sábado, 29 de setembro de 2012

Os Filhos do Flagelo

Título: Os Filhos do Flagelo
Autor: Filipe Faria

Sinopse: Allaryia, o mundo distante e fantástico, povoado de seres extraordinários, que ficámos a conhecer em A Manopla de Karasthan, abre-se de novo diante dos nossos olhos com a publicação do segundo volume das suas crónicas - Os Filhos do Flagelo. A demanda de Aewyre e dos seus companheiros prossegue, na tentativa de chegar a Asmodeon e levantar o véu de mistério de envolve o desaparecimento de Aezrel Thoryn, mas muitas são as adversidades que têm de enfrentar a caminho do seu destino. Separados, os companheiros mais que nunca dependem uns dos outros para sobreviverem às provações que se lhes depararão: Quenestil e Babaki, que partiram em busca de Slayra e dos seus captores, e o resto do grupo, que segue para as inóspitas estepes de Karatai em perseguição de Kror, o enigmático drahreg que partilha com o jovem Thoryn a Essência da Lâmina, um segredo milenar dos guerreiros de Allaryia. A saída de Ancalach, a Espada dos Reis, do reino de Ul-Thoryn, fez despertar de um longo torpor os Filhos da Sombra, começando a libertar a sua pérfida influência maligna. Insidiosamente, a coberto das sombras, nos obscuros espaços das trevas, o Mal vai estendendo os seus múltiplos e mortíferos tentáculos, antecipando o abraço letal, e tornando, a cada momento, mais visíveis os contornos tenebrosos das suas reais intenções. Há um perigo oculto do qual as gentes de Allaryia ainda não se aperceberam e Pearnon, o escriba, pressente-o sem o poder transmitir. A determinação e a força de armas de Aewyre e seus companheiros serão certamente postas à prova nos tempos vindouros...

Opinião: Apesar de ser o segundo livro da saga, foi exactamente com este livro que tudo começou. Ofereceram-mo, pareceu-me interessante, e esteve arrumado na estante durante meses e meses, até eu encontrar o primeiro volume.

Na altura adorei. O meu fascínio pelo autor, Filipe Faria, foi avassalador. Ao reler as opiniões das primeiras leituras, lembro-me perfeitamente de como adorei as semelhanças da história com o guião de um jogo de tabuleiro, especialmente no primeiro livro. Era só aventuras atrás de aventuras, doses de cachaporrada atrás de doses de cachaporrada... O que é que eu podia pedir mais?

A verdade é que agora não me fascina por aí além. Este segundo volume já me parece mais maduro, com uma escrita mais consistente, uns diálogos mais realistas... Enfim, é sem sombra de dúvida um livro melhor, muito melhor. Mesmo esquecendo a minha parcialidade relativamente a esta saga, posso afirmar sem problemas de consciência que este livro está acima de mediano, é quase quase um bom livro.

É que lá está, a saga não me está a parecer assim tão espectacular, nesta segunda leitura. É interessante e as personagens continuam óptimas, ainda que algumas tenham algumas decisões e acções um tanto ou quanto... estranhas, mas não é nenhum portento da literatura. De todo.

Ainda por cima, e por mais que goste da saga, este livro em particular nunca me caiu bem. Não posso de forma nenhuma revelar quaisquer pormenores, mas deixem-me dizer que acontece algo a uma certa personagem que é absolutamente imperdoável. Esse momento neste livro é um fardo que a saga carrega nos próximos 5 e que eu nunca consegui perdoar ao autor.

Quer dizer, é algo que até é recorrente em grandes sagas de fantasia, de tal forma que quem for familiar com esse mundo de certeza que já percebeu do que estou a falar. Mas neste caso em particular não me caiu nada bem. E o que há 2 ou 3 anos me pareceu absolutamente abominável, parece-me agora como um pequeno laivo de génio. Este tal acontecimento que eu faço soar a heresia, ou algo do estilo, acabou por se tornar no ponto alto do livro e criou em mim revolta genuína. Na altura pareceu-me idiota, mas agora percebo que foi apenas algo bem feito e que consegue fazer os leitores sentir algo com o que se passa no livro.

Resumindo, a coisa melhorou, mas ainda não atingiu o expoente máximo que eu sei que a saga é capaz de atingir. O final deste volume já é o começo de algo grande e espectacular que aí vem, e pelo qual eu mal posso esperar... Diga eu o que disser, a verdadeira espectacularidade começa no próximo livro, sem que este deixe de ser quase quase um bom livro!

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Divulgação de coisas interessantes


Para quem achar que o panorama literário em Portugal anda escasso de eventos, ficam aqui 2 bastante interessantes, as 2AS Conferências de Banda Desenhada em Portugal, na biblioteca Orlando Ribeiro durante o dia de amanhã, e a Feira do Livro de Poesia e Banda Desenhada, a começar amanhã no Palácio de Laguares!

Que as citações nos caiam em cima [19]


Esta citação não tem nada de literário nem tenta transmitir nenhuma mensagem profunda. É apenas e só, hilariante.

"Se vocês não o calam, juro que lhe arranco os olhos e lhos enfio pela boca para que ele possa ver a porcaria que de lá sai!"

A Manopla de Karasthan, Filipe Faria

É o Worick, o general thuragar, que diz tal coisa, referindo-se a Taislin, o pequeno burrik. Worick é das minhas personagens favoritas, e os insultos dele são todos dignos de virem aqui parar. Este foi apenas o primeiro a sério que encontrei.

Esta personagem é tão labrega, brejeira e agressiva, que só me consigo rir sempre que ele diz ou faz alguma coisa. É que não consigo controlar. As suas desavenças com as várias personagens são momentos altos na leitura, especialmente neste primeiro volume, em que são das melhores coisas que por lá aparecem... Nem sei que dizer mais, olhei ali para a citação e desmanchei-me a rir outra vez!

Agora já sabem, citações que queiram enviar, façam-no para o queaestantenoscaiaemcima@gmail.com!

