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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Mensagem, ou a longa e chateada opinião sobre um livro que, coitado, não tem culpa nenhuma


Autor: Fernando Pessoa


Opinião: Aconteceu um milagre! A sério! Para quem me conhece isto vai ser chocante, eu sei, mas espero que aguentem. Para quem não me conhece, eu explico, em termos simples e simplistas: eu odeio tudo o que o Pessoa (e derivados) escreveu. Mas desta vez, nesta releitura em específico apercebi-me de algo diferente, finalmente caí em mim e dei conta que... Estava a brincar. Odiei na mesma.

Qual é o problema disto? É que há uma lei algures num tomo obscuro num canto obscuro duma biblioteca obscura, que proíbe um português de não gostar de Pessoa. Oh, não me venham com tretas, eu sei do que falo. Entre as pessoas com quem me dou, assim de repente, só conheço uma que leia tanto como eu, e de forma ainda mais diversificada. E é difícil apanharem-me em falso numa conversa sobre livros e literatura, que eu tenho sempre muito a dizer.

Ou seja, sou um tipo informado e que percebe do assunto, quer a minha professora de História do nono ano queira ou não (velhas quezílias). E no entanto sabem o que é que acontece se eu disser que não gosto de Pessoa?

"Ainda vais a tempo!", "Não sabes o que é Literatura.", "É porque não percebes, só pode.", "Olha aqui esta parte, isto não é lindo? Como é que podes não gostar?", "Quando cresceres vais perceber.".

E a lista continua. Eu raramente respondo de forma (muito) agressiva, mas sabem o que é que me passa pela cabeça?


Sim, sem tirar nem pôr. Pelo simples facto de que, por muito arrogante que eu seja, ninguém pode negar que eu percebo de Literatura, mesmo que assumam que todo o conhecimento que eu tenho do assunto passou para a minha cabeça por osmose, de tanto queimar as pestanas. Ainda por cima quando eu sou o primeiro a realçar, e a admirar, o génio de Fernando Pessoa. O homem era, de facto, brilhante, e tinha uma mente como se fazem poucas. E não é preciso ser muito esperto para perceber que o homem tinha talento - desafio-vos a tentarem escreverem textos como se fossem três pessoas diferentes, mas ao ponto de que uma pessoa que leia consiga distinguir claramente uma personalidade distinta para cada uma dessas personagens, que têm os seus estilos e peculiaridades muito próprias.

Pessoa fez disso às dezenas. É impossível consegui-lo sem se ser um génio, um esquizofrénico ou, e esta é a minha versão favorita, um bocadinho dos dois.

Portanto eu, como toda a gente com dois dedos de testa, sou da opinião de que o homem era um génio e que merece de facto ser mencionado como uma das maiores personalidades portuguesas de sempre. Apenas não gosto das coisas que ele escreveu.

Desculpem, mas eu sou um tipo chateado que anda particularmente chateado. Este longo preâmbulo serve para mostrar que quando eu digo que a Mensagem é uma leitura de casa de banho, não o estou a dizer só porque sim. Digo-o de forma provocativa, mas sei bem o que estou a dizer. A releitura não me convenceu.

Eu até consigo encontrar pedaços que aprecio. Enquanto citações. A sério, o livro está cheio de marcadores autocolantes de um laranja brilhante a apontarem para sítios à espera de serem transcritos. Mas como um todo, sabem o que isto é? Uma resposta melancólica a Os Lusíadas, e pouco mais.

"Sim, Luís, tens razão, nós já fomos os maiores. E sim, Luís, tens toda a razão, agora somos uns nhonhas. Mas sabes que mais? Ainda vamos ser os maiores outra vez, olha aqui o potencial, olha, olha aqui, oh para este povo cheio de potencial, até já nos deixámos de confiar em reuniões departamentais dos deuses, e criámos os nossos próprios mitos! Somos DIVINOS, olha para nós, estamos tristes por já não sermos o que fomos, mas potencial! NÓS SUAMOS POTENCIAL PELOS NOSSOS POROS, LUÍS!!"

Enfim. O livro está escrito com a mesma simplicidade técnica da poesia do ortónimo. Não, não é a simplicidade de quem recusa a máquina da complexidade estilística e quer quebrar barreiras; é a simplicidade de quem estava tão perfeitamente convencido da sua genialidade que sabia que podia não ter demasiado trabalho.

O tipo era óptimo a encadear palavras para que as frases soassem bonitas, mas era péssimo a encadear frases para que as ideias soassem a alguma coisa palpável. É por isso que a sua prosa era entediante, no mínimo, e é por isso que se dava melhor com a poesia, o formato literário em que a forma se sobrepõe ao conteúdo.

A lengalenga que nos vendem na escola é que isto é a melhor coisa de sempre. Só que não. E quem contraria é crucificado ("booo, boooo, estás a exagerar"... pois estou). Infelizmente este autor, e a grandiosidade da sua excelsa obra, já estão instalados e fazem parte da mobília. E é pena. Porque há muito bom autor, entre romances, contos, teatros e poesia (se eu tivesse paciência para procurar estes últimos), que merecia ser estudado. E em vez disso, paletes de Fernando Pessoa a serem-nos enfiadas pelas sinapses adentro! Nem digo para o eliminarem do programa, mas caramba, variem um bocado a coisa e...


Fiquemos por aqui.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Balanço Épico


Foi uma batalha épica. Uma longa temporada, de quase 3 meses, que deu origem a 15 posts (já a contar com este) e a algumas dores de cabeça, que isto não foi nada fácil. Estas epopeias não se lêem como os livros a que estamos mais habituados, embora estejam inseridos no género narrativo, e muito menos como se se estivesse a ler poesia, embora as semelhanças a nível da forma sejam imensas. São leituras para serem feitas com imensa calma, com imensa paciência e com um dicionário por perto, de preferência.

