sábado, 26 de setembro de 2015

Sobre o empreendedorismo

Esta semana tive uma aula sobre empreendedorismo. Foi o primeiro seminário de uma cadeira deste semestre, e foi ridícula. A própria noção actual de empreendedorismo faz-me comichões, mas esta aula/palestra conseguiu tocar em quase todos os pontos que me fazem abominar esta tendência.

Mas o que é, afinal, isto do empreendedorismo? A definição dada na aula foi algo como "ir atrás de uma oportunidade sem preocupação com os recursos que se controlam na altura". Que é como quem diz "gastar mil euros quando só se tem um". A ideia até podia nem ser das piores, tendo em conta que estamos basicamente a falar de correr riscos e podemos ir daí para um controlo preciso do dinheiro que sai e dinheiro que entra. Controlar esse fluxo ao máximo, não no sentido de maximizar ganhos e minimizar gastos, mas sim no controlo de quando é que essas coisas acontecem, pode ser a solução.

Claro que eu não percebo nada de finanças, economia e mercados de uma forma geral, portanto as coisas que eu digo sobre estes assuntos são baseadas em lógica, o que faz delas não aplicáveis à vida real.

No entanto percebo relativamente bem este fenómeno do empreendedorismo. Estamos a viver numa fase de massificação tão avassaladora, que começámos a retroceder. Há cada vez mais o ressurgimento de coisas antigas, e o aparecimento de coisas personalizáveis, ou únicas. Basta olhar para os livros. A oferta é tanta que já nem sabemos bem para onde nos virar. Começam a formar-se monopólios. Para um livro ser publicado, ou tem vendas garantidas e portanto grandes tiragens e preço decente, ou então tem um preço absurdo, que talvez seja balançado com um "edição limitada".

É aqui que entra o empreendedorismo, como pai da Chiado "Editora" e outras que tais. Agora, por módicas quantias, qualquer pessoa pode ser um autor publicado. Esses autores, bons ou maus, são todos uns palermas por se meterem nisso, mas a Chiado? A Chiado é empreendedora. Aliás, eu acho que se fossemos analisar esta "editora" de um ponto de vista de negócio, tínhamos aqui um caso de sucesso como há poucos!

O modelo de negócio, em termos simples, é que eles publicam, sim senhor, se o autor pagar x, e/ou se comprar x exemplares. Cria-se assim, ao mesmo tempo, uma oferta completamente diferente de tudo o resto, e vendas garantidas. Imagino que só uns cinco ou dez por cento é que vendam muito mais do que esses exemplares comprados pelo autor, mas por cada mil paspalhos há um Pedro Chagas Freitas, outro empreendedor profissional, que vende que nem pãezinhos quentes, por razões que me escapam.

Este modelo de negócio significa que (e volto a frisar que não percebo nada disto), muito provavelmente, a Chiado manda fazer um certo número de exemplares, vende um certo número de exemplares ao autor suficientes para cobrir os custos e ainda fazer lucro, e todos os outros livros que vender, por poucos que sejam, são lucro puro e duro.

Aqui é fácil que as opiniões comecem a divergir. Há quem chame a isto empreendedorismo, eu chamo-lhe fraude.

A Chiado é o exemplo que conheço melhor e que acho que percebo minimamente, mas há muitos mais casos de "sucesso" que não passam disto, fraude, ou então de falsa inovação e originalidade vazia.

Só que é isso que é o empreendedorismo hoje em dia. Não interessa a formação que temos, não interessa aquilo que gostas de fazer, se surge uma oportunidade, inventa, e segue. O limite é quando surgem os dois tipos de pessoas deste tipo de coisas que mais me fascinam: os empreendedores profissionais e os porta-vozes do empreendedorismo.

Falar dos primeiros é falar do Pedro Chagas Freitas, um tipo praticamente incapaz de escrever duas frases coerentes com qualidade literária, que se farta de ganhar dinheiro à custa da escrita, mas também de pessoas cuja vida é gerir dinheiro e ideias de outras pessoas para criar empresas, sem saber nada de como funciona o produto/serviço que a empresa oferece, simplesmente com o objectivo de as fazer ganhar muito dinheiro que lhe possa ir parar aos bolsos.

Falar dos segundos é falar de todos os idiotas que andam por aí a dar palestras sobre empreendedorismo. Aquela malta motivacional, normalmente todos muito modernos e despachados, com respostas rápidas, humor e um discurso tão vazio de conteúdo que até flutua no ar.