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A Manopla de Karasthan

Título: A Manopla de Karasthan
Autor: Filipe Faria

Sinopse: Na imensidão cósmica existe um mundo, Allaryia, de grandes heróis e vilões infames, de seres de uma beleza indescritível e criaturas maléficas de uma fealdade atroz, nações poderosas e impérios tirânicos. Depois de muitas eras que alternaram entre a paz e a discórdia, encontramos neste primeiro volume das Crónicas de Allaryia, um tempo de aparente tranquilidade, de uma calma inquietante, semelhante ao silêncio que antecede a tempestade. Algures, numa câmara escura, subterrânea, algo se move, tentando libertar-se de anos de cativeiro, algo monstruoso, inumano, sedento de sangue e dor. O povo de Allaryia perdeu o seu campeão – Aezrel Thoryn, provavelmente morto numa batalha contra o Flagelo, a força das trevas, em Asmodeon – e mais do que nunca precisa de protecção. Aewyre Thoryn, o filho mais novo do saudoso rei, pega em Ancalach, a espada do seu pai, decide descobrir o que realmente lhe aconteceu e parte a caminho de Asmodeon. O que o jovem guerreiro não podia prever era que a sua demanda pessoal se iria transformar, à medida que os encontros se vão sucedendo, na demanda de um grupo particularmente singular, que reunirá a mais estranha e inesperada mistura de seres - Allumno, um mago, Lhiannah, a bela princesa arinnir, Worick, um thuragar, Quenestil, um eahan, Babaki, um antroleo, Taislin, um burrik, Slayra, uma eahanna negra e o próprio Aewyre. O ritmo a que se sucedem as aventuras é absolutamente alucinante, a cada passo surgem perigos mais tenebrosos, seres aterradores que esperam, ocultos nas sombras, o melhor momento para atacar e roubar a tão desejada Ancalach… Mas os laços de amizade que unem o grupo estão cada vez mais fortes e, juntos, sentem-se capazes de enfrentar qualquer inimigo.

Opinião: A minha primeira leitura desta obra encontra-se comentada algures aqui no blog, mas desaconselho vivamente a sua leitura. Não é a pior das opiniões que escrevi sobre um livro desta saga, mas não diz nada de especial. E esta segunda leitura foi bastante diferente.

A começar por não ter conseguido despertar em mim o fascínio da primeira. Mais velho e mais lido, detectei falhas e semelhanças demasiado óbvias com outras obras a uma velocidade e frequência estonteante. Da inspiração no folclore alemão e em lendas mais antigas que a Sé de Braga, às raças de Allaryia, versões deturpadas, ligeiramente modificadas e re-nomeadas das raças de Tolkien e da grande fantasia em geral. Anões viram thuragar, hobbits viram burriks, elfos viram eahan, drows viram eahannoir...

Enfim, a coisa acaba por estar bem construída, e o autor possivelmente queria-se afastar ligeiramente das versões mais consensuais, isto ainda é o menos grave. O que de certa forma acaba por falar em grande são precisamente aqueles que para mim são os 3 grandes pilares de um bom livro: a história, os diálogos e a escrita.

Durante a maior parte do livro, senti que estava a ler um guião de um jogo de tabuleiro, daqueles com figurinhas pintadas à mão e sistemas de combate mais complexos que o sistema burocrático português. Os diálogos são na sua maioria profundamente idiotas e irrealistas, e a escrita oscila fortemente entre um tom casual e amigalhaço do leitor, com interpelações directas e comentários pessoais, e um tom mais elaborado e trabalhado, com palavras rebuscadas que simplesmente não encaixam.

Mas vamos pensar bem nisto. É o primeiro livro de Filipe Faria, escrito quando ele tinha 16 anos. Por esse prisma, é um óptimo livro. Apesar da pesada herança inspiracional, a imaginação é enorme e as personagens são excelentes, ainda que tenham os seus momentos de parvoíce. Algumas melhores que outras, como é óbvio, mas tenho que destacar Worick, o general thuragar ao serviço de Vaul-Syrith e protector pessoal de Lhiannah, a princesa syrithiana. A sua personalidade intempestiva está genial. Sempre a resmungar e a insultar tudo o que mexa, normalmente intercalando insultos deveras imaginativos com promessas de porrada, o thuragar ainda assim revela que tem bom fundo.

E Babaki! Algo desaproveitado, esta criatura que para mim é um wookie bem falante que se consegue transformar em super-sayin, é uma personagem mais do que interessante, com o seu conflito interior entre a sua personalidade calma e bondosa e o animal violento e sedento de sangue que lhe corrói o espírito.

Só que pronto, a história não está construída da melhor forma. As coisas acontecem um bocado por acaso, são quase todas relativamente precipitadas, e tudo se resolve num piscar de olhos, com uma decisão inflamada. E depois de batalhas exaustivamente descritas e locais exemplarmente inventariados, há certos momentos em que passam algumas semanas em duas linhas. Não é, de todo, a melhor forma de escrever uma história.

Mas o meu apreço pela saga supera estes defeitos todos e deixa-me imensamente ansioso para continuar a leitura... Não digo curioso porque sei a história, em traços gerais, mas dá para perceber a ideia. Venham Os Filhos do Flagelo!

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Viajando por Allaryia


Tudo começou há uns anos, já não faço a mais pálida ideia de quantos, exactamente pela altura que passou há pouco: o meu aniversário. Digamos que tenho uma prima que é espectacular por várias razões, uma das quais é o facto de ser das poucas pessoas que me foi dando livros, como prenda.

Este assunto dos livros como prenda dá muito que falar, pois por estranho que pareça, as pessoas que mais lêem são exactamente as que menos livros recebem, a maior parte das vezes. Mas pronto, isso fica para outra vez.

O que interessa é que essa minha prima me ofereceu um livro, certa vez: Os Filhos do Flagelo, de Filipe Faria. Livro que eu não conhecia, de um autor português que eu não conhecia. Nem nunca tinha visto a capa em lado nenhum. Como é óbvio, a curiosidade explodiu por ali fora.

Mas quando comecei a investigar o livro, deparei-me as palavras no topo, por cima do título, que agora sei serem o nome desta saga pioneira de high fantasy portuguesa: Crónicas de Allaryia. A minha memória não é lá grande coisa, mas em termos de literatura é uma máquina e, como tal, foi logo buscar uma vaga memória de uma consulta no centro de saúde, uma coisa de rotina, em que o homenzinho me queria falar sobre sexualidade e afins, para que eu estivesse informado e prevenido e isso tudo.

