sábado, 19 de setembro de 2015

As leituras também envelhecem

Para começar, eu fiz anos ontem. Vinte e dois, para ser mais preciso. Não é muito, ainda sou um jovem, pouco mais do que um puto, mas já é qualquer coisa. O suficiente para já me lembrar dos meus eus mais novos e pensar "que desgraça".

Estava a pensar nisso mesmo e enveredei rapidamente pelos livros, que ainda são das poucas coisas que me distraem completamente do mundo e do que se passa à minha volta. Pequenos oásis que são, é sabido que um livro lê-se de maneira diferente conforme a idade (física e mental) que se tem.

É esse um dos motivos do sucesso de O Principezinho, o facto de ser um livro completamente diferente para uma criança e para um adulto. Isso e o facto de usar palavras simples e puxar à lagriminha fácil, mas é melhorar não deixar o meu ódio tomar conta da conversa.

A verdade, no entanto, é que isso se passa com todos os livros, mas com mais camadas, e invariavelmente muito mais subtis.

Faz sentido, não é? E acho que já toda a gente sentiu isso, às vezes até com dois momentos de leitura no mesmo dia: há claramente diferenças.

Mas deixando esse caso extremo de parte, uma diferença de alguns meses, para um livro, pode ser significativa. Os livros não mudam, ficam sentadinhos na estante, à espera, portanto são os leitores que precisam de se orientar.

O resultado é que connosco, envelhecem as leituras. Não só!, mas também. Os livros também envelhecem por si só. A  ficção científica tem um prazo a partir do qual passa a ser inútil, pois o tempo que descreve como futuro, já é presente ou passado, e perde o interesse. A boa ficção científica tem um prazo também, mas que pode ser largamente ignorado em virtude da mensagem que passa.

Um livro sobre a história criminal dos últimos dez anos pode-se tornar praticamente num romance histórico daqui a mais uns cinquenta ou sessenta. E a própria mensagem que um livro passa pode ficar desactualizada: um livro actualmente a alertar as pessoas para o facto da Terra ser redonda, pronto, enfim. Mas até nesses casos pode dar asneira.

No entanto, a maior parte da culpa é mesmo nossa, de quem lê. Eu sei que não tenho muita margem de manobra para comentar isto, que vinte e dois anos é pouca coisa, sim, já discutimos isso. Mas tenho perfeita noção. Mais que não seja porque tendo em conta a minha média de cento e poucos livros por ano, já li cerca de 700 livros desde que entrei para o Secundário e fiz quinze anos. É muita coisa!

Não é difícil de imaginar que livros que li nessa altura, ou até antes, e nos quais pego agora, me vão soar diferentes, pelo menos em algumas coisas. Uma grande obra-prima pode-se revelar algo mal escrito com o qual me deslumbrei. Um livro de que não gostei muito pode-se revelar uma obra-prima para mim. E nem sou apologista de que há idades certas para ler determinadas coisas. Apenas concordo que há livros que realmente permitem leituras muito diferentes consoante a idade do leitor. E todos, ou quase, sofrem de "mudanças temporais num espaço subjectivo e individual". Não que o livro mude, mas a leitura que eu faço dele muda.

É então que surgem as dificuldades. Por um lado podem existir sentimentos conflituosos relativamente ao livro. Basta eu lembrar-me muito claramente da minha primeira opinião, e dos motivos para a ter tido, e até concordar, mas ter descoberto coisas novas na segunda leitura que até compensam. O que raio dizer do livro?

Acho que se deve abordar isso com cuidado. E pensar muito bem. Um livro relido, com um intervalo temporal entre leituras bastante alargado, podem quase literalmente tornar-se em dois livros diferentes. Nunca confiem, caros leitores, nunca confiem!

4 comentários:

Anónimo disse...

Por isso é que nunca releio um livro. De vez em quando até releio excertos, mas existem coisas que só se devem fazer uma vez na vida.
Abraço
FBF

Rui Bastos disse...

Tenho que, pelo menos, concordar parcialmente contigo!

Abraço.

Anónimo disse...

Ah, esqueci-me de te dar os parabéns atrasados!

Abraço
FBF

Rui Bastos disse...

Obrigado! Abraço