A oitava temporada da série é a segunda com Jon
Pertwee no papel de Doctor, já completamente entregue à personagem.
A naturalidade com que a encarna é extraordinária, e não
envergonha a crueza da representação de William Hartnell, nem a
versatilidade da representação de Patrick Troughton.
Ao mesmo tempo, esta temporada é importante para
a série por várias razões: introduz o Master, introduz Jo Grant
como nova companion, revela
muito sobre o Doctor e volta a pô-lo a bordo da Tardis, e tem
algumas das histórias mais espectaculares da série, largamente
vistas como excelentes pelos fãs: logo a primeira, Terror
of the Autons, e a última em
particular, The Daemons.
Eu achei que todas as
histórias estiveram bastante acima da média, o que não é fácil
nesta série. Acho que a redução de número de histórias por
temporada, na transição de Troughton para Pertwee, foi uma boa
jogada, que permitiu ter temporadas mais equilibradas e menos
cansativas.
A primeira
história, como já disse, é Terror of the Autons,
que reintroduz os icónicos Autons, vilões que regressariam para
atormentar o Ninth Doctor de Christopher Eccleston, no primeiro
episódio da nova série. E logo ao início, o primeiro defeito, que
muito me chateou: a companion
da sétima temporada, Liz Shaw, por muito instável que fosse
enquanto personagem, simplesmente desapareceu de cena, para ser
substituída por Jo Grant, e ainda por cima com uma desculpa
ligeiramente idiota (ainda que ligeiramente legítima).
É uma pena que
uma personagem tenha sido assim tratada, mas Doctor Who
tem um longo historial de tratar mal alguns actores, por um motivo ou
por outro. O outro problema aqui foi que a nova companion
era muito fraquita. Uma personagem irritante, vagamente interessante,
mas que ficava em apuras praticamente uma vez por episódio, sem
acrescentar absolutamente nada à acção, nem ao enredo.
Ao mesmo tempo, esta é
a primeira história em que o Master aparece, interpretado pelo
incrível Roger Delgado, e não tem direito a uma introdução
decente. Gostava de ter visto algo mais calmo, que desse tempo para
nos habituarmos à personagem, antes de estar a confrontar o Doctor.
É que Delgado tem uma representação muito intensa, e o Master tem
realmente um ar pérfido e carismático, mas parece que foi enfiado à
pressão na história.
Os episódios, no
entanto, desenrolam-se bem. Estão bem feitos e têm um bom
argumento, o que também não era tão fácil quanto isso, nos
primórdios da série. Gostei particularmente de ver Pertwee e
Delgado a interagir, ambos excelentes actores com excelentes
personagens, e a demonstrarem um fantástico funcionamento conjunto.
Nos momentos finais, o
Doctor troca uma peça da Tardis do Master pelo equivalente da sua
própria Tardis, que está avariada, e lança assim o primeiro arco
narrativo a sério do programa. De tal forma que o Master volta a
aparecer em todas as histórias desta temporada!
Mas antes disso,
vamos à segunda história, The Mind of Evil,
que tem uma boa premissa: uma prisão usa uma máquina que extrai o
Mal dos criminosos, com o intuito de os reabilitar. Os resultados não
são muito bons, já que a única coisa que conseguem é que algumas
pessoas morram, literalmente, de medo. O que também é uma boa ideia
e uma boa utilização do conceito desta história.
E é aqui que se
descobre algo muito interessante sobre o Doctor, que quando
confrontado com a máquina que confronta as pessoas com os seus
piores medos, vê fogo. Não sei de nenhuma razão em particular para
isto, e tenho esperanças que o assunto ainda seja abordado, mas é
interessante! O Doctor, que já viu, viveu, e enfrentou tanta coisa,
tem medo de fogo. Pode até ter sido uma escolha pouco pensada e
semi-aleatória da produção, mas funciona perfeitamente que o homem
que tantas adversidades já venceu, muitas vezes apenas com o seu
intelecto, fique aterrorizado com uma força imprevisível e
irracional como o fogo.
No meio desta história, que também está muito
bem conseguida, o mais interessante acabam por ser os encontros entre
o Master e o Doctor. Outra vez. A relação dos dois é realmente
muito estranha, entre o companheirismo de irmãos e a rivalidade de
inimigos mortais. Um bocado inversa à relação que o Doctor tem com
o Brigadier, que é uma das mais estranhas que já vi em ficção.
Na história seguinte, The Claws of Axos,
aparecem uns aliens perturbadores, o Doctor revela a sua pouca
paciência para aturar soldados, e a Jo torna-se mais interessante ao
revelar a sua pouca paciência para aturar machismos. E
o Master, sempre incrível, até colabora com o Doctor, sem que
nenhum dos dois revele as suas verdadeiras intenções ao fim!
Muito bom mas, na
minha opinião, é uma história que fica na sombra de A
Colony in Space, que é bem
melhor. Cá temos o Doctor novamente a viajar na sua Tardis, ainda
que seja como pau mandado dos Time Lords. E cá temos uma história
bem construída, bem explorada e bem conseguida. Todos os actores
envolvidos fizeram uma excelente trabalho a demonstrar a luta
inglória de uma colónia terrestre contra uma agressiva empresa de
extracção de minério.
Não há cá acordos,
nem nada que se pareça. Até tentam, mas redundam sempre na mesma
coisa: porrada, traições e esquemas para mostrar quem é que manda.
E como se isto não bastasse, existe ainda uma raça alien com uma
história muito mais interessante do que parecia à primeira vista, e
com um papel surpreendente no desenrolar da acção.
O final, esse, é
impressionante a todos os níveis, e para todas as partes envolvidas.
Gostei bastante destes episódios!
Ainda assim, foi
a história final que me arrebatou completamente. The
Daemons, considerada há décadas
como uma das melhores histórias que Doctor Who
já viu. Não discordo. Tem o melhor Roger Delgado até ao momento, e
um argumento tão bem escrito que envergonha o resto da temporada. A
luta aqui é mais ideológica do que outra coisa: ciência contra
magia. De um lado o Doctor, céptico até às últimas, do outro
quase toda a gente, levados por superstições e supostas
manifestações sobrenaturais.
A parte
interessante é ver o Master a conduzir rituais místicos. A minha
primeira reacção foi “mas que raio”, a segunda foi “oh, wow,
então é isso”, e quando os demónios, perdão, os daemons
começaram a aparecer, a minha reacção foi “é melhor que me
expliquem isto!, mas não agora, que quero ver o que vai acontecer”.
Não estou a brincar. Finalmente uma história sem falhas, que nos
conduz de um episódio para o outro sem perder o interesse e que tem
uma explicação muito clarkiana.
Aliás, o episódio final está recheado de momentos incríveis, e
termina com o Doctor, sempre sábio, a dizer que “There's
magic in the world after all!”,
num óptimo contexto.
Tudo junto, isto
faz desta temporada a melhor até agora, ainda que não com o melhor
Doctor (William Hartnell continua imbatível, se querem que vos
diga). Importante é ver onde é que isto vai dar, e como é que vai
ser a próxima temporada, que também tem vários episódios famosos.
Por agora estou mais do que satisfeito!
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