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quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Doctor Who [T09] (pós-2005)


Vamos lá esmiuçar mais uma temporada de Doctor Who, que teve muito que se lhe diga...

Contexto

A temporada anterior foi a primeira de Peter Capaldi no papel de Doctor. Depois de Matt Smith como um brincalhão e saltitão Eleventh Doctor, foi-nos prometido um Doctor mais sério; e foi o que aconteceu. De tal forma que choveram críticas à nova encarnação da personagem, que demonstrou muito cedo ter uma personalidade muito diferente das dos seus antecessores imediatos.

Aliás, poucos episódios depois de começar a oitava temporada, era difícil não fazer paralelos com alguns dos Doctors da série clássica, já que este Twelfth Doctor transmitia muito mais uma sensação de veterano e velho rezingão.

Para mim foi uma óptima mudança, e não demorei muito a ficar convencido de que o actor tinha sido bem escolhido. Mas ainda assim, e por mais a oitava temporada me tenha tentado convencer que este novo Doctor era mesmo, mesmo badass e todo dark, os episódios ficaram um pouco aquém, de uma forma geral. As histórias repetiam-se, as reviravoltas já não surpreendiam, e era possível apontar os tiques de Moffat com demasiada frequência.

Houve certamente uma mudança em termos de tom, mas não em termos de direcção. A série continuava a seguir o mesmo caminho, só que de outra perspectiva, o que criou excelentes momentos, mas falhou em ser algo mais.


Aprendizagem

No entanto as coisas mudam. E se há algo de bom (e mau) nesta era da Internet, é a quantidade de feedback que os espectadores dão de imediato. Ainda o episódio não acabou, e já há malta a disparar por todos os lados.

Alguém com paciência (ou que tenha esse trabalho) pode filtrar as alarvidades e perceber a opinião real das pessoas. E parecia que era o que o Moffat tinha feito! Apesar da escolha questionável de manter Jenna Coleman no papel de companion durante mais uma temporada, começaram a surgir notícias promissoras: uma temporada repleta de two-parters, um Doctor mais seguro de si próprio, rumos sobre o regresso de Gallifrey... Prometia!

E sabem o que aconteceu com o primeiro episódio? Fiquei satisfeito. Superou as minhas expectativas e deixou-me capaz de dizer "estás perdoado, Moffat". Sim, foi assim tão mais incrível do que aquilo a que o argumentista já nos tinha habituado. Depois veio o segundo episódio, e a tendência manteve-se. O formato de two-parter assentou que nem uma luva, o tom das histórias tornou-se finalmente no tom certo, Capaldi esteve excelente e a Missy voltou. Nem sequer dei pelos tiques habituais, portanto tudo apontava que Steven Moffat tivesse aprendido a lição!

O desenrolar dos acontecimentos

O que aconteceu foi que as histórias, tirando duas, se mostraram boas. Realmente boas. Bem feitas, bem exploradas, bem montadas, bem escritas, bem tudo. As críticas continuaram a chover, mas a malta diz mal por tudo e por nada. Se não tem two-parters é porque não tem, se tem é por tem, se isto é porque isto, se aquilo é porque aquilo. Há sempre alguém a dizer violentamente mal de alguma coisa.

Já eu, que me considero um connoisseur de Doctor Who, fiquei bastante agradado. As histórias foram interessantes e cativantes, as personagens secundárias raramente foram mera carne para canhão, a personagem do Doctor evoluiu mas não se distanciou da oitava temporada de forma ridícula, e a direcção que a narrativa tomou esteve em sério risco de ser excelente.

Se houve um problema, para além da desgraça inenarrável de The Woman who Lived e da confusão de Sleep No More, foi a caracterização de Clara, que fez uma viragem brusca e agressiva e arriscou deitar tudo a perder. O que Moffat queria era forçar-nos a ideia de que depois de uma temporada a tornar-se cada vez mais parecida com o Doctor, Clara estava demasiado parecida com o Doctor e a tomar demasiado riscos.

Tudo envolvido numa nuvem de foreshadowing do fim da personagem. Mas as coisas correram bem. A personagem de Clara irritou-me, mas sempre me irritou um bocadinho. Foi então que chegámos a Face the Raven...


O princípio do fim

O décimo episódio, logo a seguir ao fraco e desnecessário Sleep No More, tinha de valer a pena. E valeu! Com algum do melhor e mais coeso storytelling a que a temporada teve direito, o regresso de um Rigsy bastante diferente da sua aparição em Flatline, na temporada passada, o regresso de Ashildr Me, que continuou supérflua, mas que pelo menos já foi interessante e relevante para o enredo, e inspirações potterianas um bocadinho por todo o lado, até eu fiquei surpreendido. O episódio foi bom!

Não só matou a Clara (finalmente!) como terminou de uma forma brutal: Me engana o Doctor de forma a ficar-lhe com a chave da Tardis e a teletransportá-lo para um destino incerto a mando de alguém. Isto logo a seguir à nova atitude excessivamente destemida de Clara lhe ter reservado um final trágico. Aquilo que surgiu foi um Doctor muito zangado, com Capaldi a conseguir transmitir uma fúria de 2000 anos com muito poucas palavras, um olhar mortífero e um tom de voz calmo.

Uma clara diferença relativamente ao Eleventh Doctor, com os seus grandes discursos e postura maior que o mundo. Mas igualmente eficaz, ou até mais, já que desde o Ninth Doctor de Christopher Eccleston que eu não via tanta fúria e tanta pesar na personagem.

O final termina com o Doctor a ser teletransportado depois de ameaçar abertamente Me e deixar prever o caminho negro que se preparava para seguir.


Uma obra-prima

A semana seguinte trouxe Heaven Sent, um clássico instantâneo e um dos melhores episódios de Doctor Who de sempre. Preso num castelo misterioso, com ares de Hogwarts, sem fazer a mínima ideia de como lá foi parar, e com um monstro igualmente misterioso a persegui-lo lentamente mas sem nunca parar, o Doctor não compreende o que se passa.

Os minutos que se seguem mostram que Moffat ainda tem muitas ideias primorosas dentro daquela cabecinha, e que vai ser sempre uma força a ter em conta no universo de Doctor Who. Um episódio em que a única personagem é o Doctor, com uma série de conceitos absolutamente fantásticos, e um loop muito à là Moffat... Não há como não ficar impressionado!

