sábado, 14 de maio de 2011

Os policiais e os livros de terror


Talvez a maior parte das pessoas nunca tenha pensado muito bem nas semelhanças e diferenças entre estes dois géneros. Aparentemente têm muito pouco a ver um com o outro: nos policiais há um crime, que alguém tenta resolver; nos livros de terror há qualquer coisa aterrorizante que assombra toda a leitura. No entanto uma vez li uma frase de H.P. Lovecraft, um dos maiores escritores de terror de sempre, e um dos meus autores favoritos, que me permitiu fazer a improvável ligação entre os dois géneros:

"A mais antiga e forte emoção da humanidade é o medo. E o mais antigo e forte medo, é o medo do desconhecido." - H.P. Lovecraft

Concordei de imediato. Especialmente depois de pensar no que já li deste autor. Aquilo que me manteve sempre agarrado a cada um dos seus contos foi sempre a mesma coisa: o desconhecido. A maior parte, se não todas as suas histórias centram-se nalgum tipo de monstro desconhecido, ou nalguma situação misteriosa de contornos estranhos e inexplicáveis. Lovecraft, sendo o mestre que era, fazia uso deste "medo do desconhecido" de forma excepcional, resultando sempre em brilhantes e emocionantes histórias do mais puro terror.

Mas o que é que isto tem a ver com os policiais?, perguntam vocês. Pois bem, lembram-se do que eu escrevi logo no início? Que nos policiais "há um crime, que alguém tenta resolver"? Ora, dependendo do autor, cada livro deste género se pode focar numa de várias coisas, ou talvez em mais do que uma. Nos livros de Agatha Christie há sempre uma preocupação constante em chegar à verdade, em descobrir o culpado, em perceber exactamente o que é que se passou, transformando a leitura numa espécie de jogo intelectual no qual o leitor é convidado a participar. Já nos policiais de Arthur Conan Doyle, embora haja a mesma preocupação com a verdade e em descobrir o culpado e aquilo que se passou, a mim sempre me pareceram livros mais focados no detective em si e na sua forma de agir do que noutra coisa. A discussão Sherlock vs Poirot já é antiga, e não é esse o meu objectivo neste texto, mas em termos de carisma enquanto personagem, acho que o detective britânico ganha aos pontos ao seu colega belga, pelo simples facto de falar menos e de ter uma participação menos activa nos desenvolvimentos, ou seja, por ser mais misterioso.

No entanto é sempre a mesma coisa que nos mantém agarrados a estes livros: o desconhecido. Penso que esta conclusão possa ser estendida a praticamente qualquer género e a praticamente qualquer livro, é quase sempre aquilo que não sabemos um dos motivos principais para a leitura de um livro. Seja querermos saber o fim da história, ou o que é que acontece à personagem X, seja querermos saber que presença é aquela que está presente em todo o livro sem nunca ser vista ou apercebida, seja querermos saber o culpado do crime.

E aqui tenho que acrescentar qualquer coisa às palavras de Lovecraft. Enquanto pessoas, acho que não temos apenas medo do desconhecido. Acho que temos também uma curiosidade insaciável, aspecto que eu acho ser intrinsecamente humano. Não há animal mais curioso à face da Terra. Queremos saber tudo, e embora isso por vezes nos assuste, que é exactamente aquilo que Lovecraft e outros escritores de terror exploram nos seus livros, temos quase que uma compulsão mórbida de saber tudo, característica aproveitada pelos escritores de policiais, cujos livros são normalmente autêntico page-turners.

É por estas razões que há pessoas que vão sempre ler as últimas páginas dos livros, e é também por estas razões que os livros de vampiros já não têm o efeito que tinham antigamente. Estes monstros tornaram-se algo tão banalizado e comum que toda a gente os reconhece. Se qualquer pessoa estiver a ler um livro e aparecer alguma personagem que foge do Sol, ou que tem medo de cruzes, ou que é estranhamente pálido, sabe de imediato que é um vampiro, e perde-se toda a surpresa, desvanece-se a curiosidade e perde-se o medo. E falo por mim próprio, que ao ler o "Drácula" não senti o terror que aquele livro certamente inspirou, na altura em que foi escrito, porque eu já sabia a história, já sabia que havia um vampiro, quem ele era, o que fazia e como...

Acho que divaguei um bocadinho mas espero ter-me feito entender: é o desconhecido que está na base do interesse quer de policiais, quer de livros de terror.

2 comentários:

M. à conversa disse...

Sem dúvida, apesar de serem dois tipos de literatura diferentes têm algumas coisas em comum, sendo uma delas o factor fulcral destes tipos de livros: o mistério!
E apesar de terror, não ser de todo um estilo literário que goste nem sendo eu muito muito informada sobre o assunto, também já tinha comparado os dois e sem dúvida têm semelhanças :)
Bela crónica, hein? :D

Rui Bastos disse...

São de facto 2 géneros bastante semelhantes, na sua essência.

Obrigado :D