Agora que já assustei todos os interessados em ler estes livros, deixem-me passar às coisas boas. Sabem aquela sensação de verem um daqueles filmes, ainda a preto e branco, que ficaram na história na cinema? Aqueles filmes que praticamente definiram géneros cinematográficos inteiros, ou que criaram técnicas ainda hoje utilizadas? Pois. Ao ler estes 4 livros, que representam apenas uma pequena (ainda que importante) parte daquilo que este género tem para oferecer, senti-me como se estivesse a ler autênticos pedaços da história da literatura, que é, afinal de contas, o que eles são.

São livros verdadeiramente épicos, dignos de se chamarem epopeias. Confesso que me rendi ao género, o que torna as minhas opiniões, e este próprio balanço, algo bastante parcial, logo à partida, mas vou tentar não ser demasiado efusivo, e deixar os gritinhos histéricos para as adolescentes que rezam todos os dias para que a Meyer publique um novo livro. Embora, caros leitores e caras leitores, não se escapem a um texto mais longo que o habitual. Considerem-se avisados.

Ora bem, começando pelo princípio: Os Lusíadas. Quando o comecei a ler não estava assim muito inclinado para gostar, devido às minhas experiências anteriores (viva as leituras obrigatórias no 9º ano!), mas depois de algumas estrofes dentro da coisa fiquei, à falta de outra expressão melhor, doidinho de todo. Sim, está lá o nacionalismo exacerbado, os ideais algo retrógrados e ultrapassados, a fé completamente irracional, mas também lá anda o descontentamento com a situação do país além dos traços de uma fortíssima ideologia humanista. E, como eu não me canso dizer, é preciso dar algum crédito ao Camões. 8816 versos sempre com o mesmo esquema rimático, sempre com a mesma métrica, e ainda por cima conseguindo manter a coerência da história...

Depois veio o ponto mais baixo da temporada: Beowulf. De autor desconhecido, o mais pequeno dos 4 foi lido em inglês e não correu muito bem. Eu, que tanto gosto de me gabar do meu bom inglês, fiquei completamente às aranhas com aproximadamente metade do que era dito. Às tantas habituei-me e lá entrei um bocadinho melhor no esquema, mas foi uma leitura praticamente perdida. Não consegui absorver a musicalidade e a cadência como deve ser e tive vários problemas de vocabulário. Fica no entanto a garantia de voltar a pegar nele, daqui a uns tempos.

De seguida foi a vez de partir para a epopeia mais excêntrica da minha lista: Fausto. Com a sua estrutura hiper-mista de narrativa/poesia e teatro, é um épico ligeiramente diferente dos outros, muito mais liberal em termos de forma, integrando até pedaços em narrativa. Enfim, foi uma leitura curiosa, que demorou mais tempo do que aquilo que eu tinha previsto, mas que valeu a pena e de que maneira! Tem um tom algo surreal, especialmente à medida que a leitura se aproxima do fim, e deve contar para alguma coisa o facto de ter sido o livro que praticamente criou toda a mística em torno dos pactos com o Diabo.

Por fim, o avozinho das epopeias modernas: Divina Comédia. Nunca vi uma obra cujo nome do género em que está inserida se adequasse tão bem. Epopeia. Fica no ouvido e fica na cabeça. Passei metade da temporada com este livro, graças principalmente à escola, mas também às notas desta edição. Já aqui falei e re-falei montes de vezes deste assunto, mas não posso fazer este balanço sem referir o quão ridículas são estas notas. Basta dizer que metade do livro é a Divina Comédia, e que a outra metade são as suas notas. No entanto, nada que tirasse a grandiosidade a este livro, que pura e simplesmente adorei, apesar da sua mensagem ir contra as minhas próprias ideias.

No geral acho que o balanço é mais do que positivo. Li grandes obras-primas da literatura, delirei por completo, aborreci-me de morte, desejei nunca ter feito esta temporada, desejei ter mais epopeias à mão... O que é que se pode dizer, foi toda uma (Vasco da) gama (que piada parva) de emoções, que espero ter oportunidade de repetir, seja epopeias seja outro tema. Foi algo de que gostei muito, escrever mais do que um post acerca do mesmo livro, para dar uma visão mais detalhada da minha leitura. Espero que tenham gostado de me acompanhar tanto como eu gostei de ler estes épicos.

P.S.: Aceitam-se sugestões para a próxima temporada!

terça-feira, 19 de abril de 2011

Divina Comédia: Opinião

Título: Divina Comédia
Autor: Dante Alighieri
Tradutor: Professor Marques Braga


Opinião: Parece que afinal as minhas previsões até acertaram. Depois de no post do Inferno dizer que ainda devia demorar um mês a acabar de ler o livro, demorei exactamente um mês a acabá-lo (acabei ontem...)!

Agora vou despachar já o ponto negativo mais negativo numa obra tão grandiosa como esta. Eu até já falei disto, em 2 dos 3 posts anteriores: as notas. Não me lembro de ler um livro com notas de tradução tão estupidificantemente exaustivas. Houve um excelente trabalho a nível de tradução do texto, mas a nível das notas... Enfim, a certa altura desisti de ler as notas.

De volta à parte boa do épico, a divisão em 3 partes tem lógica e está perfeitamente bem definida, com o ambiente a mudar radicalmente de parte para parte. Os 100 curtos cantos estão praticamente distribuídos de igual forma pelas 3 partes, tirando o facto (curioso) da primeira parte, o Inferno (a minha favorita!), ter 34 cantos, contra os 33 das outras duas. Eu sei que 100 não se divide por 3 como deve ser, e que haveria um canto extra que teria que caber em algum lado, mas acho interessante que tenha caído na parte em que caiu, a que está repleta de pecadores e avisos...

Como já devem ter percebido, não sou nada imparcial no que toca às 3 partes deste épico. Tenho uma clara preferência pelo Inferno, renegando para último lugar o Paraíso, com o Purgatório ali metido no meio, numa posição meio acinzentada. Pode-se dizer que, se calhar, tem a ver com as minhas preferências pessoais, já que toda e qualquer religião me incomoda um bocado. Ou seja, quando Dante sai do Inferno e se começa a aproximar da redenção e da graça divina, a mensagem da obra começa entrar por um olho e a sair pelo outro.

