sábado, 31 de agosto de 2013

O fim


Parece injusto avaliar uma obra (conto, novela, romance, seja o que for) pelo seu fim, mas a minha experiência pessoal diz-me que muitas vezes é isso que acontece. Pelo menos comigo.

Já dei por mim, muitas vezes, a ler um conto e a pensar "nem me aquece nem me arrefece", para depois chegar ao fim e quase morrer de ataque cardíaco.

Ou então ler um livro que me faz delirar a cada página, com coisas a acontecerem, um enredo complexo e surpreendente, enfim, uma história intensa e emocionante, para chegar ao fim e sentir que antes de chegar ao pico da montanha, vim a rebolar por ela abaixo.

A verdade é que o fim, por ser a última coisa que (normalmente) lemos de um dado texto, acaba muitas vezes por ser aquilo que mais nos fica na cabeça. E é quase sempre aquele pedacinho essencial que nunca se pode partilhar com ninguém que não tenha lido. É de certa forma secreto, e de certa forma definitivo.

É por isso que quando acho um livro realmente bom, uma das coisas de que me lembro de forma mais viva é o fim.

Se bem que também pode acontecer o contrário, concedo. Às vezes lembro-me do fim por ter sido tão excepcionalmente desapontante. Ter um livro excelente e depois um fim que não corresponde de todo às minhas expectativas... Bem, lixa-me o esquema.

Noto também que isto é algo que varia um pouco com os géneros. Por exemplo, já li umas dúzias de livros e contos com o Poirot e o Sherlock Holmes, e embora tenha adorado praticamente cada página de tudo o que lhes li, lembro-me de muitos poucos fins. Ou de culpados. Porque neste caso, isso não é o mais relevante, parece-me, embora se passe toda a história a tentar chegar a isso.

O que destaca uma história policial é exactamente a investigação, o mistério, as pistas, o lento avançar das conjecturas e das hipóteses. Quando chego ao culpado quase que me apetece pousar o livro, "pronto, já sei quem é, fiquemos por aqui".

Mas de uma forma geral, o fim é crucial. Acaba por ser um resumo de todo o livro/conto, ao mesmo tempo que o define. É perfeitamente possível avaliar todo um livro pela sua parte final. As últimas páginas, os últimos capítulos, até as últimas palavras.

Uma das últimas palavras do último livro da saga do Harry Potter é cicatriz. Perfeito. O fim em si... Enfim. Este é um exemplo da importância do fim, numa obra. Neste caso temos os protagonistas fisicamente envelhecidos, depois de passarem 7 livros a envelhecer mentalmente de forma brusca, todos felizes, porque o Bem triunfa sempre sobre o Mal, com os seus filhos de nomes ridículos que homenageiam algumas das personagens mais importantes da saga... e que estão todas mortas.

A cena em si é um bocado palerma, mas faz sentido, no contexto dos livros. Até porque a autora se envolveu emocionalmente com este seu universo de uma forma muito profunda, e não acredito que fosse capaz de simplesmente abandonar as personagens sem lhes definir todo um futuro, e dar-lhes um final feliz.

Portanto, o fim. É importante, e pode facilmente transformar um bom livro num mau livro, e vice-versa. Ou pode fazer descer um pouco a consideração que temos pelo livro. Ou fazê-la subir. Talvez o fim agarre no resto do livro, o rasgue em pedacinhos e os queime, enquanto nos grita aos ouvidos "TUDO O QUE TU PENSAVAS ESTAVA ERRADO!!!!", ou talvez seja tão intenso que acabe a murmurar-nos "sh sh sh... já passou...".

O que não tenho dúvidas, é que é expressivo e crucial. E é também das coisas que mais dificuldade tenho em escrever. Inícios surgem-me a toda a hora, já os fins é outra conversa.

E por falar em fins...

2 comentários:

Ana/Jorge/Rafa disse...

A minha solução para escrever fins quando faço contos: escrever na 1ª pessoa e matar-me no fim, acho que ainda nunca falhou xD

Jorge

Rui Bastos disse...

Normalmente também mato ou enlouqueço os meus protagonistas, e acaba-se a conversa, mas começo a sentir que isso é um bocado limitante xD