Eu estou farto de uns e de outras, e esta aula que tive esta semana apenas conseguiu relembrar-me desse facto. A quantidade de clichés, frases feitas e informação infundada é tanta que tenho a certeza que já deve dar para abrir uma empresa à volta disso e começar a fazer dinheiro.

Tenho uma ideia melhor: que tal deixarem-se de merdas e fazerem algo realmente produtivo para a sociedade?

6 comentários:

SMP disse...

É o que está a dar, Rui, é o que está a dar...

O mundo é dos Quesados: http://malomil.blogspot.pt/2015/08/the-quesado-generator.html e afilhados.

Rui Bastos disse...

É um fenómeno ao mesmo tempo fascinante e repulsivo!

SMP disse...

E ainda, dentro da mesma season:

http://malomil.blogspot.pt/2015/09/the-life-and-times-of-pedro-vieira.html

Rui Bastos disse...

Isto até dá dó...

Anónimo disse...

Ui... tema fracturante....

Vamos lá ver: Portugal tem falta de iniciativa privada; o maior empregador de portugueses ainda continua a ser o Estado. No interior então os números são assustadores (Só boys and girls)...

Por outro lado, entendo a posição do Rui: gastar o que não existe é foda... complicado... gera dívidas... gera insolvências pessoais e de empresas...
Para isso é que existem os bancos e a alavancagem que estes dão às empresas é essencial. No entanto, depois desta alavancagem era preciso trabalhar muito, investir o suficiente na organização (Contabilidade e Consultadoria Jurídica) e só depois pensar em novos investimentos. Contudo, o português só pensa na primeira fase: dinheiro para montar o negócio e depois logo se vê. (Como o meu primo Carlos diz:"Para correr bem é preciso muita coisa; para correr mal são precisas poucas...")

Por outro lado, com menos freios, é preciso ter em vista o seguinte:
Hoje, ninguém nos dá emprego. As empresas só querem ter trabalhadores mas não querem pagar susbsídios de férias nem de natal e muito menos impostos. (Por isso, é que existem empresas cancerosas como Randstad's e por isso é que o leste asiático está cheio de trabalho infantil... outras histórias) Portanto, se queremos dinheiro temos que montar o nosso negócio.

Em suma, é preciso não desvalorizar quem tem ideias e quem ganha dinheiro com elas e por outro lado ter em conta a necessidade prévia de saber que qualquer investimento deve ser ponderado.

PS: Nota importante: O mercado, leia-se consumidores, é que funciona mal quando a Chiado Editora prospera. E acho, sinceramente, que ser publicado pela Chiado não deve ser do agrado de nenhum leitor.

Abraço

FBF




Rui Bastos disse...

É assim, eu percebo muito pouco destas coisas. A nível de detalhes, estas brincadeiras económicas são todas falcatruas e/ou magias negras, para mim. Simplesmente não é a minha praia. Mas os conceitos básicos que mencionas, como gastar o que não existe, que me parece ser a base do actual sistema económica já há várias décadas, tenho-os, e acho-os ridículos. Idióticos.

Atenção que eu não desvalorizo quem tem ideias e ganha dinheiro com eles. Estou em Engenharia, o meu futuro vai basicamente depender de eu ser capaz de ganhar dinheiro com as minhas ideias. Eu apenas desvalorizo o rótulo do empreendedorismo e do empreendedor, da mesma forma que desvalorizo o rótulo da "literatura a sério" que se atribui à poesia, ou do qual se exclui o Fantástico.

Ser empreendedor é visto como a única solução decente. O empreendedorismo é visto como o futuro e a salvação não só da pátria como da Galáxia e possíveis Universos paralelos. Quando na sua maioria não passam de promessas vazias que vão avançado por causa do rótulo de empreendedorismo. "Olha que empreendedores, vamos apostar."

Isso chateia-me, especialmente quando cria parasitas da ordem da Chiado e de certos professores que dão certas aulas a certas cadeiras de certos anos de um certo curso que talvez seja o meu. Estás a ver aqueles discursos de frases feitas, que tenta ser fixe e mostrar como tudo o que sabemos está errado, "planear o vosso negócio é a coisa mais estúpida que podem fazer", "sabiam que as pessoas mais ricas e com sucesso do planeta não acabaram nenhum curso?".

Enfim. Aborrece-me. Mas que é um problema de mercado, especialmente do lado dos consumidores, concordo. Só que as pessoas são fáceis de enganar. A demagogia é uma arma poderosa.

Abraço