Mas também tem a ver com o próprio teor de cada parte. O Inferno está repleto de sangue e de vísceras, de castigos excruciantemente imaginativos e horripilantes e tem um ambiente carregadíssimo, super denso, praticamente palpável. O próprio Inferno parece contribuir para os castigos aplicados com a sua atmosfera negra e macabra. É também a parte mais focada na imagem mais geral, com descrições do Inferno, das almas que lá habitam, dos demónios que vigiam e castigam as almas, dos castigos aplicados a tipo de pecador...

É que depois, ao chegar ao Purgatório, a obra começa a evoluir para uma espécie de propaganda religiosa, muito mais focada nas almas e nos seus castigos e consequente redenção do que no sítio em si, pouco ou nada descrito, especialmente se se comparar com o Inferno. É um sítio mais "luminoso", repleto de adoração a Deus e de arrependimento pelos males feitos. Agradou-me menos porque a partir daqui as personagens que vão aparecendo parecem cada vez mais interessadas em passar uma mensagem de redenção, o que até faz sentido, tendo em conta que estão no Purgatório, mas que, no fundo, não me agrada.

E tudo piora quando Dante chega ao Paraíso e encontra almas cada vez mais luminosas e bem-aventuradas, cada uma com uma mensagem cada vez mais repleta de esperança e de louvores a Deus, o que, mais uma vez, faz todo o sentido, mas que não me agrada. A história a que me prendi, no início, foi-se esmorecendo, dando lugar a mensagens cada vez mais explícitas sobre quão espectacular é o Cristianismo, e como se deve adorar a Deus, etc.

Ou seja, achei o Inferno muito mais interessante, porque tinha um certo fio condutor, que me agradou e que me permitiu manter-me muito mais interessado no que nas outras duas partes. Mas atenção que gostei de todas! Apenas gostei muito mais da primeira...

O problema que tenho neste momento, é que ainda podia dizer muita coisa, mas não me quero alongar assim tanto. Vou tentar focar só o essencial do que falta, como a luta entra a Razão, representada por Virgílio, e a Fé, representada por Beatriz. Sendo uma luta quase tão antiga como a própria existência dos seus intervenientes, a forma como Dante aqui a simboliza é muito particular. A começar pelas personagens escolhidas: Virgílio, o poeta preferido de Dante, que habita no Limbo, por ser anterior ao Cristianismo e, por isso, não ser baptizado. Segundo os ideais cristãos, os antigos não tinham propriamente fé, e eles próprios, acreditando em vários deuses, davam uma grande importância à razão. Do outro lado há Beatriz, uma alma pura, que supostamente morreu jovem, sendo por isso uma espécie de mártir, como convinha ao símbolo da Fé.

É interessante ver como Virgílio, a Razão, só consegue acompanhar Dante até ao cimo do Purgatório, onde, para entrar no Paraíso, tem que ser guiado por Beatriz, a Fé. É demasiado óbvio que o poeta está a dizer que para entrar no Paraíso é preciso ter Fé, e que a razão nos leva ao Inferno, podendo até mesmo fazer-nos chegar ao Purgatório, se nos arrependermos, mas que é incapaz de nos fazer ascender ao Paraíso...

Tenho ainda que dizer uma coisa em que reparei. O oportunismo das almas. Aquelas que estão no Inferno pedem a Dante para falar delas no mundo dos vivos, para que rezem por elas e as suas penas sejam atenuadas. No Purgatório pedem-lhe a mesma coisa. No Paraíso não há uma única referência de qualquer alma ao mundo dos vivos. Serei o único a reparar que as almas no Inferno e no Purgatório pediam atenção dos vivos em proveito próprio, para conseguirem atingir o céu, mas que uma vez que lá chegam, as almas deixam de se importar com os familiares e amigos que têm vivos? Curioso...

Confesso que já tenho saudades de ler prosa convencional, e sei que esta opinião se estendeu mais do que é normal, mas uma obra desta magnitude merece isso mesmo. Ficam aqui as minhas impressões sobre este belo épico, que não aconselho a toda a gente. É uma leitura difícil, especialmente o Paraíso, com as suas metáforas e alegorias completamente descontextualizadas... É, no entanto, e sem sombra da dúvida, uma epopeia (moderna), uma história verdadeiramente épica, com tudo o que essa designação implica.

domingo, 17 de abril de 2011

Divina Comédia: Paraíso

A meio da última parte deste épico, ou seja, a caminho do canto XVI do Paraíso, começo a ter saudades do Inferno. Eu sei que parece loucura, mas a verdade é que tantas páginas cheias de orações e preces e louvores a Deus, com tanta luz e bem-aventurança, não me andam a cair muito bem. Gostei muito mais de ler as partes com tripas e sangue e penas dolorosamente horripilantes.

Não que não esteja a gostar de ler esta parte, porque até estou... Apenas não estou a gostar tanto quanto isso. O Paraíso tem vários pontos a favor: versos cada vez mais grandiosos e eloquentes, personagens históricas fabulosas e monólogos/diálogos discutivelmente fabulosos. Só que por outro lado, tem muitos contras: torna-se repetitivo (a certa altura parece que só leio "E Deus é grandioso" ou "E Deus é poderoso" ou "E Deus é benevolente", enfim, a cada meia dúzia de versos louva-se a Deus), a tal eloquência e grandiosidade começa a tornar-se excessiva, de tanta felicidade e excitação... É como se houvesse emoção a mais, ficando a história meio perdida.

Além de que, por motivos pessoais, não me agrada por aí além a mensagem da obra. Todo este enaltecimento do Cristianismo toca-me na tecla errada. Enfim, eu depois na opinião final falo mais da comparação entre as 3 partes, e o porquê de ter gostado mais do Inferno. Por enquanto, só falta acabar de ler isto. Já não deve faltar muito, acho que o mais tardar amanhã acabo. Pode ser que entretanto mude de opinião. Duvido, mas logo se vê.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Divina Comédia: Purgatório

Da última vez que falei da "Divina Comédia", disse que provavelmente iria demorar mais um mês a ler o livro todo. Pois bem, cá estamos, praticamente 1 mês depois, e ainda não acabei o Purgatório. Estou mesmo quase, faltam-me 5 cantos, ainda quero acabar hoje e começar a minha viagem pelo Paraíso, mas pronto, ainda não está.