E depois vem o final. A grande revelação e a conclusão de que o sítio onde o Doctor chega, depois de escapar do castelo misterioso, é Gallifrey. Finalmente! Quase consegui ouvir as milhões de exclamações por esse mundo fora, por verem o planeta dos Time Lords a aparecer no programa (pós-2005), de forma decente!


Gallifrey falls... no more!

Hell Bent. O final da nona temporada, e o regresso de Gallifrey. O episódio que podia mudar tudo. Uma primeira metade absolutamente fantástica, com tudo aquilo que eu podia desejar... E uma segunda metade que arruina tudo. Depois de uma temporada inteira a conter-se, Moffat consegue trazer aquilo que tem de pior ao de cima, e torna toda a temporada e toda a carga emocional e de evolução da personagem do Doctor em algo sobre a Clara.

Sim, ouviram bem. Não é só Gallifrey que regressa, é também Clara, graças a um esquema duvidoso que deixa perceber que tudo o que se passou até agora foi apenas um plano elaborado para resgatar a resgatar. Haja paciência.

O final até não foi das piores coisas de sempre, mas Moffat trouxe Gallifrey de volta, introduziu uma série de personagens novas e de momentos interessantes, como a postura silenciosa do Doctor, que leva a uma revolução igualmente silenciosa que faz dele o Presidente de Gallifrey, graças ao seu estatuto de herói de guerra... Para depois se focar inteiramente na sua companion fetiche, que deve ser, em termos objectivos, a personagem mais importante e envolvida no canon de Doctor Who tirando o próprio Doctor.

Moffat conseguiu ser a criança birrenta que quer ter a mão em tudo, e fê-lo através de Clara, que não só entrou na timestream do Doctor para o salvar durante a sua vida toda, como conseguiu sacar regenerações aos Time Lords, inspirar um Doctor juvenil e agora ser o motivo pelo qual o Doctor chega a Gallifrey.

Nem tenho muitas razões de queixa do episódio: foi bom, de uma forma geral, mas podia ter sido excelente. Era só continuar na mesma onda da primeira metade, na mesma onda da temporada até ao momento... E Moffat estragou.

Mas pelo menos trouxe Gallifrey de volta. Espero é que seja algo mais permanente do que só para este episódio...


Conclusão

Por muito que me queixe, a temporada foi boa. Atrevo-me até a dizer que foi excelente. Não há nada como terminar tantos episódios a pensar "ah, caraças, assim vale a pena". Moffat esteve bem, apesar de tudo, e diz-se que continua para a próxima temporada. Desde que tenha tomates para continuar na mesma onda, mas com menos momentos como a última meia hora de Hell Bent, e ainda formar e escolher o seu sucessor...

O balanço final é que tem de ser positivo, por muito que me apeteça penalizar a temporada pelo descarrilamento final. Ainda por cima sou parcial, quando se fala desta série. O que é que eu posso fazer... Venham mais!

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Doctor Who [T9]


Esta temporada está exactamente a meio da era Pertwee enquanto Doctor. Com duas temporadas já feitas e duas por chegar, estas talvez sejam as histórias mais neutras em termos da posição do actor no universo de Doctor Who. Não acabou de chegar, nem está prestes a sair. É apenas mais uma temporada rotina, com a personagem já bem explorada e background suficiente para que as interacções e as reacções pareçam mais genuínas.

Por isso não é de estranhar que a qualidade seja acima da média para praticamente todas as histórias. Jon Pertwee é um excelente Doctor, completamente diferente dos seus antecessores, com a coragem de se diferenciar ainda mais do que a transição Hartnell-Troughton, mas a habilidade de ainda assim se manter fiel à personagem.

Fala-se muito de como o Second Doctor foi essencial (mais ainda do que o First) para estabelecer a personagem do Doctor. A forma como Troughton pegou na personagem e lhe deu uma direcção nova, com uma personalidade completamente diferente, é normalmente vista como o momento mais importante da série clássica, ou pelo menos um dos mais importantes.


Mas acho que o Third Doctor ainda foi mais importante. Bem vistas as coisas, o Second foi uma versão mais jovem e amigável do First, enquanto o Third passa bem por ser uma pessoa completamente diferente. A encarnação de Pertwee retém a moral e o mistério sobre a sua pessoa, mas de velho rezingão e manipulador, e de jovem hiperactivo e manipulador, o Doctor evoluiu para um herói de acção com instintos diplomatas, e muito mais capaz de inspirar confiança com o seu carisma natural do que os dois Doctor anteriores.

Os argumentos também ajudam, e isso é algo que se nota muito claramente nesta temporada. Com a equipa criativa já muita segura dos conceitos base da série, usam e abusam deles, introduzindo cada vez mais noções e costumes da ficção científica.

É por isso que a primeira história, The Day of the Daleks, apesar de recheada de gerigonças palermas e confusões temporais igualmente palermas, tem uma narrativa relativamente consistente que podia ter funcionado muito bem. Aliás, não tenho dúvidas de que este é uma daquelas histórias que o actual argumentista-chefe, Steven Moffat, já viu e reviu.



Infelizmente esse enredo não é sólido o suficiente, apesar de repetir contexto da conferência internacional e alguém em perigo, e de usar os Daleks, uma aposta segura. A certa altura ambas as facções em jogo queriam chacinar a mesma pessoa, basicamente da mesma forma, por motivos completamente diferentes, o que não faz qualquer sentido. Mas pronto.

A vantagem é que a partir daqui é sempre a subir! A história seguinte, The Curse of Peladon não só é um bom conjunto de episódios, como adiciona mais um tijolo importante às fundações da série: o regresso dos Ice Warriors... Como seres pacíficos! É verdade, e deve ter sido preciso uma dose massiva de coragem para incluir isso neste argumento, porque não é, de todo, algo expectável, ainda para mais quando a evolução da raça se faz completamente off-screen.

O único ponto fortemente negativo é o facto do rei de Peladon ser um completo idiota: basta imaginarem que um dos pontos importantes é a existência de uns túneis secretos por baixo de todo o castelo, e nunca uma vez o rei diz "mostrem-me!". Tudo se tinha resolvido em dois ou três episódios.


