Autor: José Eduardo Agualusa
Opinião: Depois de ler este livro tenho que me render: venham a mim os escritores luso-africanos! Até agora tinha apenas a experiência de ler Mia Couto (NOBEL! NOBEL! NOBEL!), e Agualusa convenceu-me definitivamente de que não é sorte, há definitivamente aqui um filão a explorar em força.
Para começar, o título. Soa bem, é intrigante, faz sentido, é perceptível e tem várias camadas de simbolismo. Óptimo.
Depois, o narrador. Que é uma osga. Eu e o meu fascínio por narradores agradecemos.
A escrita não é tão fenomenal como a de Mia Couto (NOBEL! NOBEL! NOBEL!), mas é boa, e consegue contar uma história do princípio ao fim sem nunca perder o interesse. Os capítulos curtos e bem feitos ajudam, pois quase obrigam a uma leitura muito rápida, mas a conjugação da escrita e da história contada é realmente o que faz com que a leitura valha a pena.
Ainda há espaço para que as coisas fiquem confusas, e também muito estranhas, mas o fio condutor desenrola-se bem, não fica com nós, e desfia-se num final fantástico, novamente muito bem feito, que me custou um pouco a aceitar, ao início, por parecer demasiada coincidência ao mesmo tempo, mas que depois até é bem explicado.
O protagonista, um albino, é um homem que se especializou em, literalmente, vender passados. Constrói passados semi-fictícios para pessoas que precisam de um melhor, e vende-os. Uma ideia tão simples, e tão eficaz, que só podia acabar em desgraça, como realmente acaba, quando aceita um cliente muito especial e se enamora de uma rapariga muito especial.
No meio disto, o narrador-osga, que afinal é uma pessoa reencarnada e que têm um ligação onírica e telepática com o protagonista. Fascinante? Para lá disso! Fiquei mesmo agradado. Não fosse a confusão que grassa lá pelo meio, tinha ficado completamente rendido ao livro... O que é que querem, boas escritas deixam-me assim.
Vou sem dúvida manter este autor debaixo de olho!
7 comentários:
Tenho que ler esse livro também.
Li "A vida no céu" e adorei.
Muito claro, muito simples e rápido demais a contar uma história.
É a única critica que lhe faço.
:D
Abraço
Francisco Fernandes
Pelo que li do Mia Couto - não muito, mas alguma coisinha - parece-me que há uma dificuldade a esse teu desejo do Nobel. Não sei se as obras dele estão, ou não traduzidas para outras línguas (deduzo que sim), mas aposto que nessa tradução muito do que é inovador e maravilhoso na sua escrita se desmoronará. Os jogos de palavras, a criação de palavras novas a partir de outras já existentes, o mel e a ginga daquelas frases - tudo, afinal, o que é passado à custa da língua portuguesa (no melhor dos sentidos) - é virtualmente insusceptível de tradução.
Mais uma razão para lhe darmos nós o afecto que merece.
Bom, o comentário anterior era meu... fiz um zig em vez de um zag.
SMP, o Mia Couto não tem só brincadeiras com as palavras.
Tem frases por demais lindas como uma mulher só é mulher quando tem um homem consigo, porque antes de haver homem a mulher é apenas uma menina e depois de haver homem é apenas uma viúva...
Tem afinadores de silêncios que sem dizerem nada sentem tudo.
Tem confissões de leoas sublimes.
Tem histórias sobre histórias e tem finais que ligam sempre todas as pontas.
Mostra a cultura moçambicana e os resquícios da guerra enquanto fala da paisagem de Moçambique.
Não percebo porque não pode ser Nobel o Mia Couto...
Francisco Fernandes
Sinceramente, também não sei... Em termos puramente de escrita, se há alguém que eu ache que merece, actualmente, é ele. Mas a SMP tem razão, é complicado... Só que o Francisco também tem razão, há tanto por onde pegar! A ver vamos.
Acho que não me expressei bem; nada do que eu disse tinha como intenção tirar o mérito ao Mia Couto, pelo contrário! Acho é que se perde sempre algo na tradução, e no caso do Mia Couto perde-se mesmo muito. Qualquer tradução que se faça dele, não lhe vai fazer jus. Se ainda assim será suficiente para lhe alcançar um Nobel, bom, não faço ideia (não é como se o único critério fosse a qualidade literária...). Mas sei que quem o agraciasse com um Nobel tendo-o lido só noutra língua teria perdido parte da beleza dos seus textos.
Há escritores que pendem mais para a forma, outros para o conteúdo, outros conjugam magistralmente ambos; acho que o Mia Couto cabe claramente nesta categoria, que é, aliás, a que mais me agrada como leitora. Mas as traduções (e portanto, inevitavelmente, os Nobel) favorecem a segunda categoria, porque a forma perde sempre mais que o conteúdo em qualquer tradução. E, por grande que seja a excelência, é sempre finita, e por isso temos de a gastar entre forma e conteúdo numa relação de proporcionalidade inversa... qualquer investimento na forma está tão estreitamente ligado à língua que, sendo uma homenagem de amor, é sempre um passo de renúncia em relação à universalidade.
Agreed. Mas talvez haja por aí um tradutor bom o suficiente para isto :)
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