Esta demora prende-se com várias coisas, a começar pelo carácter difícil da obra, e a acabar com a monstruosa falta de tempo livre, causada pela escola. Só agora que entrei de férias é que me consegui dedicar como deve ser à leitura calma e extremamente atenta que este épico merece, pois só assim consigo capturar minimamente a essência de todas as alegorias (embora haja muito que me escapa por completo, até depois de alguma pesquisa, são coisas que exigem um trabalho muito mais aprofundado do que aquele que eu consigo fazer) e apreciar verdadeiramente todos os pormenores desta obra.

Uma coisa que eu já tinha reparado ao ler o Inferno, e que se volta a repetir no Purgatório, é que todas as almas, salvo raras excepções, têm apenas um desejo em comum: que a sua memória se perpetue no mundo dos vivos. São várias as almas que se dirigem a Dante e que, ao despedirem-se, lhe pedem que fale delas, quando voltar a caminhar entre os vivos. Ou então dizem que só partilham a sua história com Dante se ele falar delas, no mundo dos vivos. Só mesmo os pecadores mais gravosos não o querem, por terem vergonha dos seus pecados.

Chegados ao Purgatório, vira o disco e toca o mesmo, mas desta vez com uma pequena nuance: as almas penitentes pedem a Dante para rezar por elas e para pedir às respectivas famílias que rezem por elas, além de lhe pedirem para avisar as famílias que se encontram no Purgatório, a redimirem-se dos seus pecados, e não no Inferno, onde provavelmente mereciam estar, não fosse o seu arrependimento.

Algo de que ainda não falei, embora talvez seja demasiado óbvio, é da religiosidade da obra. O Inferno é apresentado como um lugar absolutamente tenebroso, e fica bem claro o nível de macabro das penas a que cada tipo de pecador é condenado. O Purgatório, por sua vez, já é mais amigável, e mais focado nas almas que por lá andam, não dando tantas indicações do ambiente que as rodeia como acontecia no Inferno, onde o próprio sítio era descrito como insuportável e aterrador. E, como é óbvio, desde o princípio do livro que todo este caminho se faz com um objectivo em mente: Beatriz. A mensagem entra pelos olhos dentro, só se alcança a paz e a graça de Deus, depois de se sofrer no Inferno e de se penar no Purgatório. Traduzindo, não há paz eterna de graça, só com muito sofrimento e sacrifício se atinge o bem supremo. Enfim, coisas daquela tempo, imagino que uma obra deste género tenha dado jeito a muitos padres e bispos e afins.

Como única nota negativa, tenho que me chatear com as notas do tradutor. Já começam a ser absolutamente execráveis, estou a este (neste momento estou com o polegar e o indicador direito bastante próximos, quase a tocarem-se) bocadinho de simplesmente desistir das notas, até a leitura era mais rápida. Já são mais as vezes em que as notas me dizem quem está a dizer determinada fala, ou a quem se refere determinado pronome, do que as vezes em que me dão um contexto histórico, ou algo que seja apenas útil. É irritante e ligeiramente estupidificante ler algo deste género: "E Virgílio disse: Eu..." e depois uma fala qualquer, com uma  notazinha no eu, a indicar que é Virgílio que está a falar. Por amor ao Pateta, quem fez estas notas deve pensar que quem lê isto não sabe interpretar coisas básicas ao nível de uma criança de 3 anos...

Mas pronto, no geral estou a adorar, uma excelente obra e uma excelente experiência!

sexta-feira, 18 de março de 2011

Divina Comédia: Inferno


Foram 34 cantos da mais dolorosa agonia. A dos condenados, claro, que eu não sofri nadinha, antes pelo contrário!

A viagem pelos 9 círculos do Inferno, com Virgílio (o autor da Eneida) como guia, é um verdadeiro desfilar de atrocidades e das mais imaginativas condenações, sempre estranhamente apropriadas ao tipo de pecador.

Uma vez que esta parte corresponde a aproximadamente um terço do livro, já me acho no direito de fazer algumas considerações. Para começar, o trabalho do tradutor, o Professor Marques Braga, é excelente. O facto de a língua original ser o italiano também facilita a coisa, uma vez que o português é suficientemente parecido, mas conseguir fazê-lo sem perder o tom épico é algo de extraordinário.

O maior defeito que encontrei foram mesmo as notas. Nunca vi umas notas ao texto tão exaustivas. Tornam-se chatas e ligeiramente ridículas. Por exemplo, a certa altura, quando se se d'"O Poeta", lá vem uma nota a explicar que "O Poeta" é Virgílio. Ou seja, não só explicam pormenores históricos, e de contexto, como explicam (demasiadas) coisas a nível de interpretação, o que para algumas pessoas menos habituadas a ler é capaz de ser porreiro, mas acho que pessoas assim não se põem a ler a "Divina Comédia", não é?

Mas bem, tirando esse pequeno pormenor (mas que me fez arrastar a leitura mais do que era suposto), até agora posso dizer que estou a gostar bastante desta leitura, que me vai servir para finalizar esta Temporada Épica. Prevejo que a leitura ainda dure mais um mês, se calhar... Isto tem que ser ler com muita calma, e eu cá não tenho pressa, embora já ande com saudades de ler uma prosazita convencional...

terça-feira, 8 de março de 2011

Fausto: Opinião

Título: Fausto
Autor: Johann Wolfgang von Goethe
Tradutor: Agostinho d'Ornellas


Opinião: Fausto é, sem dúvida, um livro grandioso. Apesar dos percalços que me "atrapalharam" a leitura da segunda parte desta obra, consegui reconhecer a substância sublime que a compõe.