Como é óbvio, ele não foi logo directo ao assunto, com medo de assustar o eu-adolescente, ou algo do género, mas começou por fazer a abordagem pessoal: "Então o que é que gostas de fazer?", pergunta à qual a resposta mais imediata é "Ler.", já há vários anos. Perguntou-me então se eu já tinha ouvido falar das Crónicas de Allaryia. Não tinha, nem percebi muito bem, pois respondi que tinha lido As Crónicas de Nárnia e tinha gostado. Ele lá me explicou que eram outras diferentes, mas eu não fiquei muito convencido, e a memória acaba-se aqui.

Isto queria dizer que eu já tinha ouvido falar de algo relacionado com aquele livro. A curiosidade anteriormente explodida, conseguiu explodir com a sua própria explosão, num mega rebentamento da mais pura e genuína curiosidade. Mas rapidamente descobri que Os Filhos do Flagelo era o segundo volume destas Crónicas. O desespero da procura pelo primeiro volume durou algum tempo, até que o encontrei e devorei, assim como o segundo, o terceiro e o quarto. Depois esperei pelo quinto, que devorei. Depois pelo sexto, que devorei. E depois esperei o que me pareceu bastante tempo pelo sétimo e último, numa edição de luxo que não me farto de gabar, que ainda não devorei. E porquê?

Porque sou louco. Como já não me lembrava a 100% da história, meti na cabeça que ia ler os sete volumes todos seguidos. Assim por alto, são entre 3500 e 4000 páginas basicamente sobre a mesma coisa. Para muita gente que conheço, ler 3 linhas sobre o mesmo assunto é algo extenuante, nem sequer quero tentar imaginar a reacção delas a esta minha decisão. Um colapso nervoso? Um enfarte agudo do miocárdio? Coma literário? Nem sei.

Mas é exactamente isso que eu vou fazer. Se aguentei 1376 páginas de Stephen King e 4 custosas epopeias de seguida, consigo lidar com 4000 páginas de high fantasy. Especialmente porque compensa. Lembro-me perfeitamente que fiquei deslumbrado com esta saga. A certa altura fui até completamente fanático. Com o tempo comecei-me a aperceber das falhas na escrita e na história, e da clara evolução do autor ao longo dos livros, mas nunca perdi esse fascínio por esta saga. Não só por ser um tipo de literatura que aprecio bastante, mas também por ser português, por o autor ter escrito o primeiro livro com 16 anos e a coisa não ter saído uma grandessíssima porcaria, e por ser inovador. Os autores portugueses não escrevem high fantasy. Ricardo Pinto não conta, que escreve em inglês, e a saga da Sandra Carvalho é posterior à do Filipe Faria, portanto que eu saiba, o Filipe foi o primeiro!

É preciso coragem, é preciso vontade e é preciso talento, diga-se o que se disser da sua escrita e dos seus livros. A verdade é que admiro muito este autor e esta saga, e mal posso esperar por terminar a sua leitura, nesta minha autêntica Viagem por Allaryia, um mundo que tem um cantinho especial nas minhas estantes.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A Conquista do Acaso

Título: A Conquista do Acaso
Autores: Fernando Corbalán e Gerardo Sanz

Sinopse: A domesticação do acaso - a sua redução a números - é um dos maiores êxitos do intelecto humano. Onde antes só havia o branco da certeza absoluta e o preto da dúvida radical, abre-se-nos agora uma paisagem de infinitos tons de cinzento, de probabilidades mais ou menos favoráveis, cujo estudo e análise constitui um dos ramos mais fascinantes da matemática moderna.

Opinião: Este é o 24º livro que leio desta minha colecção de matemática, uma colecção que já considero como um dos melhores investimentos literários mais portentosos que já fiz. Só de olhar para o título fiquei com a sensação que ia ser um livro com o qual ia ter dificuldade em lidar. É que probabilidades não é a minha coisa.

Alguns de vocês podem-se perguntar, "Mas como é isso possível?! O futuro engenheiro, que anda a apanhar tanta matemática dolorosa na faculdade, e que está sempre a dizer que a adora, a queixar-se disto?". Pois é. A verdade é que eu sou fã de matemática pela sua exactidão. 2 é 2. Se A + B = C agora, também o foi ontem e também o será amanhã. E o meu problema com probabilidades é exactamente o factor aleatório.

Não conseguia ficar agradado com algo deste estilo, "Este acontecimento tem 84% de probabilidades de acontecer.", pelo simples facto de que isto não me ajuda muito a prever os resultados futuros. Aquele acontecimento é bastante provável, mas não é certo. Num dado bem balançado, todas as faces têm 1/6 de probabilidade de saírem, mas pode acontecer que lancemos um dado 1 milhão de vezes, e nunca saia um 4. Ou saiam só 5s. São acontecimentos deveras improváveis, mas não impossíveis.

No entanto este livro mostrou-me que esta ligeira aversão era afinal um ligeiro preconceito. O estudo matemático das probabilidades é precisamente um ramo que tenta tornar o aleatório mais exacto. Não no sentindo de prever o futuro, mas de domar o acaso. De saber que algo é mais provável que outra coisa, com uma precisão abismal, por exemplo.

E para não variar, a contextualização histórica está excelente, e a explicação dos conceitos envolvidos está muito bem feita. O que, no fim, torna este livro como mais um dos aconselhados nesta colecção, até mesmo a quem não é fã de matemática.

sábado, 22 de setembro de 2012

Que as citações nos caiam em cima [18]


Best Served Cold é um livro recheado de violência, muitas vezes bastante imaginativa, mas que também consegue, por entre machadadas, espadas por traseiros acima e sangue a espichar de todas as formas possíveis e imaginárias, ter diálogos deveras interessantes.

Especialmente no que toca a uma das personagens mais interessantes e agradáveis de encontrar, Nicomo Cosca. O homem tem um carisma inigualável e um bom humor inabalável. E para além disso, parece que fala em citações. De cada vez que abre a boca, deita cá para fora frases brilhantes e preparadas para citar.

'Unhappy times are the best for levity. You don't light candles in the middle of the day, do you?'

Joe Abercrombie, Best Served Cold

A simplicidade da frase é fascinante. E reparei nela porque reconheci um espírito bastante português. Quanto piores são e estão as coisas que nos rodeiam, mais são as piadas que são contadas, os programas de humor que proliferam e os cartoons humorísticos que são publicados. Os portugueses têm um dom para aquilo que Cosca expõe de forma tão simples.

E a prova de que Cosca é uma personagem bem construída? O facto de eu falar dele como se fosse uma pessoa.

De resto, já sabem, citações interessantes que encontrem, o e-mail é o mesmo, queaestantenoscaiaemcima@gmail.com!