Mas depois vem The Sea Devils, uma história competente a todos os níveis, com um argumento forte, um excelente regresso do Master e uma óptima evolução dos acontecimentos. Os primos dos Silurians são vistos alternadamente de forma negativa e positiva, e são de facto ambíguos para o espectador, e pelo meio há duras críticas às forças governamentais e militares, sempre mais amigas do "explodir primeiro, perguntar depois".

A história seguinte, The Mutants, é peculiar no sentido em que a ideia é fabulosa, mas a execução de algumas coisas deixo algo a desejar. O Doctor é novamente enviado pelos Time Lords para servir de pau mandado junto de mais uma situação perigosa, sem qualquer indicação do que está a acontecer, para onde está a ser enviado, nem do que é suposto fazer. Apenas tem uma encomenda que só se abre para a pessoa a quem é destinada, uma boa ideia só por si.

O ritmo é bom e tudo culmina num clímax alargado em que nos apercebemos, juntamente com as personagens, que nada do que pensávamos saber está certo. Os mutantes do título têm mais do que se lhe diga, e isso é um desenvolvimento deveras interessante. O final mantém a qualidade, e só falha na estranhíssima evolução de uma das personagens que... bem... é idiótica. Mas tirando isso, uma história de qualidade.


Por fim, The Time Monster, com o Master de volta com um dos seus pseudóminos mais famosos, Professor Thascalos, com muita conversa inconsequente sobre fluxos temporais e Atlântida (já começa a ser um fetiche, esta civilização ser retratada na série). Felizmente a história tem qualidade, e as brincadeiras temporais estão bem feitas, incluindo a Tardis do Doctor a aterrar dentro da Tardis do Master, enquanto a Tardis do Master aterra dentro da Tardis do Doctor, e todas as consequências disso. Muito interessante e inovador para a época, de certeza.

Acho que já deu para perceber que esta é realmente uma temporada de qualidade, com um Doctor e uma companion no seu melhor, a UNIT a ter um papel relevante e bem integrado, e todos os conceitos de FC a serem misturados e usados de forma bastante eficaz. Fica a excitação para a próxima temporada, que começa com o especial dos 10 anos da série, The Three Doctors, a primeira história com vários Doctors e que marca o regresso de William Hartnell e Patrick Troughton ao papel.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Doctor Who [T8]


A oitava temporada da série é a segunda com Jon Pertwee no papel de Doctor, já completamente entregue à personagem. A naturalidade com que a encarna é extraordinária, e não envergonha a crueza da representação de William Hartnell, nem a versatilidade da representação de Patrick Troughton.

Ao mesmo tempo, esta temporada é importante para a série por várias razões: introduz o Master, introduz Jo Grant como nova companion, revela muito sobre o Doctor e volta a pô-lo a bordo da Tardis, e tem algumas das histórias mais espectaculares da série, largamente vistas como excelentes pelos fãs: logo a primeira, Terror of the Autons, e a última em particular, The Daemons.

Eu achei que todas as histórias estiveram bastante acima da média, o que não é fácil nesta série. Acho que a redução de número de histórias por temporada, na transição de Troughton para Pertwee, foi uma boa jogada, que permitiu ter temporadas mais equilibradas e menos cansativas.

A primeira história, como já disse, é Terror of the Autons, que reintroduz os icónicos Autons, vilões que regressariam para atormentar o Ninth Doctor de Christopher Eccleston, no primeiro episódio da nova série. E logo ao início, o primeiro defeito, que muito me chateou: a companion da sétima temporada, Liz Shaw, por muito instável que fosse enquanto personagem, simplesmente desapareceu de cena, para ser substituída por Jo Grant, e ainda por cima com uma desculpa ligeiramente idiota (ainda que ligeiramente legítima).


É uma pena que uma personagem tenha sido assim tratada, mas Doctor Who tem um longo historial de tratar mal alguns actores, por um motivo ou por outro. O outro problema aqui foi que a nova companion era muito fraquita. Uma personagem irritante, vagamente interessante, mas que ficava em apuras praticamente uma vez por episódio, sem acrescentar absolutamente nada à acção, nem ao enredo.

Ao mesmo tempo, esta é a primeira história em que o Master aparece, interpretado pelo incrível Roger Delgado, e não tem direito a uma introdução decente. Gostava de ter visto algo mais calmo, que desse tempo para nos habituarmos à personagem, antes de estar a confrontar o Doctor. É que Delgado tem uma representação muito intensa, e o Master tem realmente um ar pérfido e carismático, mas parece que foi enfiado à pressão na história.

Os episódios, no entanto, desenrolam-se bem. Estão bem feitos e têm um bom argumento, o que também não era tão fácil quanto isso, nos primórdios da série. Gostei particularmente de ver Pertwee e Delgado a interagir, ambos excelentes actores com excelentes personagens, e a demonstrarem um fantástico funcionamento conjunto.

Nos momentos finais, o Doctor troca uma peça da Tardis do Master pelo equivalente da sua própria Tardis, que está avariada, e lança assim o primeiro arco narrativo a sério do programa. De tal forma que o Master volta a aparecer em todas as histórias desta temporada!


Mas antes disso, vamos à segunda história, The Mind of Evil, que tem uma boa premissa: uma prisão usa uma máquina que extrai o Mal dos criminosos, com o intuito de os reabilitar. Os resultados não são muito bons, já que a única coisa que conseguem é que algumas pessoas morram, literalmente, de medo. O que também é uma boa ideia e uma boa utilização do conceito desta história.

E é aqui que se descobre algo muito interessante sobre o Doctor, que quando confrontado com a máquina que confronta as pessoas com os seus piores medos, vê fogo. Não sei de nenhuma razão em particular para isto, e tenho esperanças que o assunto ainda seja abordado, mas é interessante! O Doctor, que já viu, viveu, e enfrentou tanta coisa, tem medo de fogo. Pode até ter sido uma escolha pouco pensada e semi-aleatória da produção, mas funciona perfeitamente que o homem que tantas adversidades já venceu, muitas vezes apenas com o seu intelecto, fique aterrorizado com uma força imprevisível e irracional como o fogo.

