Muito se disse nos últimos dias sobre o ataque terrorista ao jornal Charlie Hebdo. Foi um daqueles acontecimentos que teve repercussões no mundo inteiro, e é fácil de perceber porquê.
Por um lado há os preconceituosos que acham que uma pessoa de turbante, um árabe e um muçulmano são a mesma coisa, e que se não forem também não interessa, porque são terroristas. Por outro há o pessoal hipócrita, tão ou mais fanático que qualquer terrorista, apenas com menos acesso a Kalashnikovs, que acham muito mal que se ande aí a matar pessoas que apenas dizem a verdade sobre uma falsa religião.
Também há pessoas normais, sim. A única coisa em comum com todos estes tipos de pessoas é o horror que se sente ao ver as imagens do que se tem passado em França, ler as reportagens e ficar a saber as consequências.
Morreram pessoas. A verdade é esta. E não foi um acidente, nem uma bomba, das que mata de forma indiscriminada. Não. Foram pessoas armadas a entrar na sede do jornal, a chamar as vítimas pelos nomes e a matá-las de forma sistemática.
Tudo por causa de uns desenhos. Sim, uns desenhos que os visados podem considerar ofensivos, e neste caso até sempre foram bastante vocais sobre o assunto, mas desenhos. Que ainda por cima tinham razão.
Estes desenhos não criticam a religião, isso cada um faz e acredita no que quer, mas sim as atitudes e convenções desumanas que algumas religiões implementam, e também os fanáticos, que existem em todas as religiões - e fora delas.
Neste caso, estes desenhadores não foram estúpidos, foram corajosos. Tomaram uma posição e defenderam-na, literalmente, até à morte. Se calhar nunca acharam que isto chegasse tão longe, mas foi uma decisão que tomaram e arcaram com as consequências. Eu não sei se seria capaz de fazer o mesmo, por mais seguro que me sentisse.
Isto porque o medo é, realmente, uma arma muito forte. É disso que os terroristas se alimentam, e é isso que semeiam. Os jornalistas do Charles Hebdo perderam a vida por causa disso, mas tinham razão: enquanto houver fanatismo a denunciar, é preciso é denunciá-lo.
E não me venham cá com histórias como a do mentecapto que é o Gustavo Santos, que diz basicamente que eles é que o estavam a pedir. Isso é gozar com as nossas caras e com as deles, que morreram. Felizmente há gente que se tem insurgido como deve ser sobre o assunto, como o Rui Sinel Cordes e companhia.
Mas ao fim do dia, a única coisa que estes ataques e estas mortes conseguiram, foi provar que a guerra já não se faz no campo de batalha. Isso é só brincar às armas para que alguém tenha lucro a vender balas. Os verdadeiros soldados são pessoas como estas que perderam a vida. Aparentemente seguras, com uma opinião e sem medo de a expressarem. São estas as pessoas que afectam esses líderes criminosos da Era Medieval que ainda temos por esse mundo fora, são estas as pessoas que os atingem. E o que aconteceu não foi um ataque à liberdade de expressão, mas sim um ataque à inteligência e humanidade de cada um de nós.
5 comentários:
Sugiro que espreites as homenagens que outros comediantes têm feito sobre o assunto, como o Conan O'Brien, o Jon Stewart, etc etc, algumas são comoventes e outras hilariantes, além dos cartoonistas pelo mundo todo que têm dedicado a sua arte também ao apoio do Charlie.
Jorge
Já vi o do Conan e de alguns cartoonistas, do Jon Stewart ainda não, mas é bom ver pessoas a insurgirem-se como deve ser!
Subscrevo!
Terror é terror, e os actos bárbaros praticados por estes fanáticos nunca e jamais poderão ir buscar argumentos a políticas, costumes, leis ou religiões.
Terror é terror, inspira medo e o medo provoca regressão evolutiva. Logo, o terror deve ser combatido.
Abro no entanto o tópico do que é o humor?
Não posso ser Charlie assim como não posso evidentemente ser a favor de todas as acções de um grupo de pessoas que por vezes em nome da supra liberdade de expressão provocaram e chamaram de apenas humor àquilo que desenharam.