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Best Served Cold

Título: Best Served Cold
Autor: Joe Abercrombie

Sinopse: Mercenaries are a wonderful thing: they fight as you tell them, whom you tell them, and when you tell them, for nothing more precious or complicated than money. And Monzcarro Mercatto, and her brother (and lover) Benna Mercatto, are the two most successful, most popular, and most wealthy mercenaries in Styria...but wealthy, popular mercenaries are not such a good thing. In fact they're a downright dangerous thing. Which is why Grand Duke Orso of Styria arranges to have them dealt with. Permanently. With hindsight, he may come to consider this a tactical error. Through sheer good luck - which her brother doesn't share - Monzcarro survives the long and fatal drop Orso arranged for her, and staggers away from her encounter with a ruined right hand, an opium addiction ...and a plan to come back with a fortune, plenty of bladed weapons, and a single-minded determination to kill the seven men in the room when her brother was murdered. Preferably in as gruesome a manner as she can ...


Opinião: Mais um livro que me foi emprestado, e mais uma aposta ganha. Tenho mesmo que passar a fazer isto mais vezes. A mesma pessoa também me emprestou o Jogo Final e o Childhood's End, duas apostas mais do que ganhas, especialmente a segunda, uma das obras primas do grande Arthur C. Clarke. Este Best Served Cold é bastante diferente desses dois, a começar por não ser de ficção científica e a acabar em ter litros e litros e litros e litros de sangue.

Para terem noção, eu acho que se fosse possível espremer os livros para extrair o sangue que corre ao longo das suas páginas, Portugal deixava de precisar de dadores de sangue para os próximos 5 anos. Não estou a exagerar. Este é principalmente um livro de acção, com tantas traições, espadeiradas, machadadas, envenenamentos, marteladas, porrada em geral, alguma tortura e, acima de tudo, sangue sangue sangue, que é quase impossível não sentir a adrenalina a espalhar-se pelo corpo, enquanto se lê. Isso e ganhar uma certa imunidade a descrições sangrentas.

Mas ainda antes de abrir de facto o livro, demorei-me um pouco a admirar o exterior. Raros são os livros com uma edição tão cuidada e tão bem conseguida, especialmente em formato paperback. O nome do autor está em relevo, realçado a prateado, prateado esse com que depois se escreve o título. A capa tem uma textura peculiar, para um livro: é rugosa, a fazer lembrar papel antigo e grosso. E como se pode ver na imagem ali em cima, o sangue começa logo aqui.

Abrindo o livro e começando a leitura, só consigo comparar o mergulho quase instantâneo para a acção com o Cell, do Stephen King. Antes sequer de me conseguir ambientar na história e de perceber exactamente o que se estava a passar, já havia gente a morrer, sangue por todo o lado, e promessas de morte e de vingança a voarem por aqui e por ali. Tudo isso com uma escrita exemplar. Se isto não for o suficiente para prender alguém à leitura, aconselho a que leia mais um pouco. Antes de ter lido 100 páginas, menos de um sexto do livro, já aconteceu tanta coisa que dá vontade de parar de ler, gritar alto e bom som "PAROU, PAROU, PAROU", e rebobinar tudo.

É claro que há outra coisa que apetece fazer e que esmaga por completo essa primeira vontade: continuar a ler. As personagens estão muito bem construídas, e cada vez mais me convenço que a vingança é o tema perfeito para uma história. A protagonista, Monzcarro Murcatto, rapidamente reúne um grupo díspar mas mortal, no mínimo. Caul Shivers, um homem enorme, do Norte; Friendly, um ex-prisioneiro, serial killer meio para o psicopata, com uma obsessão por números; Shylo Vitari, a mulher faz-tudo; Castor Morveer e Day, mestre dos venenos e respectiva aprendiz; e Nicomo Cosca, bêbedo de profissão e mercenário nos tempos livros. Este grupo, como seria de esperar e por mais cuidadosos que todos tentem ser, acaba por espalhar o caos, pura e simplesmente, enquanto Murcatto prossegue com a sua vingança.

O autor escreve alternadamente do ponto de vista das várias personagens, não só estas 7 como ainda algumas outras, o que permite ao leitor se não identificar-se com alguma personagem, pelo menos de perceber os seus motivos e a sua mentalidade em geral, em mais pormenor. É por causa disso que fiquei fascinando com Friendly. Os capítulos do seu ponto de vista mostram como a sua vida é comandada por números, de livre vontade. Nem consigo explicar, é absolutamente fascinante. Tal como Cosca, que tem uma evolução interessante, uma história curiosa, e que tem uma personalidade extremamente carismática.

Mas para além das personagens, a história em si, um conto de vingança à antiga, com muita morte pelo meio, é interessante e tem reviravoltas suficientes para captar e prender a atenção durante longos períodos de tempo. É óbvio, no entanto, que em 662 páginas de desbunda total de tudo o que mexe, há coisas que facilmente aborrecem. Outras opiniões que li apontam isso mesmo, e enfim, é inevitável, é impossível ser muito original e criativo ao quinquagésimo esfaqueamento traiçoeiro em 200 páginas. Mas acaba por ser algo por cima do qual facilmente se passa por cima, em favor do resto.

E já mencionei o Shenkt e a Ishri? Duas personagens deveras interessantes e que, infelizmente, não tiveram o tempo de antena que merecia. Mais um pequeno defeito, havia como que demasiadas boas personagens e, nesse aspecto, as quase 700 páginas pareceram poucas.

Se bem que no final da leitura a única coisa que posso dizer é que este é um excelente livro que me deixa bastante curioso quanto às outras obras do autor. Espero, com o tempo, adquirir algumas, e se tiverem pelo menos metade da qualidade desta obra, considero o dinheiro bem gasto!

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Selo "Versatile Blogger"


Eu não participo nestas coisas dos selos, mas compreendo o gesto e só tenho é que agradecer, caso receba um, pois é um sinal de apreço pelo trabalho feito aqui no blog. E isso é sempre bom, nem que seja para o ego.

Portanto, fica aqui um obrigado à Sofia Teixeira, do blog Morrighan, um blog muito bom que sigo com regularidade!

E apesar de eu não participar nestas coisas, ou seja, não vou dizer coisas sobre mim, nem indicar uma quinzena de blogs para lhes atribuir este selo, quero dizer que há vários que sigo e que mereciam este gesto, têm é o "azar" de eu não me meter nestas coisas...

