Freak Show foi a quarta temporada de American Horror Story, uma das séries mais interessantes que descobri nos últimos tempos. E claramente a mais perturbadora. A ideia do programa é ser uma antologia de horror, com cada temporada a passar-se numa época e num cenário diferente, com histórias e personagens diferentes, ainda que interpretados pelos mesmos actores (e algumas novas adições).
Despachei a primeira temporada num instante, e depois andei a acompanhar a segunda, deliciadinho da vida. A terceira não me encheu tanto as medidas, mas também gostei. E esta agora foi bastante peculiar, em vários sentidos. Mas antes de começar a falar da série, quero que vejam o genérico desta temporada.
Sim, são sempre assim tão estranhos e perturbadores. Agora quero que vejam o trailer de outra série muita famosa vinda dos mesmos criadores de American Horror Story.
Não, não estou a brincar. Sim, foi exactamente essa a minha reacção, quando descobri. Mas já perceberam a ideia da série, não já?
Durante todos os episódios de qualquer das temporadas, o equilíbrio entre gore e ridículo é muito ténue. E a certa altura há aliens, nazis e possessões demoníacas no mesmo episódio. Estão a ver o calibre disto!
A verdade é que por mais estranho que possa parecer, esta é de facto uma boa série. Uma excelente série, diria eu, que de vez em quando se deixa desvirtuar ligeiramente. Mas nada demasiado grave.
Freak Show é um excelente exemplo disso mesmo. A premissa é perfeita: depois de uma casa assombrada na primeira temporada, um asilo atroz na segunda e uma escola de bruxas na terceira, um circo de freaks é a melhor ideia de sempre para esta quarta temporada. E logo nos primeiros episódios somos testemunhas disso mesmo.
O Lobster Boy, a mulher gigante, a mulher minúscula, a mulher com barba, o homem foca, a mulher que é só da cintura para cima (desculpem o link, não resisti) e tantas outras personagens fantásticas, todas elas peculiares de alguma forma e brilhantemente interpretadas. Bem-vindos ao Freak Show!
No meio de tudo isto, há alguém que se destaca, como se destaca em todas as temporadas, pelo seu enorme carisma e a sua brilhante actuação. Falo de Jessica Lange, cujo único defeito é as suas personagens serem bastante parecidas umas com as outras, de uma temporada para a outra. Se bem que não importa, esta tipa podia fazer metade das personagens numa temporada, que eu via e adorava na mesma.
A mulher é incrível. Tem aquela dignidade de diva em fase de declínio, que mistura muito bem com uma sensualidade que parece ter sido descoberta depois dos sessenta anos (tem actualmente 65) e uma presença que transborda completamente para fora dela própria. Nem sequer é justo, normalmente, tê-la a contracenar com alguém, porque consegue ofuscar um actor bom com bastante facilidade.
Nesta temporada é a dona do circo, Elsa Mars, alemã com um sotaque porreiro, um segredo muito, muito negro, e um sonho de ser uma estrela. É uma personagem fantástica, indecisa entre o amor que tem aos seus "monstros", como lhes chama, e a vontade de ser algo mais. A gravidade que Lange dá à personagem torna-a completamente convincente, logo desde os primeiros momentos e completamente até ao fim.
Mas é preciso dizer a verdade e fazer jus ao trabalho dos outros actores aqui envolvidos. Não o notei tanto nas outras temporadas, embora tenha notado, mas nesta há claramente um elenco maduro, com uma excelente química entre uns e outros, e que conseguiram ter algumas das melhores interpretações que vi em televisão.
Vou evitar falar de Kathy Bates, que faz de mulher barbuda, porque é demasiado fácil. Uma senhora actriz como Lange, é outra mulher incrível que fez um papel do caraças na última temporada - incluindo muito tempo a ser, literalmente, apenas uma cabeça numa bandeja - e que aqui volta a repetir a brincadeira.
Falo por exemplo de Sarah Paulson, que tem sido bastante consistente ao longo da série, tendo inclusivamente papéis centrais pelo menos desde a segunda temporada, e que em Freak Show brilha completamente como Bette e Dot, duas irmãs siamesas com apenas um corpo, mas duas cabeças e personalidades completamente distintas.
Eu nem quero imaginar como terá sido gravar para estes papéis, mas que trabalheira que deve ter sido! E o facto de ela conseguir convencer o espectador de que estão ali, realmente, duas personagens diferentes que tiveram o azar de partilhar o mesmo corpo... Extraordinário e sem dúvida um dos pontos altos da temporada.
Mas há mais, muitos mais, demasiados! Todos os freaks merecem aplausos, muitos deles a serem realmente aquilo que representaram (apenas ligeiramente menos assassinos e tal). Mas e fora dos freaks? Que tal Finn Wittrock como Dandy Mott e Frances Conroy como sua mãe, Gloria Mott, riquinhos da silva, ela toda paninhos quentes e "ai meu rico menino" com ele, enquanto ele é ligeiramente, mas só ligeiramente, um autêntico psicopata?
Pois é. Há toda uma mensagem sobre estas pessoas normais, especialmente o Dandy, serem os verdadeiros freaks, enquanto os freaks são apenas pessoas normais com aspectos peculiares. E muito mais que isso, embora alguns episódios não se consigam decidir sobre o orgulho que os freaks têm em serem chamados freaks.