Assim como não posso deixar de condenar a falta de prevenção dos tribunais franceses que se recusaram a condenar obras desrespeitosas para com a comunidade muçulmana apenas pelo facto de pertencerem a um jornal de escopo humorístico. Estes sim acenderam o rastilho ao não impor um pouco de bom senso.
Não quero com isto dizer que não considere a liberdade de expressão um valor fundamental da Humanidade, assim como não posso também deixar de referir que sou um adepto do humor de todos os tipos, do clean ao negro, do político ao religioso, desde que seja apenas humor e não provocação.
Porque, desculpem-me, mas colocar um profeta Maomé com um colete explosivo é uma provocação sem humor nenhum. Onde está a piada ou o chamamento de atenção? Qual a ideia que se quer passar com isto se não a de que todos os muçulmanos são terroristas ou de que quem lê o Alcorão é terrorista?
Mais, desenhar um cartoon a dizer "Olha, afinal a França ainda não foi alvo de um atentando, mas ainda temos até ao final de Janeiro..." é igualmente provocatório, com as consequências que temos na televisão, não transmite ideal ou ideia nenhuma e, com todo o respeito mas é a minha opinião, não tem pingo de humor.
Claro que se deve continuar a chamar a atenção através de todos os meios possíveis das situações que desestabilizam e arruínam a sociedade; mas, sublinhe-se, cada autor deste tipo de obras, de chamadas de atenção, deve ter em conta que existem limites que são os do bom senso mesmo ao fazer humor.
Correndo o risco de ser conotado com membros da Frente Nacional, digo desde já que ainda não pus de parte a ideia dos Le Pen e desses fascistas hipócritas e apregoadores de ódio e medo estarem por detrás deste tipo de ataques...
Desde que vi a prequela do Star Wars que nunca mais soube que interesses e que Darths Sidious estão por detrás de cada acto armado cujo potencial é sempre criar mais ódios e ainda mais guerras e guerrilhas....
Francisco Fernandes
Mas para mim a questão não é se nós achamos piada ou se achamos ofensivo. O humor de uns é o insulto de outros, e vice-versa. Os mesmos grupos extremistas que matam pessoas por estas coisas, queimam bandeiras americanas enquanto bebem vodka e cantam "um americano morto no chão, yay!" e riem a bandeiras (no pun intended) despregadas.
É a mesma coisa com estes cartoons. E lá está, o importante não é se achamos piada ou não, se nos sentimentos ofendidos ou não.
A ofensa é uma coisa muito feia, e o humor também o pode ser, mas o problema aqui é existirem pessoas capazes de matar, e ainda por cima por causa de uns desenhos que os ofenderam.
É legítimo analisar a pertinência das sátiras do Charlie Hebdo, que provavelmente caíram algumas vezes no insulto gratuito disfarçado de piadola fácil, mas não se mata ninguém por causa disso.
Deixar os tribunais franceses condenar estas coisas seria uma forma de censura, e seria a mesma coisa que a ameaça de processo forte e feio que andou a pairar há uns tempos sobre a cabeça do Miguel de Sousa Tavares, por ele ter chamado palhaço ao Cavaco Silva.
Sim, é preciso ter cuidado com o que eu estou a dizer. Continuo a ser adepto do "a minha liberdade acaba onde começa a do outro", mas nada disto é muito linear. Continuamos a falar de seres humanos que decidem matar outros seres humanos por causa duns desenhos, ou dumas piadas, ou duns insultos.
Epah, eu posso não gostar dos nomes que tu me chames, e como bons tugas que somos, provavelmente até chegaríamos à porrada com alguma facilidade, mas dar tanta importância ao que uns idiotas do outro lado do mundo estão a fazer, ao ponto de acordar um dia e pensar "bem, vamos matar 12 pessoas", é doentio.
Se era preciso um sinal mais claro que de estamos a entrar numa nova Era Medieval, aqui o têm. E o problema aqui, é esse. Esse, e o facto de terem morrido 12 pessoas.
Enviar um comentário