Já tinha ouvido falar muito (bem) do filme com origem neste livro, e tinha um outro livro do autor na estante dos livros a ler. A oportunidade que surgiu para comprar este livro era demasiado boa para não ser aproveitada, ainda que tenha uma capa horrível (não é tão má quanto isso, mas não acho piada a capas baseados nos filmes) e a qualidade não seja a melhor (mesmo assim é surpreendentemente boa).
A verdade é que no toca a ler, a qualidade, embora seja importante, passa para segundo plano. E quando me embrenhei neste livro, acho que até o podia estar a ler de um monte de folhas de jornal mal coladas umas às outras.
A história é, no mínimo, intensa. Tal como o livro no seu todo. E acho que vai ser difícil encontrar uma personagem que consiga superar Anton Chigurh em termos de intensidade.
É claro que tudo isto se deve à escrita de McCarthy, que, confesso, custa a habituar. O homem tem qualquer coisa contra travessões e vírgulas e frases mais curtas e uma sintaxe mais variada e menos repetições e uma construção frásica mais complexa e que se baseie menos em usar "e" atrás de "e". Mas a repetição constante dos "e", os diálogos que aparecem de repente, e a estrutura por vezes repetitiva até que dão uma certa fluidez à escrita. Falo por mim, que deslizei pelas páginas com uma facilidade tremenda.
O enredo não é complexo, como em 80% dos grandes livros. Um negócio de droga que corre mal, um caçador, Llewlyn Moss, com muita sorte económica, mas muito azar quanto às pessoas que chateia, já que acaba por ter um cartel de droga, a polícia, e um autêntico psicopata implacável, assustadoramente frio e eficaz, com uma mente prodigiosa e uma filosofia de vida extremamente simples, de tão brutal. Estou a falar de Anton Chigurh, claro.
Chigurh é uma personagem que não abre muitas vezes a boca, mas que quando o faz debita autênticos pedaços de uma sabedoria implacável, dotada de uma lógica fria e completamente desligada da realidade, da humanidade. Nunca vi uma personagem tão completamente vazia de humanidade, mas ao mesmo tempo com uma visão tão certeira (e dura) da humanidade. Absolutamente genial.
Os diálogos, todos eles, são autênticas obras-primas. Não emanam aquele sentimento a falso, a arranjado, a perfeitinho, que emanam muitos dos diálogos de outras obras. Os diálogos são assim, na vida real. Incompletos, por vezes sem sentido, com pausas, hesitações, repetições, pouco elaborados... São assim, directos e simples. Quer dizer, alguns dos diálogos no livro não são assim tão directos, e poucos são assim tão simples, mas são provavelmente a melhor aproximação de diálogos reais que já encontrei.
Só algumas partes é que se tornaram algo confusas, quer devido aos saltos narrativos, quer devido às características da escrita do autor. A ausência de travessões fez-se sentir, e de que maneira... Acabei por me habituar, mas há algumas passagens verdadeiramente complicadas de perceber, por causa disso. Mas nada que não seja insuperável.
Um livro genial, ou talvez seja um autor genial, ou talvez ambos. Só sei que adorei o livro, e que este entra directamente para o meu top 10 deste ano, sem a mínima hesitação.
8 comentários:
Após um comentário destes, só posso dizer que vou ler! Adorei o "A Estrada" do mesmo autor e já olhei várias vezes para as restantes obras do autor, mas sempre com receio de não encontrar a genialidade do "A estrada".
Eos reultados do concurso???!!!!!!!!!!
Marcelina, ainda não li "A Estrada", mas é precisamente esse que tenho ali na estante, à espera de ser lido, e que, como é óbvio, saltou uma data de lugares para a frente =D Ou seja, não posso garantir que encontres a mesma genialidade, mas acho que pelo menos algum deves encontrar ^^
Caro anónimo, os resultados do concurso serão revelados quando os 3 membros do júri tiverem tempo, entre os estudos, para tratar disso como deve ser.
Viva, Rui.
Vinha cá à procura dos resultados do concurso e encontrei este post. Eu vi apenas o filme, já há uns largos meses, e também fiquei com uma ideia de que a história era muito intensa. Lembro-me da cena final, em que se expunha como motivo do enredo a necessidade de desenvolvimento e exploração de uma temática que, se bem percebi, era a expressão consciente algo surrealista de algumas ideias do subconsciente que não têm nenhuma explicação óbvia. Ou seja, parece-me que a narração é utilizada como ensaio análogo a um tema reçacionado com perturbação a que não se consegue responder. Isto diz-lhe alguma coisa em relação ao livro?
Bem, essa é uma questão algo complexa. Assim de rompante, ao ler a pergunta, passam duas coisas pela mente: Anton Chigurh, e as partes iniciais de cada capítulo, escritas pelo xerife. Não consigo precisar exactamente porque razão penso nisso, mas talvez a personalidade de Chigurh seja um bocado assim, movido por razões que nem ele próprio consegue (ou quer/precisa) de compreender. As coisas simplesmente são, e simplesmente têm que ser feitas.
Lembro-me, assim de repente, de Chigurh a lançar uma moeda ao ar para decidir se mata ou não outra personagem. E só depois de lançar a moeda é que tenta arranjar uma explicação para o facto de a ter lançado, e de ter saído aquilo que saiu.
Quanto às partes do xerife, todo o seu discurso é um bocado "deambulatório"... Mas bem, não estou a associar nada de jeito.
Espero ter conseguido responder minimamente a pergunta, e prometo que vou tratar de reler algumas partes, para elaborar mais. Fiquei intrigado, confesso.
Cormac é fabuloso. Li a Estrada há uns aninhos e é um livro que ainda está presente como se o tivesse lido ontem. Confesso que comprei o "Este País não é para Velhos" mas sinto que ainda não é o momento para lhe pegar. Sei que me espera uma leitura muito boa pela frente, disso não tenho dúvidas.
É realmente muito bom :)
Acabei de o ler e não posso concordar mais contigo. É um livro muito bom e a escrita do Cormac chega a ser desconcertante, mas nada a que não nos habituemos. Será que os outros também são assim?
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