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O Vulcão de Ouro

Título: O Vulcão de Ouro
Autor: Jules Verne
Tradutor: Irene Fialho e Luísa Mellid-Franco

Sinopse: É o tempo heróico da febre do ouro. Mineiros e bandidos percorrem as paisagens agrestes da região norte do Canadá à procura da utopia dourada. Dois primos oriundos de Montreal atravessam montanhas, lagos e rios unidos pela mesma vontade de conquista e pela miragem de uma riqueza sem limites. Romance de acção vertiginosa e espectaculares surpresas, O Vulcão de Ouro surgiu já depois da morte do autor num versão do seu filho, Michel Verne, que adulterava gravemente o original. Na sequência da descoberta do manuscrito pela Sociedade Júlio Verne, temos agora a possibilidade de o conhecer em todo o seu fulgor e imaginação.

Opinião: Juro que já me tinha esquecido de como me é fácil ler Jules Verne. Por alguma razão tenho ali na estante 51 livros dele, dos quais já li mais de metade, ao longo dos anos. Para além de uma profunda admiração por este escritor, tenho a maior parte da sua obra.

Portanto foi com espanto que vi alguém a emprestar-me não 1, mas 2 livros que não fazem parte da minha colecção. E ambos livros dos quais eu nunca tinha ouvido falar. O que descobri é que tanto este como o outro são livros especiais: Um padre em 1839 é um romance da juventude do autor, inacabado e ainda sem o seu estilo característico completamente assente; O Vulcão de Ouro é um romance póstumo que sofreu profundas alterações por parte do filho, Michel Verne.

Mas esta edição é exactamente uma edição publicada a partir do manuscrito original, muito cuidadosa e certamente bastante fiel. Tem uma breve introdução ao assunto e uma explicação e contextualização da obra e da temática que ela apresenta. Para além disso, ao longo de todo o livro são assinalados os pormenores que o autor foi modificando, os que se esqueceu, e espaços que deixou em branco, para serem preenchidos aquando de uma revisão que nunca chegou a acontecer.

E tal como a grande maioria dos seus livros, este insere-se nas suas Viagens Extraordinárias, neste caso a de 2 primos, Summy Skin e Ben Raddle, que viajam até ao Klondike na altura da febre do ouro por causa de um pedaço de terreno que lhes é deixado pelo tio, Josias Lacoste. O objectivo é avaliá-lo para o venderem ao melhor preço, ou para o trabalharem de forma a maximizarem o lucro, mais por vontade de Ben do que por de Summy. O primeiro é inevitavelmente atingido pela perigosa febre do ouro, e os primos nunca mais têm descanso.

Aquilo que é explicado na introdução ao livro é bastante claro quanto à mensagem principal do livro, embora não precisasse, pois ela passa perfeitamente através da narrativa. Verne usa esta história para condenar a corrida ao ouro, da qual raras eram as pessoas que saíam mais ricas do que entravam. O problema é exposto de forma mais óbvia pelo dilema entre os dois primos: Ben, engenheiro, audacioso e ambicioso, anseia por explorar e fazer parte dos prospectores, enquanto que Summy, mais comedido e conformado, opõe-se sempre fortemente a todas as ideias do género.

Verne queria demonstrar como os que enriqueciam no Klondike e em sítios semelhantes, faziam-no apenas por sorte, e que quem se deixava envolver por esses trabalhos, dificilmente conseguia deixar de o fazer, tal era a ambição e a ganância que o ouro despertava, mas que quando o faziam, normalmente faziam-no entregues a misérias e a prejuízos elevados.

Só posso afirmar a qualidade do livro e do escritor, que muito admiro. O seu conhecimento quase enciclopédico da região onde se passa a história faz com que seja muito complicado acreditar que nunca a visitou, e que a maior parte da informação geográfica, histórica e social é proveniente das suas leituras e investigações. É bastante comum isto acontecer nos seus livros, quem os ler facilmente acredita que Verne foi um viajante inveterado, quando na realidade pouco saiu da sua cidade, quanto mais do seu país. Assim se vê o génio do autor.

Imagino que não seja fácil encontrar este livro, mas aconselho vivamente a quem o fizer, que o leia. Se não conseguirem, há dezenas de obras sempre à mão de semear, e não hesito em aconselhar qualquer uma delas.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Mais perto de ser um clássico

Por agora ainda sou apenas um daqueles livros escrito há quase 20 anos, de quem já ninguém se lembra, esquecidos em prateleiras poeirentas e à espera de uma oportunidade para voltarem a ser bestsellers.

A minha metáfora vai parar aqui, que eu não quero entrar pelas complicações que implica descrever-me como algo que "vende muito".

Caso ainda não tenham percebido, faço anos. 19, para ser mais exacto, um belíssimo número primo que representa, tecnicamente e pelo menos para quem fala inglês, o último ano da minha adolescência.

Francamente, o que esta idade significa para mim é basicamente... nada. Na prática estou um dia mais velho que ontem, como acontece todos os dias, portanto não é de admirar que responda sempre a gozar àquelas perguntas: "Então como é que te sentes agora que tens 19 anos?", como se tivesse havido algum processo mágico entre ontem e hoje que me alterou a forma de pensar e afins.

Já o que esta data significa é outra conversa. Raramente recebo um livro como prenda, seja em que altura for, ainda que isso esteja felizmente a mudar, mas aproveito sempre esta altura para sacar das minhas economias e satisfazer a minha vontade de passear por livrarias a folhear tudo o que possa ser folheado para escolher algo que me apeteça trazer para casa.

Digam o que disserem, poucas são as coisas que batam esses momentos. Uma delas é chegar a casa, folhear as aquisições, ler as sinopses e algumas páginas, explorar os livros e depois guardá-los nas estantes.

De resto, bem, as aulas começaram ontem e parece que já vejo o meu futuro a perder tempo livre, como se o tempo fosse algo líquido que escorresse por entre as falhas no meu horário e os buraquinhos das folhas de papel dos meus cadernos, ainda praticamente em branco mas fatalmente destinados a ficarem preenchidos a caneta com números, letras e desenhos.

Mas enfim, o costume, nada de especial. Se alguém no entretanto me quiser deixar uma prenda como a da imagem, à porta de casa, estejam à vontade. Qualquer livro, a sério. Se eu estiver interessado, guardo-o e eventualmente leio-o, se não estiver e for uma coisa demasiado execrável, sei lá, Margarida Rebelo Pinto, ou André Amaral, ou Stephenie Meyer, de certeza que arranjo formas bastantes interessantes de os usar.