No meio desta história, que também está muito bem conseguida, o mais interessante acabam por ser os encontros entre o Master e o Doctor. Outra vez. A relação dos dois é realmente muito estranha, entre o companheirismo de irmãos e a rivalidade de inimigos mortais. Um bocado inversa à relação que o Doctor tem com o Brigadier, que é uma das mais estranhas que já vi em ficção.

Na história seguinte, The Claws of Axos, aparecem uns aliens perturbadores, o Doctor revela a sua pouca paciência para aturar soldados, e a Jo torna-se mais interessante ao revelar a sua pouca paciência para aturar machismos. E o Master, sempre incrível, até colabora com o Doctor, sem que nenhum dos dois revele as suas verdadeiras intenções ao fim!


Muito bom mas, na minha opinião, é uma história que fica na sombra de A Colony in Space, que é bem melhor. Cá temos o Doctor novamente a viajar na sua Tardis, ainda que seja como pau mandado dos Time Lords. E cá temos uma história bem construída, bem explorada e bem conseguida. Todos os actores envolvidos fizeram uma excelente trabalho a demonstrar a luta inglória de uma colónia terrestre contra uma agressiva empresa de extracção de minério.

Não há cá acordos, nem nada que se pareça. Até tentam, mas redundam sempre na mesma coisa: porrada, traições e esquemas para mostrar quem é que manda. E como se isto não bastasse, existe ainda uma raça alien com uma história muito mais interessante do que parecia à primeira vista, e com um papel surpreendente no desenrolar da acção.

O final, esse, é impressionante a todos os níveis, e para todas as partes envolvidas. Gostei bastante destes episódios!

Ainda assim, foi a história final que me arrebatou completamente. The Daemons, considerada há décadas como uma das melhores histórias que Doctor Who já viu. Não discordo. Tem o melhor Roger Delgado até ao momento, e um argumento tão bem escrito que envergonha o resto da temporada. A luta aqui é mais ideológica do que outra coisa: ciência contra magia. De um lado o Doctor, céptico até às últimas, do outro quase toda a gente, levados por superstições e supostas manifestações sobrenaturais.


A parte interessante é ver o Master a conduzir rituais místicos. A minha primeira reacção foi “mas que raio”, a segunda foi “oh, wow, então é isso”, e quando os demónios, perdão, os daemons começaram a aparecer, a minha reacção foi “é melhor que me expliquem isto!, mas não agora, que quero ver o que vai acontecer”. Não estou a brincar. Finalmente uma história sem falhas, que nos conduz de um episódio para o outro sem perder o interesse e que tem uma explicação muito clarkiana. Aliás, o episódio final está recheado de momentos incríveis, e termina com o Doctor, sempre sábio, a dizer que “There's magic in the world after all!”, num óptimo contexto.

Tudo junto, isto faz desta temporada a melhor até agora, ainda que não com o melhor Doctor (William Hartnell continua imbatível, se querem que vos diga). Importante é ver onde é que isto vai dar, e como é que vai ser a próxima temporada, que também tem vários episódios famosos. Por agora estou mais do que satisfeito!

quarta-feira, 18 de março de 2015

Torchwood [T4] - Miracle Day




É um bocado injusto só falar desta temporada da série. Vi-as todas, mas as primeiras três ainda marcharam o ano passado, quando não escrevia opiniões sobre séries. Portanto vou fazer uma introdução alargada.

Depois do sucesso que foi trazer Doctor Who de volta, Russel T. Davies e companhia pegaram numa personagem mais ou menos secundária, Captain Jack Harkness, e deram-lhe a sua própria série. O actor, John Barrowman (que é fantástico) ficou bastante feliz, pois adora a personagem, e os fãs ainda mais felizes ficaram, pois ainda gostam mais da personagem.

O Captain Jack foi daquelas personagens que passou por Doctor Who e se tornou praticamente universalmente apreciado. São poucos os fãs da série que não ficaram fãs dele. O que é que há para não gostar num tipo vindo do futuro, omnisexual (homens, mulheres, humanos, não-humanos...), com o carisma de Barrowman? Eu digo-vos: nada.


A série que protagonizou, Torchwood, foi sendo introduzida em Doctor Who, com referências aqui e ali, mais ou menos directas, mas quando ganhou o seu espaço, ganhou a sua própria identidade. Até chegou a cruzar-se com a série original, mas tornou-se num spin-off com vida própria, um cantinho do universo de Doctor Who com histórias e conceitos mais maduros, mais violência e enredos mais pesados e dramáticos.

Quase um Doctor Who para adultos. Mas muito mais do que isso! Torchwood foi uma série original desde o início, muito criativa e na qual o argumento não tinha que se preocupar demasiado com limites, sobre uma organização secreta com o objectivo de combater as ameaças alienígenas à Terra.

As primeiras duas temporadas são relativamente normais. São interessantes e introduzem uma série de personagens fascinantes, ainda que apareçam de vez em quando personagens como a protagonista, Gwen Cooper, altamente sobrevalorizada dentro e fora da série, e que eu não consegui suportar durante um único episódio das quatro temporadas.


Mas a verdade é que a qualidade esteve um pouco aquém daquilo que seria expectável. Conclusões palermas, resoluções apressadas, conflitos de personagens que não faziam muito sentido, enfim, uma série de falhas que não estava à espera de encontrar. Pequenos defeitos, mas que fizeram a diferença.

Tudo mudou, no entanto, com a terceira temporada, em formato mini-série de apenas cinco episódios alargados, e que ultrapassou largamente as minhas expectativas. Havia esperança para o programa!

E depois veio a quarta temporada, também ela uma espécie de mini-série, com dez episódios co-produzidos com um canal americano. Sim, isso mesmo. Eu fico espantado que os fãs não se tenham revoltado e deitado abaixo a BBC, que tudo o que esteja relacionado com Doctor Who costuma ser religiosamente britânico e ai de quem sugerir o contrário. E eu aqui até apoiava, pois o resultado foi... fraco.

Quer dizer, a ideia é excelente. Estilo Intermitências da Morte, um dia as pessoas deixam de morrer, sem mais nem menos. Só que aqui a trama descamba numa conspiração super complexa de farmacêuticas e grupos criminosos semi-secretos. E até aqui, tudo bem. Era uma história interessante de se seguir.

