Acabado o quarto canto, está na altura de falar mais um bocadinho sobre esta grande obra. Para o fazer, vou aproveitar alguns dos assuntos referidos nos comentários ao post anterior.
A começar pela linguagem e pela escrita em si. Como seria de esperar, sendo esta uma obra escrita há cerca de 450 anos, e embora o português não seja assim tão incompreensível e diferente do actual quanto isso, é normal que apareçam algumas dificuldades.
Para ajudar, Camões, como qualquer escritor e poeta, toma algumas (muitas) liberdades ortográficas e sintácticas de forma a beneficiar o texto, mais especificamente, neste caso, a rima.
E isto sem mencionar as figuras de estilo especialistas em trocar as voltas aos leitores. A perífrase, por exemplo, que origina "a superfície plana e coberta de alcatifa que os nossos pés pisam", em vez de "chão alcatifado", ou seja, utilizar expressões maiores para designar expressões mais pequenas. Ou a anástrofe o hipérbato e o anacoluto, 3 figuras de estilo que no fundo fazem a mesma coisa, mas com um grau crescente de seriedade. Digamos que a anástrofe é a "alteração simples da ordem das palavras", que não afecta o sentido da frase; o hipérbato é a "alteração radical da ordem das palavras", separando expressões e orações, e que pode dificultar o entendimento da frase; e que o anacoluto... bem, ao anacoluto também se costuma chamar "frase quebrada", é uma "alteração brusca", em termos de escrita dá uma ideia de espontaneidade, de mudança do rumo de pensamentos.
Todos os escritores clássicos eram fãs acérrimos destas figuras de estilo, de um tipo de construção mais clássica, mais trabalhada do que aquela a que estamos habituados hoje em dia. Camões não era excepção, e usava e abusava destas figuras de estilo (e de montes de outras!) com uma capacidade invejável.
E a mitologia... Oh!, a mitologia! É só deuses e ninfas e heróis e monstros e mais deuses, todos eles greco-romanos e das redondezas... É uma delícia!
Só que, como é óbvio, tudo isto pode dificultar um pouco a leitura. Eu, por sorte, sempre gostei de mitologia, o que significa que nesse campo não estou muito mal. Mesmo que não associe de imediato os nomes, já os ouvi e/ou li quase todos e tenho alguns conhecimentos (graças à minha curiosidade insaciável) desse assunto. Também por sorte, a minha edição espectacular tem, no fim, umas espectaculares notas que me ajudam com algumas passagens, seja a clarificar a escrita, seja a relembrar pedaços da história de Portugal (e do mundo em geral), seja a explicar quem é quem no mundo dos deuses Antigos. No entanto, mesmo com toda essa ajuda, tenho que reler algumas partes 2 e 3 vezes, mas nada que me apoquente demasiado a leitura, que continua muito agradável.
(Para terminar, um pormenor absolutamente irrelevante: esta edição é de Setembro, mês em que nasci, de 1984, ano que dá o título a um dos meus livros favoritos.)
6 comentários:
Contribuindo para o pormenor irrelevante, o livro é 1 ou 2 meses mais velho que eu! :P
Uma das coisas que mais adorei foi a mitologia. E pensar que hoje falo, todos os dias, no Adamastor e nestes feitos! :P
Até fico com vontade de reler, mas infelizmente a minha mãe parece que emprestou o livro dela, que usou e rabiscou enquanto andava a estudar... :(
A sério? :O Que nice :p
A mitologia, a mitologia... Se tal coisa existir, podem-me chamar um nerd da mitologia =D
É pena :x também tenho aí a edição rabiscada que o meu pai usou, e que pelos vistos é igual à edição de toda a gente que estudou os Lusíadas na escola xD graças à minha mãe, tenho esta linda linda (aa)
Pára de pôr mais inveja ao pessoal(a mim). xD
Tem que ser (aa)
Estás a fazer esta leitura sincronizada com o meu estudo dos Lusíadas em sala de aula. No outro dia lembrei-me desta aventura tua e partilhei com uma colega minha. Porque após a análise de cada estrofe, passo a entender todo o seu significado. Mas numa primeira ou segunda leitura, é complicado...
Tiago
Não vou mentir e dizer que percebo todos os significados mais (ou menos) escondidos de cada estrofe, é óbvio que não... Mas também não percebo todos os significados de cada parágrafo de um romance em prosa.
Não me entendas mal, não digo que leio sem perceber, mas o estudo que estás a fazer (e que eu irei fazer também, em breve) é algo muito mais profundo, que analisa muito mais intensamente cada pequeno detalhe... Enquanto que eu estou a ler por prazer, sem me preocupar grandemente em descortinar todos os pormenores.
Estou a ler como leria um outro livro (se bem que com mais atenção e dificuldade, pois não deixa de ser um obstáculo), e leio duas ou três vezes para ficar a perceber a história e o que se vai passando, tentando sempre perceber e contextualizar todas as referências (confesso que tenho dificuldade sempre que toca em história de portugal, já me desliguei dessa disciplina há uns anos...), mas sem procurar os significados ocultos muito exaustivamente.
É claro que apanho alguns, que me parecem mais óbvios. E subconscientemente. É aquela sensação de acabar de ler uma parte, pensar um bocadinho e "então era isso que aquilo queria dizer..."!
Espero não estar a transmitir uma imagem muito má da minha leitura, que não está a ser desleixada u.u bem, é complicado de explicar, quer dizer, de pôr por palavras, porque dentro da minha cabeça está a fazer muito sentido :p
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