Por agora cá fico, na minha jornada para me tornar um clássico...

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O Malhadinhas

Título: O Malhadinhas
Autor: Aquilino Ribeiro

Opinião: Daquilo que já tinha ouvido falar de Aquilino Ribeiro, esperava algo ligeiramente diferente, mas não fiquei propriamente desiludido.

O grande atractivo, pelo menos para mim, é a escrita, nomeadamente a linguagem e o vocabulário utilizado. Para quem tiver lido algumas das minhas opiniões anteriores, deve ter noção do meu gostinho especial por vocabulário arcaico, elaborado ou simplesmente peculiar.

Pois bem, Aquilino Ribeiro usa um vocabulário provinciano e regional da Beira Alta que dá um gostinho bastante especial à linguagem e às duas novelas presentes neste livro, O Malhadinhas e A Mina de Diamantes.

O primeiro conta a história de António Malhadinhas, homem da Beira Alta, na primeira pessoa. Entre amores e desamores, cenas de pancadaria e de chico-espertice, o retrato fica muito tirado a esta personagem: Malhadinhas é moderadamente ambicioso, amigável mas facilmente irritável e anda um pouco ao acaso por entre acontecimentos.

Já o segundo é mais desinteressante, uma história sobre um funcionário do governo brasileiro, de origem portuguesa, que regressa a Portugal numa fuga meio rebuscada e é tratado como uma alta celebridade, acabando por esbanjar rios de dinheiro nas mais variadas coisas, tudo por causa da fama artificial criada pelas palavras certas às pessoas certas e aos jornais certos.

No entanto, quer num quer noutro, o mais importante não é o enredo, ambos apenas vagamente interessantes, nem propriamente as personagens, apesar de as haver relativamente interessantes, com o Malhadinhas como caso flagrante. Aquilo que realmente apreciei, como já disse acima, foi a escrita. Na primeira história o vocabulário típico da Beira Alta e as expressões rurais deixaram-me deliciado, e na segunda foi a vez de um português meio-abrasileirado me entreter.

Ambas as novelas me deixaram com vontade de ler mais deste autor capaz de manipular a língua portuguesa com tamanho à-vontade.

domingo, 16 de setembro de 2012

Aprender a Rezar na Era da Técnica

Título: Aprender a Rezar na Era da Técnica
Autor: Gonçalo M. Tavares

Sinopse: Gonçalo M. Tavares é já considerado um dos melhores escritores que a literatura portuguesa ganhou na última década. Com uma fértil produção, que abarca diversos géneros e temáticas, é, no entanto, com os Livros Pretos (O Reino) que tem conquistado uma maior notoriedade, tanto pela crítica como pelo público. Os Livros Negros de Gonçalo M. Tavares têm um novo Reino: Aprender a Rezar na Era da Técnica.

Opinião: Este quarto livro foi de longe o meu favorito desta saga. Apresenta uma linha narrativa mais robusta, ainda que sempre com o objectivo bem explícito de transmitir algo.

Continua a ser uma escrita densa e um livro complicado, mas as suas personagens fortes ajudam a perceber pelo menos alguns dos meandros filosóficos em que o autor se deixa deambular.

Dito isto, é com alguma pena que confesso que Gonçalo M. Tavares não me deixou convencido. É certamente um autor original e bastante diferente, com qualidade e talento às pazadas, mas nestes livros em particular não mostra um estilo que me diga muito.

E neste em especial, admiro muito o excelente trabalho que Tavares fez com as personagens, nomeadamente com a principal, Lenz Buchmann, cuja vida é contada.

Desde a sua iniciação guiada e forçada pelo pai ao mundo do prazer, o autor conta a história de Lenz e de como ele subiu na vida como médico brilhante e, mais tarde, como político de excepção.

Acho que foi através das particularidades desta personagem que pelo menos algumas das mensagens se tornaram mais evidentes. Lenz é um homem frio e secretamente cruel, criado com uma espécie de código de honra e moral que lhe foi inculcado pelo seu pai. Não olha a meios para fazer o que quer, e age sempre com uma racionalidade impecável.

Uma das coisas que penso ter percebido, foi uma tentativa do autor em demonstrar que o excesso de razão rapidamente pode ter consequências nefastas. Talvez o próprio título do livro tenha a ver com isso, é preciso "aprender a rezar", ou seja, a ter mais fé, não necessariamente num deus, mas nas pessoas e nos sentimentos, já que cada vez mais vivemos numa "Era da Técnica", uma era em que a Ciência tem cada vez mais relevância e se dá cada vez mais predominância à razão.

Pelo menos foi esta a minha interpretação. Acho que um livro deste estilo se assemelha um pouco à poesia, no sentido em que cada pessoa acaba por tirar conclusões diferentes e muito pessoais.

Para terminar, gostei da forma como o autor ligou os 4 livros, misturando personagens e situações, ainda que só de raspão, de um livro para o outro.

Não foi, como já disse, uma leitura que me agradasse inteiramente, mas reconheço a qualidade de Gonçalo M. Tavares, apesar de achar que há demasiado alarido em seu redor. Reservo, no entanto, a esperanço de me render aos seus escritos com outros livros como os pertencentes a'O Bairro e ao Viagem à Índia.

sábado, 15 de setembro de 2012

Jerusalém

Título: Jerusalém
Autor: Gonçalo M. Tavares

Sinopse: “Como as substâncias se separavam logo à partida, entre as que avançavam com a vontade própria e as que esperavam com a obediência estática (e nisso dividiam-se como alguns homens). Os sapatos eram a obediência pura, a escravidão mesquinha, enojavam-lhe naquele momento; a sabujice destes materiais em relação ao homem. Nenhum cão é tão sabujo como estas substâncias. Não há possibilidade de diálogo entre substâncias que nascem logo em campos opostos, em campos, não inimigos, que isso seria pensar na possibilidade de elevação do homem que agarra na arma para combater; ali, pelo contrário, o afastamento não era entre substâncias inimigas ou entre dois predadores que se preparam para combater por um pequeno território; tratava-se simplesmente de passividade absoluta de um lado, e do outro energia forte, que constrói ou destrói, mas que modifica sempre. Não somos uma coisa que espera, murmura Mylia, enquanto avança a passos fortes para a igreja.”