E caso tivesse dúvidas, aquilo que li na primeira parte foi prova mais do que suficiente de que tinha nas mãos uma das grandes obras da literatura mundial, um verdadeiro épico, ainda que, dos 4 que escolhi para esta temporada, seja aquele que mais foge aos cânones deste género épico.

Não apresenta qualquer tipo de regularidade, intercalando versos soltos (e não é culpa da tradução, que nas notas vem referenciado que era isso que o autor utilizava) com passagens rimadas, versos longos com versos curtos, introduzindo até alguma prosa. As estrofes, todas sendo, sem excepção - que me lembre - falas das personagens, variam entre 1 e várias dezenas de versos.

Além disso tem um tom alegórico muito mais marcado, muito mais visível. Enquanto que n'Os Lusíadas se retratam acontecimentos históricos, mais ou menos romanceados e em Beowulf aparecem várias representações metafóricas, este Fausto é muito mais rico em autênticas fábulas inseridas dentro da narrativa, dominando-a por completo. Como tal, pareceu-me ter uma linha de acção muito mais confusa e repartida em momentos do que os livros anteriores.

O que mais adorei foram mesmo as personagens, nomeadamente as principais, cada uma com as suas particularidades e funções específicas: Fausto, o cientista desiludido, que na sua eterna busca pelo conhecimento descurou aspectos que percebe serem importantes, como o amor e o apaziguamento da sua própria alma; Mefistófeles, sempre educado e lisonjeiro, que oferece a Fausto aquilo que lhe falta, em troca da sua alma; e até Helena, de certa forma, a representação da beleza inatingível, por quem Fausto se apaixona.

O ponto forte são os monólogos, cada um mais fascinante que o outro, embora nada consiga ultrapassar o inicial, de Fausto, em que ele dá conta daquilo que sabe e de como tem noção do quanto não sabe, como sente a falta de coisas que o conhecimento por si só não lhe consegue dar, no fundo, como eu já disse várias vezes, um cientista desiludido, com incursões por todo o lado, da Medicina à Teologia, da Alquimia à Magia e tudo o mais!

É curioso de ver que foi esta história de Fausto, que não nasceu com Goethe, mas que com ele teve um forte impulso, que deu origem a todas as histórias de pactos com o Diabo, todas elas ligeiramente desvirtuadas daquilo que este pacto original é, uma troca vista como justa, com um Mefistófeles nada traiçoeiro nem enganador e um final deveras... surpreendente.

Resumindo, um bom livro, que acredito só não ter achado melhor devido à falta de tempo que me interrompeu e estendeu a leitura por mais tempo do que aquilo que ela merecia.

domingo, 6 de março de 2011

Fausto: Desconexo


Pode-se dizer que este livro escolheu uma má altura para ser lido, tantas são as coisas que tenho para fazer, entre trabalhos e estudar para testes. Não tenho tido muito tempo para ler e nem sequer me apetece ler à noite (pecado!), o que tem feito arrastar-se a leitura por mais tempo do que seria normal, se eu tivesse com tempo e disposição.

Como tal, talvez seja fruto desse problema que não estou a achar tanta piada à segunda parte deste livro. A primeira, como referi no outro post, é absolutamente grandiosa, mas esta... Enfim, parece-me que se perde um bocado em divagações sem sentidos, praticamente desligadas umas das outras, sem terem propriamente um fio condutor que me permita seguir a história e deixar-me agarrado.

Não me interpretem mal, continua com o seu quê de grandioso, com os devidos parabéns ao excelente trabalho do tradutor, Agostinho d'Ornellas, mas pronto as situações como que bailam à frente dos meus olhos, com personagens novas constantemente a entrar e a sair. Acredito que sejam o pano de fundo das mais variadas e brilhantes alegorias, e talvez seja eu que não esteja a conseguir captar tudo, em virtude da situação, mas o que é que eu posso fazer, os livros acabam por ser vítimas da altura em que são lidos.

Com isto dito, estou a gostar, embora talvez não tanto como gostei da primeira parte do livro, as primeiras 220 páginas, mais coisa menos coisa. Já quase que me arrasto por algumas passagens, que me soam demasiado elaboradas e demasiado artificiais, e já praticamente não retenho nenhuma imagem na memória, da forma como reti o monólogo de um Fausto ambicioso e desiludido com tudo o que sabe.

Como nota positiva, a mitologia, que aparece em força nesta parte, embora por vezes seja usada de forma exagerada e extenuante, acabando por me cansar de tanto ser mitológico a ser usado para dizer 2 ou 3 falas e depois desaparecer de vista.

Mas bem, já só me faltam umas cento e pouco páginas, pode ser que lhe recupere o gosto entretanto.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Fausto: Grandioso

Os Lusíadas, para mim, são estruturalmente grandiosos. 8816 versos, todos com a mesma acentuação e sempre com o mesmo esquema rimático para as 1102 estrofes não é para toda a gente.

Mas Fausto supera isso. Não falo da estrutura nem da grandiosidade rimática e afins, pois não tenho meios de a avaliar como deve ser, já que a obra está originalmente escrita em alemão. Ainda por cima sendo o alemão tão diferente do português, adivinho as mudanças e sacrifícios de estrutura e construção frásica que o tradutor teve que fazer para garantir a grandiosidade do texto.

A verdade é que dos 4 livros que me propus a ler para esta Temporada Épica, Fausto era provavelmente aquele que me deixava mais curioso (seguido de imediato pela Divina Comédia). E acertei em cheio. Fausto, de Goethe, não só é grandioso como é sublime. Diálogos riquíssimos, um monólogo inicial que prende de imediato, uma história que parece tão banal (no sentido de já tanto se ter ouvido este tipo de história) mas que transforma este mito do homem que vende a alma ao diabo em algo de complexo, com geniais alegorias (já mencionei os diálogos, não já?).

Confesso, sou suspeito. Estou a adorar de tal forma esta leitura, que se torna complicado escrever o que quer que seja sem cair no facciosismo. Mas reservo-me esse direito. Nunca vos aconteceu gostarem tanto dum livro, que os únicos adjectivos que se lembram para o descrever são "grandioso" e "sublime"? Gostarem de tal forma que têm os detalhes vivamente gravados na mente, de forma dispersa, sem os conseguirem agarrar por lado nenhum?