Mas realmente, a americanização do programa fez-lhe mal. Explosões só porque sim, maus actores, a insistência em dar tanto protagonismo à Gwen, juntamente com a insistência em dar quase zero de protagonismo ao marido dela, Rhys, uma personagem infinitamente mais interessante... E um enredo de desenvolvimento confuso, com muita, mas mesmo muita coisa a não fazer muito sentido.

Apesar de ter alguns bons momentos...
Foi uma pena. O orçamento foi claramente elevado, e a conclusão até é interessante, especialmente aquilo que deixa em aberto para futuras séries (que ainda não aconteceram, apesar da série não ter sido oficialmente cancelada), mas o miolo da coisa, meh.

Tenho alguma esperança que Torchwood eventualmente volte, e que seja realmente bom, mas depois de conseguirem fazer uma má temporada logo a seguir a uma excelente temporada... Enfim.

sábado, 7 de março de 2015

Mais fácil do que uma crónica [4]



Vamos falar de novidades? Há coisas muito interessantes a acontecer um bocadinho por todo o lado (nem consigo falar de todas), e desta vez venho um bocadinho mais focado em filmes e séries.

No entanto, deixem-me começar pelas novidades aqui do cantinho. A tão prometida mudança de visual está demorada, e ainda é capaz de demorar um bocado, mas eu juro que me estou a esforçar para arranjar tempo! Também tenho mais algumas coisas planeadas, principalmente para aumentar a visibilidade do blog, mas tem que ser tudo com calma e paciência.

O que teve sucesso foram os meus pedidos desesperados por mais comentários, que andam em alta, alguns até por mail, e sempre muito interessantes. As minhas tentativas de socialização entre blogs também andam a ter resultados agradáveis, mas ainda é cedo e está-se a revelar mais complicado do que eu esperava.

Mas nada impede de já ter respondido ao desafio proposto pela minha namorada e ao (muito) estranho desafio proposto pela Alexandra Rolo. Espreitem que vale bem a pena!

No campo dos filmes, há algumas novidades importantes. De um lado tenho o Russel T. Davies a dizer que teria todo o interesse em escrever o argumento para um filme de Doctor Who, o que já me deixa excitadíssimo. Davies não só foi o responsável pelo regresso da série, quase vinte anos depois de ter sido cancelada, como esteve ao leme do programa durante umas fantásticas quatro séries que em muito contribuíram para a actual popularidade e qualidade de Doctor Who. Que o homem não se fique pela vontade!

Outra notícia que também me surpreendeu e que passou por todas as fases desde "estranhar" até "entranhar", foi a do novo filme sobre Sherlock Holmes, Mr. Holmes, com Ian McKellen no principal papel. A minha primeira reacção foi obviamente "deixem-no sossegado!", depois vi quem era o actor e "tão velho? mas o tipo é fantástico, por favor não me estraguem isto, deviam era ter ficado quietos, isto pode só pode dar asneira", e finalmente li a premissa e fiquei extremamente interessado.

Baseado em A Slight Trick of the Mind, de Mitch Cullin, o filme promete mostrar um Holmes envelhecido, já reformado, satisfeito a cuidar das suas abelhas, e a combater a velhice. O grande detective, em fim de vida, com problemas de memória? Se explorarem bem a angústia e a forma como o carácter frio e quase mecânico dele evoluiu durante os muitos anos que separam as suas histórias e a sua reforma, ainda por cima com Ian McKellen a fazer de Holmes... Vai ser um filme para me encher as medidas!

Por outro lado, esta era uma notícia de que eu já estava à espera. Era inevitável que a Marvel voltasse a ter alguns direitos sobre o Homem-Aranha, tendo em conta o sucesso dantesco dos seus filmes e a falta de sucesso dos filmes que a Sony fez com a personagem. Mas não deixa de ser interessante! Diria até que isto abre muitas possibilidades, e cada vez fico mais interessado na nova fase da Marvel, com as suas notícias de Black Panther, Ms. Marvel, Civil War, Ragnarok, Inhumans (que já estão a ser introduzidos na série Agents of S.H.I.E.L.D.!), Benedic Cumberbatch como Doctor Strange... Venham daí esses filmes!

Tirando filmes, estou a acompanhar várias séries, e uma em particular deixou-me muito viciado, muito rapidamente. Orphan Black. Clones atrás de clones, plot twist atrás de plot twist, momentos fantásticos atrás de momentos fantásticos... Uma autêntica montanha-russa que vale a pena acompanhar de perto. Podem ver o trailer da terceira temporada (estreia a 18 de Abril) ali em cima.

Para terminar, deixem-me só fazer um bocadinho de publicidade. É que uma das minhas colegas da Oficina de Escrita reuniu coragem para aprender a lidar com o Smashwords, publicou três contos e tornou-se oficialmente numa autora do Goodreads. É a Elsa Leal, também conhecida como Elsa "sou incapaz de escrever pouco" Leal. Leiam os contos que ela disponibiliza gratuitamente, que vale a pena!

Pelo caminho visitem também o Joel G. Gomes, também ele membro da Oficina, e também ele escritor de coisas muito interessantes, como podem ver aqui e também aqui. Além disso já o entrevistei. Acompanhem, leiam e comprem-lhe os livros, que vale a pena, também. Eu tenho ambos, assinados!

E para terminar em beleza, passem pelo meu perfil e gozem com a minha foto. Se ainda sobrar paciência, espreitem o meu conto na Antologia Fénix III. E mantenham-se atentos, que não há-de falar muito tempo para aparecer mais qualquer coisa!

Por hoje em tudo, espero que se sintam curiosos em relação a tudo o que vos mostrei. Daqui a uns tempos há mais.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Doctor Who [T7]


Doctor Who é a minha fraqueza. Aconteça o que acontecer, pára tudo para se ver um episódio acabadinho de sair. Dorme-se menos. Não faz mal. O vício é tanto que vale a pena tudo isso. Para saberem mais sobre o que sinto em relação a esta série, leiam isto e investiguem por aqui.

Volto a falar disto - quem me acompanha com regularidade já deve estar farto - para explicar o porquê de estar a ver uma temporada de 1970, com má qualidade de imagem e sem verdadeira relevância para acompanhar a série nos dias de hoje.