Opinião: É suposto este ser o grande livro desta saga de Gonçalo M. Tavares, O Reino, e que ganhou os grandes prémios da literatura. Pois bem, crucifiquem-me oh críticos profissionais e fãs acérrimos, mas não achei nada de especial.

Acredito que tenha a ver com o facto de ser um género de literatura que não aprecio, demasiado poético e filosófico e moderno e não sei quê, pois consigo ver que Tavares é um bom escritor. Apenas não me agradam por aí além, estes livros.

Jerusalém continua praticamente na mesma onda dos outros 2 livros anteriores, um livro e uma história que servem como meros veículos para transmitir ideias. Não que isso seja mau, a literatura, em parte, serve para isso mesmo, mas a mim pessoalmente não me agradam por aí além livros assim.

Para ser sincero, esperava gostar mais deste autor. Talvez tenha começado pelas suas obras menos indicadas aos meus gostos. Ainda acho que vou delirar com o Viagem à Índia, apesar destes livros não me estarem a deixar satisfeito.

Consigo apreciar as personagens e as situações peculiares, mas tirando isso... Talvez seja demasiado novo, se bem que não gosto muito desse argumento. Acho apenas que não foi a altura certa para me iniciar nesta saga, nem as obras certas para me iniciar neste autor.

Já vislumbrei o próximo livro e parece-me seguir uma estrutura mais linear, mais focada na história. A verdade é que este autor ainda não me convenceu, e vou terminar a leitura da safa com o Aprender a Rezar na Era da Técnica, não muito confiante de que esse último livro me impressione, depois destes 3 primeiros.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A Máquina de Joseph Walser

Título: A Máquina de Joseph Walser
Autor: Gonçalo M. Tavares

Sinopse: «Não tinha sequer uma pistola, mas eliminara a grande fraqueza da existência, fizera desaparecer a primária fragilidade da espécie: não possuía qualquer inclinação para o amor ou para a amizade! E nesse momento, a caminhar em plena rua, desarmado, observando de cima os seus sapatos castanhos, velhos, sapatos irresponsáveis como troçava Klober, nesse momento Walser sentia-se tão seguro — e, ao mesmo tempo ameaçador — como se avançasse dentro de um tanque pela rua. Porém, subitamente, deu um salto para o lado. Quase pisara uma massa alta. Era um homem. E estava morto.»

Opinião: Segundo livro da saga O Reino, de Gonçalo M. Tavares, já o consegui digerir melhor que o anterior, apesar de ser igualmente denso e profundo.

Aquilo fala-se de um homem, Joseph Walser, e da relação quase doentia que este tem com a máquina com que trabalha numa fábrica.

O cenário, a guerra, é exactamente o mesmo que o do primeiro livro, na mesma altura, apesar desta personagem nunca se cruzar com Klaus Klump.

E, mais uma vez, tudo isto parece ser apenas um pretexto para o verdadeiro motivo do autor: transmitir uma mensagem forte.

Nota-se, aliás, tal como no primeiro livro, um intenso esforço para que essa mensagem fique bem cimentada em quem lê. Na sua escrita "moderna" e diferente, Gonçalo M. Tavares, mais do que um escritor, é um idealista, ou melhor, um pensador, e os seus livros (estes, pelo menos) afiguram-se meramente como veículos das suas ideias e da sua visão do mundo.

Uma visão não muito simpática, diga-se. A aura do livro, se assim lhe quiserem chamar, é bastante negra e melancólica.

É nesse tom que o autor divaga através dos meandros de uma história em que o enredo assume um papel mais secundário, especialmente face às personagens, todas elas habilmente modeladas e encaixadas no plano geral do livro.

Consigo ver que é um bom escritor, certamente diferente, inovador e até corajoso, em certa medida, mas tenho que ser honesto e confessar que ainda não me convenceu. Há demasiada preocupação com a filosofia num livro que não pretende ser filosófico.

Também há crítica, e divagações mais do que interessantes, mas, no que a mim me diz respeito, ainda falta qualquer coisa.

Já gostei mais do que o primeiro, é certo, mas agora a ver vamos como corre com o terceiro.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Um Homem: Klaus Klump

Título: Um Homem: Klaus Klump
Autor: Gonçalo M. Tavares

Sinopse: Primeiro romance de Gonçalo M. Tavares, que nos últimos dois anos publicou meia dúzia de livros (por vários géneros, poesia, narrativa e teatro), ganhou dois prémios (Prémio Branquinho da Fonseca, atribuído a "O Senhor Valéry" e Prémio de Revelação de Poesia da APE pelo livro "Investigações.Novalis"), e galgou fronteiras, com traduções em antologias poéticas (na Holanda e Bélgica) e em revistas anglo-saxónicas. A obra de Tavares tem vindo como que a crescer de uma forma sustentada, digamos assim. Feita de experimentação, de transfiguração, afinando mecanismos de escrita. Uma escrita de ideias, com ideias, onde há já uma marca autoral bem visível. Em Um Homem: Klaus Klump, a invasão de um país faz com que nada volte a ser como era, a guerra interrompeu o decurso da vida. A floresta, para onde muitos fugiram, é o último reduto da resistência.

Opinião: É com receio que começo a escrever esta opinião. Aquilo que tinha ouvido falar deste autor é que ele é o futuro da literatura portuguesa. Montes de prémios, traduções a serem feitos um pouco por todo o lado e uma catrefada de adaptações a tudo e mais alguma coisa... Até Saramago dizia bem dele!

Portanto esperava um livro muito bem. Mas por outro lado não fazia ideia de como era a sua escrita. Ainda por cima o autor já escrevei um pouco de tudo: poesia, romances, contos, 1 epopeia e sei lá mais o quê.

Mas assim que comecei a ler percebi que não me podia preparar para este escritor. Aquilo que escreve é tão diferente que duvido que houvesse forma de o prever, baseado apenas no que já ouvi.

Gonçalo M. Tavares escreve claramente com a intenção de, acima de tudo, transmitir ideias, e ideias fortes. Neste livro em particular, o tema principal parece ser a guerra, mas não acho que o tenha sido verdadeiramente. A guerra pareceu-me apenas um propósito para o resto, um motor para pôr as ideias principais em andamento.