É assim que estou com este livro. Fascina-me a ideia do cientista desiludido que faz um pacto com Mefistófeles (o que eu gosto deste nome para o Diabo), trocando a sua alma pela oportunidade de parar de envelhecer e de ter o Diabo como seu criado pessoal... E claro, fascinam-me todos os dilemas que daqui aparecem, os confrontos entre a ciência e o oculto, o Bem e o Mal, as regalias em vida e as desgraças depois da morte, o amor e o amor... Sim, o amor e o amor, que este luta sozinho contra si mesmo, batalhas por vezes bem mais ferozes que as de Fausto com os seus princípios.

Ou seja, estou a adorar e chegou a altura de parar de escrever, se não nunca mais paro.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Beowulf: Opinião

Título: Beowulf
Tradutor: Michael Alexander


Opinião: Eu não estava preparado para ler este livro em inglês. Embora tenha um inglês razoável, não é suficientemente bom para compreender na totalidade este épico. Especialmente se se tiver em conta que grande parte do "gozo" de ler este livro é pela musicalidade, que eu não consigo apanhar tão bem quanto isso.

É claro que percebi a história, também não tenho o inglês tão mau quanto isso, mas não consegui propriamente os pequenos detalhes, quer das descrições quer dos diálogos, embora, verdade seja dita, o facto de já ter visto o filme (que está ligeiramente diferente...) me ajudou a perceber algumas coisas. Além de que a extensa introdução, escrita pelo tradutor, é muito informativa e permite saber muita coisa essencial antes de se começar a ler.

Tirando estes problemas, gostei de ler, foi agradável, exceptuando algumas partes em que a leitura se tornou particularmente difícil e extenuante devido a não estar habituado a algo desta envergadura em inglês.

Ou seja, não posso afirmar que seja um grande livro, embora tenha a certeza absoluta que é bom. Aconselho apenas que o leiam só se tiverem algum background a nível de inglês, pelo menos mais do que aquele que eu tenho.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Beowulf: Compreensão

Com mais umas largas páginas lidas, já posso debitar mais qualquer coisa sobre este pequeno grande e trabalho livro.

Já cheguei à conclusão que me está a dar mais trabalho a ler que Os Lusíadas, pois além de ter que ir ver as notas do tradutor, ainda tenho que, por vezes, ir procurar o significado de algumas palavras em inglês, ou ter de ler várias vezes a mesma frase para conseguir sequer perceber o que está lá escrito.

Depois, como já foi referido nos comentários, este longo poema épico não faz uso da rima, mas antes de "versos aliterativos", em que o mesmo som se repete várias vezes no mesmo verso, o que lhe dá uma musicalidade muito distinta.

Ah, e não sei se cheguei a dizer isto quanto a'Os Lusíadas, mas isto tem que ser ler. Tem mesmo que se ouvir, para que se possam apanhar os sons, que são uma parte fundamental da obra. Ler simplesmente para dentro não funciona com este tipo de livros, e em especial com este Beowulf, com os seus versos aliterativos.

Mas também, diga-se de passagem, mesmo que não se queira, o texto quase que pede para ser lido. Eu bem que começo a ler silenciosamente, mas o texto começa a entranhar-se completamente e tenho que fazer um grande, grande esforço para não começar a ler alto e bom som.

E isto porquê? Porque o texto é realmente grandioso, como um épico tem que ser. E este em particular quase que cheira a épico, tem aquele toque medieval, aquela sociedade brutal e sangrenta, muito guerreira, onde impera a honra acima de tudo... Ainda por cima passa-se algures na Escandinávia, lá para o Norte, o que ainda junta aquele elemento Viking que pronto, é um ingrediente perfeito para tudo o que sejam feitos épicos.

A nível da estrutura, já se começa a notar uma certa organização em termos de ideias, ou seja, da estrutura interna. Um monstro destrói o salão, o herói mata o monstro, vem outro monstro vingar o primeiro, e o herói depois mata-o... Além de ser literalmente "braço por braço, cabeça por cabeça".

Enfim, bastante entusiasmante, ainda que ligeiramente complicado de ler. A ver se ainda o acabo neste fim-de-semana.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Beowulf: Problemas

Sim, o filme é baseado num livro, e sim, esse livro é um poema épico. Foi estranho, quando me apercebi disso mesmo, não conseguia perceber como é que algo tão grandioso como o filme podia ter sido inspirado num poema. A resposta é: poema ÉPICO.

E já se notam as diferença entre poema épico e epopeia clássica. Pelo menos entre este poema épico e a única epopeia clássica que li. Logo para começar, organização, não tem nenhuma, que eu consiga ver. Depois, raramente há rima, como a havia em todos os versos d'Os Lusíadas, se bem que há uma maior profusão de rimas interiores (será que é assim que se chamam), em que a última palavra do verso rima com uma palavra a meio do verso seguinte.

Também não começa in media res, já com a história muito avançada, antes pelo contrário, começa pelo fundar de uma dinastia.

Quanto a esta última parte não tenho muito a dizer, são modos diferentes de começar, mas também são livros diferentes dentro do mesmo subgénero. Já quanto às minhas primeiras queixas, tenho três coisas a dizer acerca deste livro: estou a lê-lo em inglês; esse inglês é uma tradução do old english em que o original está escrito; esse original foi escrito ao longo dos anos, partindo de uma história transmitida de forma oral.

O eu estar a lê-lo em inglês levanta problemas óbvios. É que apesar de eu, modéstia à parte, ter um inglês bastante razoável, mesmo a nível de oralidade, é muito mais complicado para mim conseguir apanhar a musicalidade dos versos, uma vez que não estou mesmo nada habituado a ler coisas deste género em inglês. Depois, parte dessa musicalidade já se perdeu, com a tradução do old english para o inglês actual (bem como, muito provavelmente, as rimas e possivelmente a organização). Por fim, esta história tem uma tradição oral muito forte, o que significa que mesmo estando escrita, está escrita para ser lida e ouvida.