É que depois de papar todos os episódios do novo fôlego da série, começado em 2005, decidi que ia ver as temporadas antigas, de 1963 a 1989, mais o filme de 1996. Sim, fiquei mesmo apanhadinho pela série e pela personagem, especialmente tendo em conta que as primeiras seis temporadas estão repletas de episódios perdidos, num total de 97, que tive de ver na sua forma reconstruída. O que é uma seca do caraças.


As reconstruções são normalmente imagens, fotos que sobreviveram de uma forma ou de outra, com o som a acompanhar. Terrivelmente aborrecido, por mais que se goste daquilo. Mas lá ultrapassei e cheguei à sétima temporada, a partir da qual já não há mais reconstruções! E os episódios passam a ser a cores! Bem, alguns estão a preto a branco, mas foram problemas técnicos com as cópias sobreviventes, não há muito a fazer. Vê-se bem na mesma!

Agora antes de começar a falar da temporada propriamente dita, quero fazer rapidamente um apanhado do que se passou até agora. O Doctor é uma personagem fantástica, um Timelord vindo de Gallifrey, um planeta distante. É super inteligente, tem dois corações, uma máquina do tempo chamada Tardis, e a capacidade de regenerar todas as suas células, em vez de morrer. Entre outras coisas, como um apurado sentido de justiça e moralidade, uma curiosidade demasiado aguçada, e uma incapacidade em simplesmente deixar as coisas acontecer.

Sim, máquina do tempo. Sim, dois corações. E sim, capacidade de regenerar. É uma das suas marcas distintivas - assim como a máquina do tempo bigger on the inside e com formato de police box, bem azulinha - e uma das suas características mais importantes. Imaginem que em vez de morrerem, continuavam a mesma pessoa, mas mudavam completamente todas as vossas células, tornando-vos efectivamente numa pessoa diferente?

A primeira regeneração
É um conceito no mínimo delicado. É ou não uma pessoa diferente? Se virem várias encarnações do Doctor em acção, tanto podem responder que sim como que não. Eles claramente agem de formas diferentes, falam de formas diferentes, têm diferentes formas de encarar as coisas... Mas também têm muita coisa em comum, repetem ideias, frases, parecem pensar da mesma forma e deixam-se guiar pelos mesmos princípios, ainda que cada versão tenha a sua interpretação própria. Não é fácil.

O primeiro foi William Hartnell, um actor extraordinário que fez um papel para lá de extraordinário: não só lançou com sucesso o programa, como deixou fundações robustas que ainda não cederam após mais de cinquenta anos, e apesar de interregnos e cancelamentos. É sem dúvida um dos meus favoritos, e só tenho pena que tenha tido um final tão triste.

O seu sucessor foi Patrick Troughton, mais novo, mais energético, menos rezingão, enfim, uma autêntica injecção de adrenalina num programa que por vezes se encostava demasiado à diplomacia do First Doctor. Nunca descurou os momentos de acção, afinal é para isso que servem os companions que viajam com o Doctor, mas tive essa sensação, que desapareceu por completo nas temporadas de Troughton.

Este Doctor já não me convenceu tanto, mas ainda foi um bom papel, e confesso que o facto de praticamente todos os seus episódios serem reconstruções contribuiu um pouco para isso. Mas teve uma boa era, com mais acção e mais desenvolvimento da personagem e da mitologia, agora que as grilhetas de "se ficarmos sem este actor, a série acaba" já tinham desaparecido. Isto permitiu bastante liberdade a Troughton e proporcionou alguns dos melhores momentos que já vi na série. E o final foi bom, muito intenso e emotivo, e só por essa qualidade, perdoei-lhe alguns defeitos!

É assim que chegamos a Jon Pertwee, o chamado Third Doctor, com um carisma muito próprio. Ainda me faltam quatro temporadas dele, com menos episódios que as dos Doctors anteriores, portanto não posso dar uma opinião definitiva, mas pelo que vi, gosto bastante! Pertwee é muito mais assertivo e menos aleatório. É igualmente louco, como é óbvio, mas tem classe.


As suas histórias demonstram isso mesmo. Não só são apresentadas de perspectivas muito diferentes daquilo que era normal, como tinham a agravante da Tardis não funcionar, devido a interferências dos Timelords quando o obrigaram a regenerar da sua sua segunda para a sua terceira encarnação. Isto muito a dinâmica, pois não temos um planeta diferente em cada história, mas não muda assim tanto, já que era frequente a Tardis avariar no início da história e só voltar a funcionar no final. Ou ser capturada. Enfim, o Doctor passava a maior parte do tempo sem a Tardis de qualquer forma.

Mas bem, a primeira história é The Spearhead from Space, que me agradou bastante como primeira história do Third Doctor. Jon Pertwee cai no papel que é uma maravilha, e o primeiro episódio (na série antiga, cada história tinha vários episódios) está muito bem escrito. A nova companion, Liz Shaw, é fantástica: esperta, cientista, respondona, gozona... Um pequeno triunfo do feminismo, se querem que vos diga. E a sua química com o Doctor é completamente instantânea!

É então que aparecem os vilões, os Autons, formas de vida artificiais feitas de plástico e comandadas pela Nestene Consciousness, uma entidade alienígena. São honestamente perturbadores!


O meu único problema com esta história, que é uma fantástica introdução para um novo Doctor, é que na parte final, principalmente no quarto episódio, Liz passa de céptica total em extraterrestres e basicamente tudo o que o Doctor diz, a crente fervorosa. Percebe-se que isto tinha de acontecer, mas era algo que exigia alguma espécie de transição, o que não acontece e todo...

Na segunda história, Doctor Who and the Silurians, aparece pela primeira vez o famoso carro amarelo do Doctor, de nome Bessie, e dinossauros! O primeiro episódio é relativamente normal, para os padrões da série, e nem sequer introduz muito enredo. Mas no segundo episódio aparecem os Silurians, ainda que apenas os vislumbremos, e temos direito a momentos fantásticos de ver o que se passa pela perspectiva na primeira pessoa de um Silurian. Está muito bem feito e consegue até ser assustador!

