer. Todos têm direito a expressar a sua opinião, como é óbvio, mas isso não quer dizer que todos tenham a obrigação de andar a esfregar todos os seus pensamentos inconsequentes. As ideias têm que ser trabalhadas e ponderadas. E às vezes o melhor é mesmo não dizer nada, seja por uma razão ou por outra.

Felizmente, John Milton era um homem iluminado, e ficar calado não devia ser algo que lhe agradasse muito, e ainda bem, pois aquilo que se pode ler neste Areopagítica é um discurso muito bem trabalhado e estruturado, e bastante actual, apesar de já datar de 1644. Cheio de referências clássicas a autores gregos e romanos, por exemplo, e recorrendo frequentemente à Bíblia, o autor escreveu aquilo que reconheço ser um monumento à liberdade de expressão, edificado em resposta à Licensing Order de 1643, que impunha censura pré-publicação em Inglaterra.

Um dos argumentos usados é um dos meus favoritos para muita coisa: Milton afirma que uma das formas mais eficazes, porventura a melhor, que o Homem tem de reconhecer o Bem, é exactamente conhecer o Mal, ou seja, que a publicação de livros considerados abomináveis, seja em termos ideológicos ou literários, serve pelo menos para, por comparação, sermos capazes de reconhecer uma boa obra. Isto vai de encontro à minha noção pessoal de que o Bem e o Mal, a beleza e a fealdade, a dor e o prazer, entre outras coisas, por si são, não têm valor intrínseco. É apenas graças à existência destes "pares" de opostos que somos capazes de apreender ambas as coisas.

A escrita é impecável e clara, o veículo ideal para transmitir a mensagem que o autor quer passar, que é também ela impecável. Quanto àquilo que achei, bem, vinha com a ideia de me queixar da quantidade de argumentos religiosos que são usados e da forma como são usados, mas a verdade é que a maior parte desses argumentos se reduzem a argumentos morais, e podem ser generalizados de forma a ser independentes de qualquer tipo de religiosidade ou espiritualidade. Apenas estão como estão neste livro porque Milton era um homem bastante religioso, numa época bastante religiosa. E tendo em conta que são argumentos perfeitamente genéricos e com os quais concordo, depois de lhes tirar a cobertura bíblica, não me posso queixar disso.

No entanto, e por algum motivo, não achei o livro tremendamente espectacular. É bom, e particularmente excepcional para o objectivo a que é destinado, mas acabei por o achar demasiado pequeno, com algumas coisas que podiam ter sido mais desenvolvidas e melhor faladas. Isso provavelmente está relacionado com o facto deste livro ser no original um panfleto, um mero discurso a defender uma ideia, e não uma obra filosófica da pesada. Funciona bastante bem, mas ficou aquém das minhas expectativas.

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