Estão a ver o problema. Uma história feita para ser lida ou ouvida, que já perdeu parte da musicalidade por ser uma tradução, e que está numa língua na qual eu não consigo captar muito bem a sua musicalidade. Pois.

Mas tirando isso, estou a gostar. Como pontos positivos, aponto as notas do tradutor, muito explicativas; e ainda as 40 longas e abençoadas páginas da introdução, escritas pelo tradutor, em que este fala da obra, de como foi traduzi-la, dos problemas que teve e dá "dicas" para melhor aproveitarmos a obra, seja fazer uma pequena contextualização história, seja clarificar alguns assuntos menos claros.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Os Lusíadas


Título: Os Lusíadas
Autor: Luís de Camões


Opinião: Não vou ser pretensioso ao ponto de facto de dizer que fiz uma leitura muito profunda e cuidada, e que percebi cada um dos 8816 versos. Passou-me muita coisa ao lado, especialmente no que toca a História de Portugal, que pronto, não está propriamente em dia... Mas consegui acompanhar a história e mantive-me deliciadamente a par com a mitologia.

Antes do conteúdo, deixem-me falar primeiro da forma. 10 cantos, 1102 oitavas (num total de 8816 versos), todas com o mesmo esquema rimático (ABABABCC), o começo in media res (a meio da história, literalmente), o tom "grandíloquo e sublime", como vem escrito nos livros... Enfim, uma perfeita epopeia clássica, que ainda por cima eleva este género a um novo patamar, ao relatar não a história de um herói, mas um de povo, o povo Lusitano.

Goste-se ou não do livro, das suas características (justificadamente) nacionalistas, ou do autor, uma coisa se tem que admitir, Os Lusíadas é uma obra-prima. Tanto a nível nacional como a nível mundial! É mesmo preciso, para além de uma infinita paciência (e de saber nadar, no caso de Camões), ser um génio da literatura.

Já falei muito acerca deste livro nos outros dois posts, por isso já não tenho grande coisa para dizer. Talvez deva referir os malabarismos linguísticos a que Camões se dava, coisa que já não me agradou por aí além. É precisamente isso uma das coisas que mais critico na poesia, o retorcer da linguagem para servir a rima e a musicalidade e a métrica. Trocar a ordem das palavras é uma coisa, agora alterar palavras só para dar jeito, ou obrigar a acentuação a trocar de sílaba por causa da métrica... Enfim.

Quanto à mitologia, da qual esta obra está carregadíssima, essa parte já me agradou mais. Foi mesmo o que mais gostei, todo o imaginário dos antigos deuses greco-romanos, as várias histórias mencionadas, tudo mais do que fantástico, um prazer que já tenho desde muito novo.

Ah, é verdade, aposto que anda por aí alguém a perguntar-se porque é que ainda não falei dos vários episódios deste texto, como o Concílio dos Deuses, a Morte de Inês de Castro, o Velho do Restelo, o Adamastor, a Ilha dos Amores, etc. A verdade é que fiquei bastante desapontado. O Concílio dos Deuses (os dois, que há um no início e depois há um dos deuses marinhos, lá mais para o meio) e o Adamastor ainda se safam, gostei de ler, mas os outros ficaram aquém. A Morte de Inês de Castro soube a pouco, o Velho do Restelo não me  pareceu nada de especial, e a Ilha dos Amores parecia mais uma fantasia do próprio Camões, se bem que ainda foi um dos que ficou mais razoáveis.

E estando-me já a alongar demasiado, digo que gostei, muito, e que ficará na lista dos livros a reler, sem sombra de dúvida.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Os Lusíadas: Mais detalhes

Acabado o quarto canto, está na altura de falar mais um bocadinho sobre esta grande obra. Para o fazer, vou aproveitar alguns dos assuntos referidos nos comentários ao post anterior.

A começar pela linguagem e pela escrita em si. Como seria de esperar, sendo esta uma obra escrita há cerca de 450 anos, e embora o português não seja assim tão incompreensível e diferente do actual quanto isso, é normal que apareçam algumas dificuldades.

Para ajudar, Camões, como qualquer escritor e poeta, toma algumas (muitas) liberdades ortográficas e sintácticas de forma a beneficiar o texto, mais especificamente, neste caso, a rima.

E isto sem mencionar as figuras de estilo especialistas em trocar as voltas aos leitores. A perífrase, por exemplo, que origina "a superfície plana e coberta de alcatifa que os nossos pés pisam", em vez de "chão alcatifado", ou seja, utilizar expressões maiores para designar expressões mais pequenas. Ou a anástrofe o hipérbato e o anacoluto, 3 figuras de estilo que no fundo fazem a mesma coisa, mas com um grau crescente de seriedade. Digamos que a anástrofe é a "alteração simples da ordem das palavras", que não afecta o sentido da frase; o hipérbato é a "alteração radical da ordem das palavras", separando expressões e orações, e que pode dificultar o entendimento da frase; e que o anacoluto... bem, ao anacoluto também se costuma chamar "frase quebrada", é uma "alteração brusca", em termos de escrita dá uma ideia de espontaneidade, de mudança do rumo de pensamentos.

Todos os escritores clássicos eram fãs acérrimos destas figuras de estilo, de um tipo de construção mais clássica, mais trabalhada do que aquela a que estamos habituados hoje em dia. Camões não era excepção, e usava e abusava destas figuras de estilo (e de montes de outras!) com uma capacidade invejável.

E a mitologia... Oh!, a mitologia! É só deuses e ninfas e heróis e monstros e mais deuses, todos eles greco-romanos e das redondezas... É uma delícia!

Só que, como é óbvio, tudo isto pode dificultar um pouco a leitura. Eu, por sorte, sempre gostei de mitologia, o que significa que nesse campo não estou muito mal. Mesmo que não associe de imediato os nomes, já os ouvi e/ou li quase todos e tenho alguns conhecimentos (graças à minha curiosidade insaciável) desse assunto. Também por sorte, a minha edição espectacular tem, no fim, umas espectaculares notas que me ajudam com algumas passagens, seja a clarificar a escrita, seja a relembrar pedaços da história de Portugal (e do mundo em geral), seja a explicar quem é quem no mundo dos deuses Antigos. No entanto, mesmo com toda essa ajuda, tenho que reler algumas partes 2 e 3 vezes, mas nada que me apoquente demasiado a leitura, que continua muito agradável.