Estas outras ideias é que já são mais complicadas. Eu sei que sou relativamente (estou a ser simpático para comigo próprio, atenção) arrogante, mas não vou ser pretensioso o suficiente para dizer que percebei e captei tudo o que o autor tentou transmitir.

Consegui perceber uma certa intenção em falar sobre a condição humana e as reacções frente a condições extremas, mas tirando isso, a coisa passou-me maioritariamente a lado. Foi demasiado profundo, demasiado denso e, de certa forma, demasiado poético.

Não vou dizer que não gostei, porque achei interessante. E nota-se que é novo, diferente, e que tem bastante qualidade. Mas acaba por se tornar muito denso e por ser demasiado diferente. Digamos que preciso de ler mais, para me habituar melhor.

Mas fica a curiosidade em relação aos próximos livros, isso de certeza.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

It

Título: It
Autor: Stephen King

Sinopse: To the children, the town was their whole world. To the adults, knowing better, Derry, Maine was just their home town: familiar, well-ordered for the most part. A good place to live.
It was the children who saw - and felt - what made Derry so horribly different. In the storm drains, in the sewers, IT lurker, taking on the shape of every nightmare, each one's deepest dread. Sometimes IT reached up, seizing, tearing, killing...
The adults, knowing better, knew nothing.
Time passed and the children gre up, moved away. The horror of IT was deep-buried, wrapped in forgetfulness. Until they were called back, once more to confront IT as it stirred and coiled in the sullen depths of their memories, reaching up again to make their past nightmares a terrible present reality.

Opinião: Quando digo que Stephen King é o meu escritor favorito até à data, não o faço de ânimo leve. Passam-me pela cabeça nomes como Verne, Saramago, Lovecraft, Clarke, Poe e até o mais recente David Soares, todos eles autores cujas obras me fascinaram e que mantenho cuidadosamente no meu top 10.

Mas acho que só King me consegue prender como o tem feito, livro após livro. E se eu antes já pensava isso mas tinha dúvidas ao pensar n'O Evangelho Segundo Jesus Cristo de Saramago, n'A Conspiração dos Antepassados de Soares, em qualquer livro de Verne ou no Ctulhu de Lovecraft, essas dúvidas dissiparam-se com este It.

É claro que Verne era um génio absoluto que praticamente criou novos géneros literários, tal como Poe; que nunca ninguém conseguiu criar uma mitologia monstruosa de forma tão genial como Lovecraft; que os livros de Saramago são odes à condição humana, obras-primas da literatura, da arte e da Humanidade; que Clarke foi um dos mais brilhantes e criativos escritores de ficção-científica de sempre; e que Soares é capaz de representar, sozinho, uma mudança no panorama literário nacional... mas nenhum deles conta histórias como King o faz.

Não me interpretem mal: King é muito menos literário do que qualquer um daqueles autores. Alguém, talvez ele próprio, já classificou os seus livros como fast-food literária. Não discordo. Em termos puramente técnicos e de estética literária, não incluiria King no meu top 20.

Só que as histórias têm um profundo efeito em mim. Quando bem contadas, são capazes de estimular o pensamento crítico de forma muito mais intensa do que qualquer texto puramente filosófico.

A explicação, para mim, é simples. Um texto filosófico implica um esforço consciente e uma constante atenção a tudo o que é lido. Uma pessoa ao ler filosofia pura está activamente a pensar. As histórias conseguem fazer algo excepcional quando bem construídas e bem contadas: envolvem o leitor e obrigam-no a sentir sentimentos que não lhe pertencem. Quando o leitor dá por ela, teve uma qualquer revelação quase inconsciente, pois as boas histórias podem fazer pensar de forma passiva.

É esse o segredo e aquilo que tanto me atrai para uma boa história, a capacidade que têm de fazer pensar quase sem darmos por isso. E King é um contador de histórias por excelência.

Já tenho esta noção desde o primeiro livro que li deste autor, o Carrie. Percebi logo que ele tem 2 grandes pontos fortes: a mestria na construção e utilização de um grande leque de personagens, e a excelência a contar histórias.

Outra coisa que sei é que ainda não devo ir a meio desta opinião, mas é compreensível que um épico de 1376 páginas que seja uma verdadeira obra-prima do meu escritor favorito dê origem a um texto maior do que é habitual.

E só agora começo realmente a falar do livro em si. Não tenho absolutamente nada de negativo a apontar a esta obra. O enredo é complexo e desenrola-se habilmente através de uma narrativa que segue várias histórias em paralelo, com várias dezenas de personagens, todas elas com uma personalidade bem demarcada e construída.

A história, de uma forma geral, mais do que seguir o grupo principal de sete protagonistas, enquanto crianças e adultos, é uma história da localidade de Derry, no Maine, e de It, uma entidade monstruosa que faz parte da mitologia própria do Universo criado transversalmente por King ao longo de vários dos seus livros.

It tem um ciclo muito próprio: "acorda" mais ou menos a cada 27 anos para ser a causa de um período de terror recheado de assassinatos macabros e desaparecimentos misteriosos. Após saciar o apetite, "adormece" e como que hiberna durante 27 anos, mais coisa menos coisa.

Mais mais do que isso, tendo a história perfeitamente contada que tem, este livro é sobre o medo, a amizade, a família, a vingança, a coragem, a memória, a loucura, a infância, a mudança para a vida adulta... E provavelmente podia ficar aqui a escrever mais umas coisas, mas estas parecem-me ser as essenciais. King não trata directamente os assuntos, apresenta-os e mostra-os.

Fazendo uso do grande trunfo das histórias, preocupa-se primeiro em contar uma boa (excelente!) história, com atenção especial às personagens e aos meandros psicológicos, tanto individuais como colectivos. Só depois, quase como efeito secundário da história que conta, acaba por fazer pensar em todos aqueles assuntos.

Sei que devo parecer um fã demasiado excitado, ou uma adolescente a roçar o histerismo, daquelas que gritam nos concertos pelos seus ídolos, mas não consigo evitar, eu quero, aliás, preciso, que as pessoas tenham noção da genialidade deste livro e deste escritor.

Além de tudo o que já disse, King é a prova viva de que o horror é um género literário tão passível de ser genial como qualquer outro.

Portanto, acabo esta opinião, já monstruosamente extensa, dizendo sem hesitação que It é o melhor que já li de Stephen King, e que é também um dos melhores livros que já li na minha vida.

P.S.: Definitivamente não aconselhado a quem tiver problemas com palhaços!