No entanto, conseguem imaginar alguém que contrata um palhaço assassino, claramente com um ar assustador e maléfico, para o filho adulto se divertir, como se fosse a coisa mais normal do mundo?
Este mesmo, também conhecido por concorrência-ao-It-do-Stephen-King. É que foi exactamente isso que aconteceu com Gloria e Dandy. Estranhos duma figa, é o que é. Aliás, ambas as personagens são fantásticas de acompanhar, a mãe porque é interpretada pela Frances Conroy, que é outra actriz que impõe respeito, e o filho porque é uma personagem verdadeiramente fascinante. Mimado até à exaustão e psicopata até ao tutano, parece não ter a mínima noção de como tudo funciona, e foca-se excessivamente em si próprio. De tal forma que raramente vemos Wittrock a contracenar com mais alguém, e quando o faz é numa posição dominante e chamativa.
Ah, o palhaço chama-se Twisty e tem uma das histórias mais tristes de sempre. Na série acaba por, digamos, se associar com Edward Mordrake, um nobre com uma cara na nuca, relativamente funcional. Para terem uma ideia do quão perturbador é o caso de Mordrake, digo-vos que é das poucas coisas que realmente incomoda a minha namorada, que eu raramente vejo incomodada com alguma coisa. Compreendem?
Falando novamente da temporada, o que é que se retirou destes episódios? Demasiado para uma única crítica, mas o essencial é uma dicotomia curiosa entre ter orgulho naquilo que somos, especialmente se formos diferentes da maralha, e renegar os outros quando são demasiado diferentes. Estranho.
Claro que o essencial, essencial, são mesmo as cenas perturbadoras, como a de alguém a ser serrado ao meio e depois separado e verem-se entranhas a caírem ao chão. Ou umas pernas a serem cortadas. Enfim, só vendo.
Lá pelo meio, nem tudo é mau, e tenho que destacar duas personagens, Pepper e Ma Petite:
Aquela pessoa minúscula é a Ma Petite, e é tão adorável como vocês acham que é. E tem a minha idade. A Pepper foi a primeira personagem a aparecer em mais do que uma temporada (também entrou na segunda, do asilo) e além de ser claramente, e com razão, uma favorita dos fãs, revelou-se como uma personagem extremamente trágica, quando descobrimos a sua história entre o tempo narrativo de Freak Show e o de Asylum.
Esta personagem foi apenas o primeiro elo de ligação entre as várias temporadas, e podem ver facilmente que já existem muitas teorias por aí a flutuar, a maior parte delas muito interessante e que prometem algo que acho que vou gostar de ver: ligações ténues, claramente existentes, mas não demasiado óbvias nem demasiado importantes.
Como já devem ter percebido, adoro esta série. Ainda estou um pouco indeciso quanto a esta temporada, provavelmente a que tinha mais potencial e que a mais o desperdiçou. Delirei com as duas primeiras, fiquei assim-assim com a terceira, e esta agora deixou-me uma sensação estranha. Parece que teve várias oportunidades de ser brilhante, arriscou, e acertou completamente ao lado. É um risco que se corre com qualquer coisa, quanto mais com uma série destas, mas essas alturas fazem com que tudo pareça apenas mais do mesmo, diminuindo o impacto do choque e do horror, que tanto marcaram as primeiras temporadas.
O final em si é porreiro, deu gozo de ver, mas o último episódio é novamente uma montanha-russa de emoções. Quando estava a ver, completamente imerso naquilo, não tive problemas, mas depois de pensar um bocado... Não havia necessidade. Acho que o argumento se esforçou demasiado para fechar algumas das muitas pontas soltas, mas deixou uma grande parte de fora. O que é uma pena, porque como já disse, esta série é das melhores coisas que já vi, e esta temporada tinha tudo, desde a história, às personagens e ao cenário, para ser absolutamente brilhante, e não se conseguiu elevar para além de boa, mas...
Agora é esperar uns meses até ser anunciado o tema da próxima temporada, e se a Lange fica ou vai embora, e quem vão ser as novas estrelas que vão atrair para isto. Desta vez até o Neil Patrick Harris conseguiram convencer! Fico ansioso, mas confesso que espero que melhorem consideravelmente o rumo que estão a tomar...
2 comentários:
Como acho que já tínhamos falado, esta temporada também não me convenceu. Já agora, porque claramente o tema também te interessa, deixo-te aqui um link do Internet Archive para um filme de 1932 (IMDB) sobre o mesmo tema, e intitulado precisamente Freaks. Já tinha ouvido falar dele e sempre tive curiosidade; acabei por o ver uma noite em Seattle, como inspiração para o conto que escrevi na semana do Ian McDonald. Advirto que é preciso um bcoado de atenção (e paciência) para deslindar o inglês com sotaque alemão do actor que interpreta a personagem principal.
Então e o True Detective, pá? Isso é que tens de ver!
É o filme de que falam no penúltimo episódio ;) Tenho na lista!
Desta temporada foi pena foi não aproveitarem bem o que tinham. A Paulson a fazer de gémeas siamesas estava impecável, e os freaks eram quase todos qualquer coisa. O argumento acabou por se focar demasiado noutras coisas e às tantas já nem sabia por onde seguir...
True Detective já vi! Fantástico!
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