(Para terminar, um pormenor absolutamente irrelevante: esta edição é de Setembro, mês em que nasci, de 1984, ano que dá o título a um dos meus livros favoritos.)

domingo, 30 de janeiro de 2011

Os Lusíadas: Primeiras considerações


Devo começar por dizer que a edição que estou a ler é mesmo ao meu gosto: grande, capa dura, cheia de dourados.

As ilustrações de Lima de Freitas, maravilhosamente bem inseridas, retratam vários momentos da história, ajudando a visualizar vários episódios, que já são, muitas vezes, bem visuais.

A juntar a isso, tenho ainda que referir os 3 textos iniciais: o prefácio de Hernâni Cidade, muito elucidativo e interessante, e que de certa forma serve de preparação para a leitura do texto; o Alvará Régio, da edição de 1572, ainda com grafia antiga, escrito/mandado escrever por D. Sebastião (se não estou em erro, e se era assim que as coisas se processavam), em que este permite a publicação d'Os Lusíadas durante os próximos 10 anos e onde louva a qualidade do texto e dos seus "dez cantos perfeitos"; e ainda o Parecer do Censor do Santo Ofício, da mesma edição, com a mesma grafia, escrito pelo Frei Bertholameu Ferreira, que achei delicioso, especialmente quando diz que não vê nada de escandaloso, mas que acha necessário avisar os leitores que o autor usa a "fição dos Deoses dos Gentios", mas apenas com fins poéticos, não sendo por isso inconveniente "esta fabula dos Deoses", "Ficando sempre salva a verdade de nossa sancta fe, que todos os Deoses dos Gentios sam Demonios.".

Pormenores à parte, já li os 2 primeiros cantos, e vou a meio do terceiro. A habilidade que o autor tinha a manipular a língua portuguesa é de mestre. Acho fascinante a ideia de tanta estrofe sempre com o mesmo esquema rimático, o mesmo número de sílabas métricas, e que consegue contar uma história.

É claro que se há algo que me fascina ainda mais, é a mitologia. Todos os deuses greco-romanos e todas as suas intervenções são, fora de brincadeiras, divinais. Mas isso sou eu, que tenho um fraquinho por mitologia.

Agora um assunto mais sério. A Alice, aqui do blog, farta-se de dizer que este livro é a obra mais nacionalista que alguma vez viu, e que não gosta dele por isso mesmo. Em jeito de resposta, tenho a dizer que, primeiro, até podia ser um manifesto fascista subliminar, pouco me interessa. Eu sei que sempre foi moda misturar intervenção política/religiosa com a literatura e a arte em geral, mas por vezes é bom distinguir as coisas. Tenha o livro o contexto político que tiver, é uma obra bem escrita, fascinante, que só poderia ter saído da mente de um génio como o era Camões.

Segundo, voltando a misturar as coisas, temos que analisar essa parte da obra dentro do seu contexto... Foi publicada em 1572, na ressaca dos descobrimentos, o povo português era realmente o maior povo do mundo! Sim, essa parte pode ser discutível, mas acho que compreendem a ideia. Portugal era um Império que estendia pelos 4 cantos do mundo, era um país rico que tinha acabado de descobrir metade do planeta. Acho que é normal que as obras dessa época enalteçam o povo português, a soberania Lusitana... Ela existia!

Mas pronto, vou acabar a conversa dizendo que estou a gostar, e muito.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Temporada Épica

Finalmente tenho hipótese de fazer uma temporada temática! Vou juntar o útil ao agradável e tudo...

Então é assim, eu a Português vou dar "Os Lusíadas", mas a minha professora disse logo que não precisávamos de os ler todos, líamos depois os excertos que viessem no livro da disciplina. É claro que eu não achei tanta piada a isso, e decidi que ia ler o livro na íntegra.

Depois comecei a pensar que era capaz de ser boa ideia fazer uma temporada temática a partir daí. Epopeias. Comecei de imediato a planear as leituras: começava pela "Ilíada", depois a "Odisseia", a "Eneida", a "Divina Comédia" e acabava com "Os Lusíadas", ficando assim melhor preparado para estudar este assunto.

Mas como é óbvio, nem tudo correu bem. A "Ilíada", a "Odisseia" e a "Eneida" que encontrei aqui em casa, eram adaptações em prosa, o que não me agradou. Se é para ler epopeias, é para as ler em verso! Depois ainda veio um outro problema: "o que é que é considerado uma epopeia?". Segundo a minha professora, só havia 4. As duas gregas, de Homero, a romana, de Virgílio, e a nossa, de Camões, as chamadas clássicas, que cumpriam à risca aquilo que Aristóteles definiu. Mais tarde, chegámos à conclusão que há mais epopeias, poemas épicos e coisas parecidas, tudo dentro do mesmo género.

Ora, como eu nisso não sou propriamente picuinhas, procurei o que tinha aí por casa, e cheguei à seguinte lista:

Os Lusíadas, de Luís de Camões, indubitavelmente uma epopeia; Beowulf, redigido ao longo dos anos, de forma anónima, é considerado como um poema épico; Fausto, de Goethe, que embora seja um teatro, é considerado como pertencendo ao estilo épico; A Divina Comédia, de Dante Alighieri, uma epopeia mais moderna.

Parece pouco, mas já é muito... Tirando o "Beowulf", que é pequenito, é com cada calhamaço... O que é óptimo, claro! Espero é ainda conseguir encontrar mais epopeias, em bibliotecas, ou na net, pelo menos as duas gregas e a romana...

Mas bem, cá fica, espero que sejam todas leituras interessante, e espero também ter tempo para vir cá publicar uns textos sobre a epopeia e afins. Preparados para uma temporada épica?