Autora: Clarice Lispector
Opinião: Tenho sempre algum receio de pegar num
livro de um autor brasileiro. Habituado como estou ao português de
Portugal, há pequenas coisas no português do Brasil que me soam
demasiado estranhas e que correm o risco de me influenciar
negativamente a leitura.
Já tive, no entanto, boas experiências
com livros brasileiros, e este livro de Clarice Lispector é
o membro mais recente dessa lista. Em Laços de Família,
conjunto de contos sobre o quotidiano, a autora consegue transformar
rotinas e situações perfeitamente normais em intensas descrições
literárias com uma escrita bastante boa.
Aliás, para se ver
que quando a escrita é boa, as diferenças entre as versões do
português se esbatem, basta ter em atenção que não é difícil
lerem-se alguns destes contos sem se ficar a saber a nacionalidade da
autora.
Logo por aí, é
bom. Mas achei mesmo que Lispector tem um dom qualquer, porque não é
qualquer pessoa que me consegue manter interessado em contos pequenos
que são, basicamente, a descrição de um jantar de família, a ida
para a escola de uma rapariga e outras coisas igualmente banais.
O que a autora faz
de forma fantástica é, como já disse, dar intensidade a essas
descrições, seja através da sua escrita praticamente
irrepreensível ou da perspectiva pessoal e altamente modelada que
usa para contar as histórias, pondo-se na pele das várias
personagens e transmitindo na perfeição o que cada uma sente.
Isto é muito
interessante, e faz algo que me agradou bastante: cria um certo
conflito entre diferentes tons dos narradores, que variam ao longo de
cada história. Esses tons, criados e controlados pelas emoções e
pela mente das personagens, digladiam-se sem que nenhum ganhe nem
perca, mas sim até a história acabar, em constante contraste bem
encenado por Lispector e que só beneficia os contos.
Mesmo assim alguns
dos contos não conseguem erguer-se acima da banalidade
desinteressante – são aqueles em que a escrita da autora brilha
menos – criando assim uma divisão entre os contos, entre os banais
que conseguem cativar e os banais que não passam disso mesmo.
Além da escrita e
destas particularidades das histórias e dos narradores, os temas
abordados são profundos e terra-a-terra, misturando preocupações
do dia-a-dia com questões mais existenciais de forma harmoniosa e
tornando o livro fantasticamente citável.
Por
isto tudo, aconselho a leitura deste Laços de Família,
mesmo aos mais cépticos. Lispector já me foi aconselhado várias
vezes, e também não acreditava muito que fosse gostar grande coisa,
mas desenganem-se: o livro é bom, a escrita é muito bom, e a autora
é, no mínimo, intrigante!
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