Um dia destes estava num centro comercial, descansado da vida, mais a minha namorada. Depois de jantarmos, e ao saírmos da zona dos restaurantes, demos de caras com uma situação que nos chocou ligeiramente: uma criança, com não mais que 3 anos, estava a jogar num tablet enquanto os pais comiam, conversavam, e a ignoravam.
A primeira coisa em que pensei foi: "raça dos putos, já nascem a saber mexer nisto tudo". Sim, sou um puto novo, mas lembro-me perfeitamente de quando um computador era algo que o meu pai usava e que tinha um ar estranho.
Pois é, sou novo, sou novo, mas sou duma geração intermédia que descobriu essas tecnologias quando elas estavam na pré-adolescência. A novidade efusiva já tinha esmorecido, mas ainda era algo muito longe de cumprir plenamente o seu potencial.
Como tal, desenganem-se, eu não nasci a mexer em computadores, e posso dizer que não havia smartphones e tablets no meu tempo. Ah!
As minhas primeiras aventuras com computadores foram desastradas, no mínimo, e o meu momento de maior glória foi conseguir guardar todos os meus textos da altura num conjunto de disquetes!
(o fascínio por disquetes mantém-se, já agora)
Mas voltando ao miúdo com talento para tablets, a segunda coisa em que pensei foi numa reportagem da TVI, se não me engano, que passou há uns dias, relativamente extensa e muito claramente desastrada, em que se falava exactamente destas coisas: putos e tecnologias.
Em defesa da reportagem, gostei da tentativa de ouvir os dois lados, e de pelo menos tentar ser imparcial e objectiva. Infelizmente estamos a falar da TVI, um sítio onde o bom jornalismo abunda tanto como elogios à arbitragem num jogo de futebol.
Os dois casos apresentados de que me lembro, apesar de aparentemente antagónicos, são igualmente idiotas e prova de pais irresponsáveis.
Num, uma mãe castradora (ou pai igualmente castrador, não me lembro) fez questão de deixar bem explícito que as filhas jogavam no tablet e iam à internet uma quantidade de tempo limitada, obedecendo a certas regras, e sempre sob a supervisão de um adulto.
No outro caso, um jovem casal faz o seu melhor para ser fixe e moderno, mas responsável, e explicam que não proíbem, mas mostram alternativas melhores. Que o miúdo estar no tablet funciona como distracção e não lhe faz mal nenhum, desde que tenham cuidado para não ficar vidrado.
Vamos ao primeiro caso. Nem vale a pena discutir muito. Acho que já está mais do que comprovado que demasiadas restrições "porque sim" não dão bom resultado. E num caso destes vai criar mais vontade de brincar no tablet.
O segundo caso é mais subtil, mas é praticamente igual ao caso do miúdo que vi no centro comercial, só que disfarçado. Resume-se num simplista "mantém o puto distraído, portanto deixa-o brincar com isso à vontade".
Ambas as posições são perigosas e, do meu ponto de vista, erradas. Por um lado a ideia que existe sobre o efeito pernicioso dos tablets, dos computadores e da internet, é mais do que errada. Essas tecnologias são bodes expiatórios dos maus pais, nada mais, porque na prática são brinquedos e ferramentas como as outras.
Qual é o problema dum puto passar quatro horas a jogar no tablet? Eu chegava a casa depois de almoço e ficava deitado na cama a ler até ao jantar. E nunca ninguém me proibiu de ler. Porque é que uma coisa é aceitável e a outra não? Acreditem que eu, como defensor acérrimo de tudo o que tenha a ver com leituras (excepto o Pedro Chagas Freitas e a Chiado "editora"), prefiro um livro a um tablet, para mim ou para qualquer pessoa! Mas não é obrigatório.
Às vezes também me divirto mais, em certas alturas, a jogar qualquer no telemóvel do que a ler mais dez páginas. Já vos oiço a dizer que a leitura estimula o intelecto e o cérebro, e é verdade, e é muito melhor do que jogar o que quer que seja, mas isso não quer dizer que jogar seja estupidificante.