Esta qualidade era frequente desde o primeiro, em 1963, e surpreendente por terem tanto tempo. Afinal, estamos a falar de uma série de ficção científica com uma premissa difícil de vender do zero hoje em dia, feita há mais de cinquenta anos! Sim, os efeitos têm claros problemas, mas está tudo muito bem feitinho, para a altura e para o baixo orçamento que tinham!


O Third Doctor rodeado por dois Silurians
O resto da história desenrola-se de forma relativamente previsível, com alguns momentos muito bem feitos e bastante Doctor-ish, e outros menos bem conseguidos, mas termina muito bem, com uma decisão difícil do Brigadier (uma das estrelas da da Era Pertwee, sem sombra de dúvida) que vai contra tudo aquilo em que o Doctor acredita.

Os efeitos dessa decisão sentem-se na história seguinte, The Ambassadors of Death, durante a qual o Doctor  é bastante rude para o Brigadier. Está verdadeiramente ressentido, e isto é um excelente exemplo de algo que acontecia pouco nas temporadas anteriores: uma verdadeira continuidade entre histórias.

Mas o Brigadier continua badass, a história tem mistério, suspense, um Doctor rude mas carismático e, no mímino, interessante. Por algum motivo, andam-se a enviar pessoas para Marte, em 1970, mas nem tudo corre bem, como seria de esperar, e o resultado é um excelente cliffhanger logo no primeiro episódio!


Brigadier Lethbridge-Stewart a ser badass
Ao longo dos episódios a história só consegue adensar-se, tudo piora, o Doctor fica em perigo de vida duas ou três vezes por episódio, e os vilões, que não são bem vilões, são aterrorizantes! O verdadeiro vilão, esse, é o mais eficiente de sempre. Faz tudo sozinho e tem sempre sucesso!

No último episódio há ainda um plot twist inesperado e muito interessante, mas tudo se resolve com diplomacia e o mínimo de prejuízo. Sem dúvida uma das minhas histórias favoritas, tudo bem feito, bem escrito e bem interpretado.

Falta então a última história, Inferno, que é extraordinária, mas tem vários pontos fracos que a prejudicam bastante. Para começar, o cenário de laboratório já é demasiado repetitivo, ainda que esta seja a única vez em que faz sentido (o Doctor quer usar a energia deste laboratório para pôr a Tardis a funcionar). Depois há mortes um bocado aleatórias e, espantem-se, lobisomens. Mais ou menos lobisomens, que nunca são inteiramente explicados. Ah!



Mas mais umas vez as personagens são boas, os actores estiveram bem e o argumento é muito bom. A curta viagem do Doctor por um universo paralelo, em que o Brigadier se torna em Brigade-Leader e faz parte do plantel dos vilões... Deve ser o episódio mais negro que já vi em Doctor Who, pelo menos na série antiga.

A ameaça é que é um bocado, digamos, difusa. Não mete realmente grande medo, porque não se percebe muito bem o que é, o que prejudica, obviamente, toda a história. Apesar disso, foi uma história fantástica, que usou muito bem os seus sete episódios, culminando num final muito interessante, muito tenso e muito dramático, para depois incluir um toquezinho de comédia

"A couple of seconds in the future, and a couple of yards away."
"The trash?"
"The trash."

É um final muito típico de Doctor Who, inserido numa série de episódios relativamente atípicos. Inferno fica assim a lutar com The Ambassadors of Death para decidir de quem gosto mais, sem sombra de dúvida.


Brigade-Leader, a versão malvada do Brigadier, em Inferno
Com tudo dito sobre cada episódio, só posso acrescentar que esta série tem um poder inexplicável. Parece que foi feita de propósito para mim, daí a minha adoração - e o texto longo. Esta temporada foi das que mais gostei de ver, e embora seja praticamente impossível destronar William Hartnell, acho que já gosto mais deste Doctor do que do Second de Troughton. É claro que ainda falta muito, e gostei do Troughton, especialmente em retrospectiva, mas este é um herói como gosto de ver, com classe, sem medo de pôr as mãos na massa, muito inteligente mas também muito perigoso em termos físicos (sabe karaté venusiano!!), envolve-se em mil e uma coisas movido apenas pela sua curiosidade, teimosia e vontade de ajudar.

Sem nunca amarrotar a roupa. E além de tudo isso, é claramente o Doctor, com traços que já vi em qualquer um dos outros que conheço bem: First (William Hartnell), Second (Patrick Troughton), War (John Hurt), Ninth (Christopher Eccleston), Tenth (David Tennant), Eleventh (Matt Smith) e Twelfth (Peter Capaldi). Por essas e por outras, esta sétima temporada foi durante umas semanas a minha forma de descansar, uma oportunidade de parar e ficar vidrado a seguir as desventuras do Doctor e companhia. Está bem feita, tem bons argumentos, os actores são cada vez melhores (o método de actuar no início da série era bastante diferente), bons efeitos tendo em conta o orçamento, e não tem medo de enfrentar os assuntos, nem a violência, nem nada. Sem dúvida nenhuma, algo que aconselho a qualquer pessoa, na condição de deixar de lado as picuinhices, que pode discutir depois, e simplesmente apreciar e deixar-se envolver.

Garanto que vale a pena!

sábado, 24 de janeiro de 2015

Estantes Emprestadas [13] - Amálgama de coisas


Sejam bem-vindos ao primeiro Estantes Emprestadas de 2015, já no seu novo formato! Comecei por convidar a Júlia, também conhecida por Jules, porque quem melhor para inaugurar isto do que a minha namorada? Já sabia que ela ia dar um tema difícil, mas interessante, e tinha razão. Até começou por lixar, que primeiro que eu conseguisse começar a escrever... Mas depois tornou-se em algo que me deixou mais satisfeito.

Para quem não se lembra, a ideia desta segunda versão das Estantes Emprestadas é ter bloggers a sugerirem-me um tema, sobre o qual eu escrevo um texto, a que esses bloggers depois têm de responder. É uma experiência de interactividade entre bloggers!

Sem mais demoras, avancemos! Obrigado Jules!

P.S.: Aqui fica a resposta dela e a minha "defesa".

