sábado, 24 de agosto de 2013

O tamanho importa (eheh)


A piadola juvenil do título era demasiado irresistível. Nem tive hipótese. Mas falemos de coisas sérias.

O tamanho de um texto, ou de uma história, se preferirem. Não quero entrar aqui em discussões do tamanho intermédio: todos sabemos a confusão e as opiniões divergentes acerca dos termos "novela" e "noveleta", por exemplo, e das fronteiras entre esses e os contos e os romances.

Para mim é como H.G.Wells diz no prefácio de um livro de contos seus: um conto é uma história que pode ser lida duma assentada, no espaço de uma hora, vá. Depois, dependendo do tamanho, da forma e da própria estrutura de organização interna, podemos ter uma novela, um romance, um pequeno livro, um grande conto... E por aí adiante, não interessa.

Mas embora esta discussão sobre fronteiras e definições seja quase sempre estéril e fútil, o tamanho de uma história é um ponto bastante importante. Não só em termos de definição e classificação da história, que já vimos ser uma tarefa inglória, mas também em termos da própria apreciação do texto em si.

Isto porque há histórias que funcionam bem enquanto contos, contidas num texto pequeno que se leia de rajada, e há outras que apenas impressionam se forem contadas ao longo de 400 ou 500 páginas. É claro que pelo meio aparecem algumas que tanto podiam ser uma coisa ou outra, mas na maior parte dos casos não é isso que acontece.

É impensável, por exemplo, agarrar na história dos calhamaços do Stephen King, como o It e o The Stand, e condensá-las num conto. Ou numa novela. Ou em algo com menos de 600 páginas. O homem é um mestre dos calhamaços, e aqueles livros são bons exactamente por serem os calhamaços que são.

No outro extremo, alguém acredita que os contos de Poe davam bons livros? Nem o desgraçado acreditava muito nisso, que escreveu um pequeno romance e deixou-se disso. Ele escrevia histórias curtas, normalmente fechadinhas e sem grande azo a interpretações manhosas, e que ficavam excelentes assim contadas em meia dúzia de páginas, ou em 10 ou em 15.

Não quero com isto dizer que não seja possível agarrar num conto e expandi-lo num romance. Claro que é possível. Mas acho difícil que o conto nesse caso não seja uma mera fonte de inspiração, ou uma porta de entrada na história, que será necessariamente muito mais complexa ainda que provavelmente menos completa.

Agora, se me vierem questionar sobre os contos/novelas/pequenos romances do Lovecraft, também não sei o que vos diga. Ele tem bastantes que são autênticos pequenos romances, com uma extensão já considerável, mas a estrutura é a típica de um conto, e durante a leitura o que sinto é que tenho um conto entre mãos.

Mas e que importância é que isto tem na leitura? Muita! Não são poucas as vezes em que não me apetece agarrar num livro e prefiro perder-me num conto. Ou que estou a ler um livro de 700 páginas e me apetece fazer uma pausa disso e passar meia hora a ler um conto, com uma história fechadinha sobre si própria, com um claro começo, meio e fim que dê para ler em menos de 1 hora.

E a forma de encarar ambas as leituras é obviamente diferente. Ler as 1300 páginas do It foi uma aventura épica, de cada vez que o abria, mergulhava num universo completamente diferente, perdia-me naquela história e sentia-me completamente envolvido por ela, também graças à forma como King conta as suas histórias, mas não só.

Já se for agarrar um conto, por mais envolvido que me sinta, é mais fácil tornar-me como que num observador a ver a história a desenrolar-se à minha frente e não à minha volta.

Também sinto isso quando escrevo. Um romance ainda vai longe, mas já escrevi vários contos, e normalmente sinto que aquilo está bem assim. As histórias em que pensei são histórias para contos, não dava para tornar num romance. E, por outro lado, tenho ideias apontadas que sei que não vou tornar num conto. É material de livro - ou pelo menos é o que eu acho.

Mestres contistas, mestres romancistas e mestres novelistas (novelitistas, também?) são todos dignos de ser lidos, mas de formas diferentes, em alturas diferentes, e com expectativas e abordagens diferentes. Também depende da mestria de cada um, e isso tudo, mas de uma forma geral é assim que funciona.

O que é que vocês acham sobre isto?

2 comentários:

Jacqueline' disse...

Sinceramente, o tamanho de um livro importa mais para definir a altura em que o vou ler. Nunca, jamais em tempo algum, iria pegar em Anne Karenina a meio de um semestre, porque os livros maiores, mesmo que bem escritos, têm propensão a arrastar-se por mais tempo, porque não há aquela adrenalina de estar quase no final que me leva a ler mais uma página depois de achar que já quero pousar o livro.

Acho, sinceramente, que ainda que só se pense que é preciso grande maestria para escrever livros grandes, isso não é verdade. Para os contos serem cativantes e marcarem uma pessoa, o escritor deve ser muito bom. Porque, como dizes, nos contos não nos sentimos tão rodeados pela história e, talvez por isso, prefira livros um pouco maiores. Não tenho dúvidas no entanto, que existem contos marcantes, como os de Eça de Queiroz.

Rui Bastos disse...

Não podia estar mais de acordo com a segunda parte do teu comentário. E diria mais: muitas vezes um bom conto pode ser bastante mais complicado de se escrever do que um bom livro, mais que não seja porque se tem menos espaço para se desenvolverem espaços, personagens, histórias e ideias.