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Conhecendo-te bem, e a mim também, sei bem que gostamos de muita coisa e todas muito diferentes umas das outras. Gostando de tanta coisa acabamos por precisar de vários meios para obter satisfação para todas. Mas e se fosse possível reunir tudo num só sítio? Como é que isso aconteceria? É possível de maneira real e – isto é importante – que faça sentido?

No teu caso, por exemplo, reunir DW, epopeias, dinossauros, livros, mitologia, integrais, crianças pequenas, desgosto por cães, como é que isto tudo poderia ser junto? Resultava? Sendo nós tão ecléticos? E quereríamos que isso acontecesse? Retiraríamos realmente o prazer que retiramos dos pequenos pedacinhos num todo?


Pergunta difícil. A resposta fácil, e mais simples, é que não sei. Não consigo imaginar muito bem algo que conseguisse realmente conter todas essas coisas (e outras tantas) num todo coerente e razoável. Quem me dera a mim! Mas não me parece viável.

Posso, no entanto, falar de alguns exemplos, alguns bem recentes, que considero interessantes e que se encaixam, de certa forma, na tua pergunta.

A começar por Doctor Who. Toda a gente sabe o quanto é que eu gosto desta série, mas poucos compreendem verdadeiramente o motivo: é uma espécie de resposta à tua pergunta. Nunca vi nada que juntasse tanta coisa numa só. Os encontros com a mitologia são frequentes, a ciência é constante, há crianças adoráveis, dinossauros, zombies, naves espaciais, aliens, magia, figuras históricas, enfim, de tudo!


E isto feito de forma coerente, consistente (a maior parte das vezes), com bons elencos e boas histórias. É um bom exemplo de como se pode pegar num conjunto infindável de temas, juntá-los, misturar bem, e ter como resultado algo excelente.

Tu de certo que compreendes, és tão fanática por Doctor Who como eu. Cada episódio é uma pequena obra-prima de diversidade temática, alguns mais bem executados do que outros, mas sempre fascinantes, de uma forma ou de outra. A capacidade que o programa tem de fazer isso e ao mesmo tempo manter-me suficientemente embrenhado para nunca duvidar nem questionar grande coisa, apenas apreciar, é qualquer coisa de especial.

Falemos agora de exemplos mais literários. Há o caso simples, e óbvio, de The League of Extraordinary Gentlemen, que me oferecido por alguém (fazes ideia?) numa edição para lá de lindíssima. A mente irrequieta e arcaica de Alan Moore consegue criar um livro fantástico que mistura várias mitologias e várias ficções (mais ou menos) actuais, numa história coerente e, pior ainda, interessante.


O meu fascínio por este livro já está bem documentado aqui no blog, portanto não me quero alongar demasiado, mas percebem? Tu certamente que percebes, Jules, ainda não o leste e já tens o mesmo fascínio. A sensação que tenho deste livro é parecida com a que tenho da série Sandman, de Neil Gaiman. A mistura entre realidade e ficção é parecida, embora assuma contornos bastante diferentes. E o sense of wonder é exactamente o mesmo nestas duas BD's e em Doctor Who. Algo que nos faz sonhar e acreditar.

Para dar um exemplo mais discreto, deixa-me falar de Flatland. Ainda estou para perceber como é que um livro tão pequeno e aparentemente tão simples consegue exercer um fascínio tão grande sobre mim, mas a verdade é essa.

Nesta curta história sobre um quadrado muito vitoriano que é arrancado do seu mundo bidimensional e levado a conhecer todas as múltiplas dimensões “acima” e “abaixo” da dele, não se misturam muitas coisas: apenas conceitos matemáticos, literatura e crítica/paródia à sociedade vitoriana. Mas o autor consegue fazê-lo de uma forma que me deixou completamente rendido logo na primeira leitura, quanto mais na segunda e na terceira. Não sei se é de ver rigor matemático e explicações geométricas no meio de uma narrativa, mas Flatland é e sempre será um dos meus livros favoritos de sempre.


Agora que falo nele, no entanto, lembro-me de um autor que tenho de mencionar: Jorge Luís Borges. Aquela mistura de ficção com matemática, a sua utilização de conceitos matemáticos para construir uma história, e de usar uma história para explicar conceitos matemáticos, é completamente fora de série. É o tipo de coisa que eu gostava de fazer um dia.

Tenho que falar dos vários contos que envolvem labirintos? Ou uma biblioteca infinita? Um disco que só tem um lado? Um livro de infinitas páginas? O próprio Aleph? Genial não chega para o descrever!

Como vês, existem já vários exemplos de coisas que podem fazer mais ou menos essa enorme mistura de temas. Mas sinto que falta responder à tua pergunta de uma outra perspectiva. O que é que poderia existir que realmente fizesse essa mistura, e com sucesso? Queremos que aconteça?


A resposta à segunda pergunta é: digo-te depois de ler/ver/ouvir. Quanto à primeira... Bem, conheço casos de coisas que tentam fazer misturas e falham redondamente, como Falling Skies, que tenta misturar distopia, invasão alienígena e História, mas apenas consegue ter um professor de História estranhamente competente em termos militares, que aproveita qualquer oportunidade para relembrar toda a gente à sua volta de que era professor de História. É irritante e inútil.

Se queres que te diga, para mim, a única forma de isso acontecer seria em BD. Não há limites de orçamento, o que é um bónus, e não era difícil misturar isso tudo, nem que fosse em pormenores tão palerma como ter uma personagem que, como quase acontece comigo, só tem camisolas nerd/geek. Só isso já dava para introduzir algumas coisas, de forma discreta. O resto era deixar a imaginação correr.

Eu sei que este exemplo parece um bocado palerma, mas tu percebes-me, eu sei que sim. O que é realmente relevante nisto é a imaginação, tão simples quanto isso. É possível? Não tenho a certeza. Seria porreiro? Também não tenho a certeza. Gostava que acontecesse? Claro que sim, mais que não fosse para responder às duas perguntas anteriores, que só gosto de falar de incerteza quando a seguir digo “de Heisenberg” e antes disse “princípio da”.

Como tal, atiro-te novamente a pergunta, o que é que tu achas? E vocês, que estão a perguntar-se o que raio aconteceu à minha memória a longo prazo, para todos os exemplos serem de coisas com as quais lidei no último mês, o que têm a dizer?