Já jogaram Cut the Rope? Ou Two Dots? Ou Minesweeper3D? Experimentem e vejam se não desenvolvem o intelecto! É claro que jogar Fruit Ninja, ou aqueles jogos de vestir e maquilhar, estupidifica um bocado, mas na literatura por cada Mia Couto há um André Amaral, e por cada Fahrenheit 451 há um livro do José Luís Peixoto. Coisas más e coisas boas, nos livros, nos filmes, nos jogos e na tecnologia.
Sabem qual é que é o problema? Nunca ninguém me deu um livro, ou me pôs a ler para ver se eu parava quieto ou ficava calado e não chateava. Nunca li durante as refeições com outras pessoas. E nunca me arrancaram um livro da mão, nem o deixaram na mesa à minha frente e disseram "não, não, agora vês televisão connosco".
Eu sei bem que pode não ser assim tão simples, e que há perigos associados às tecnologias, especialmente à internet, que pura e simplesmente não existem nos livros, mas permitam-me a ligeira generalização. Vocês percebem o que eu quero dizer e percebem as nuances que ficam por clarificar.
Os miúdos daquela reportagem, assim como o que eu vi entretidíssimo com o tablet, sofrem do mal de não verem os tablets como mais um brinquedo, ou mais uma actividade, mas sim como O brinquedo e A actividade. Aquela coisa que podem fazer se se portarem bem. Ou se se portarem demasiado mal.
No meu tempo davam-se doces para o primeiro caso, e chupeta para o segundo. Hoje passa-se um tablet. De quem é a culpa? Da maldita tecnologia? Dos filhos tão perigosamente viciados que até já querem definir o "abuso de internet" como um distúrbio mental? Não.
É dos pais. Os maus filhos estão é a ser educados por maus pais, que preferem o facilitismo da tecnologia a terem trabalho. Deixem-se é de tretas, deixem os miúdos brincar à vontade, dêem-lhes atenção e ensinem-lhes boa educação. Eu não me saí mal e "perdi" muitas das minhas horas de infância activamente a não ir para a rua brincar, nem a andar sempre aos pulos que nem um chimpanzé a andar sobre carvão em brasa. Porque é que os miúdos de hoje hão-de ser diferentes?
5 comentários:
Eu ainda percebo que miúdos de três, quatro e cinco anos não possam pegar simplesmente num livro.
Mas onde andam as figuras de acção e as barbies? Onde andam os action man's e os nenucos? Será que a criativade das brincadeiras infantis está a começar a ser logo erradicada assim que nascemos?
É que, ainda hoje, tudo aquilo que escrevo é muitas vezes influenciado pelas minhas primeiras brincadeiras com power rangers e afins...
O próprio GRRM admite que foram os soldadinhos de plástico que o levaram a treinar a sua criatividade.
O que acontece quando os pais se desresponsabilizam de educar os próprios filhos? Mas também "percebe-se" : É tãooo chatoo!!!
Abraço
FBF
Mas não há nada de errado em despertar a criatividade com um tablet! Desde que seja um brinquedo como os outros. Não digo que tenha de jogar os joguinhos de tablet, mas são tão adequados como os bonecos com que brincámos, desde que bem usados. Se oferecermos uma caixa de soldadinhos de chumbo e ensinarmos os miúdos a encenarem genocídios hitlerianos, não vai ser bom. É preciso é saber o que se está a fazer... Agora que o problema é dos pais, que passam a responsabilidade para o aparelho mais próximo? Sim! Da mesma forma que o é para quem deixa os miúdos brincar com bonequinhos à mesa, ou sei lá. Muda o brinquedo, mas vai dar ao mesmo.
Vamos lá discutir :P :
Acho que um tablet, assim como estes smartphones que nos controlam por todo o lado, têm o condão de nos agarrar (vidrar) a uma área muito específica da nossa vida.
O facto de todos nós, nomeadamente portugueses, sermos obrigados a focar-nos num ponto muito limitado da nossa vida - quando aquilo que devíamos era sim tentar motivar o pensar fora da caixa (não só do telemóvel e do tablet), a criatividade e músculos afins - assusta-me um pouco.
As correntes da Alegoria da Caverna tanto podem ser de ferro como a luz azul que sai dos aparelhos tecnológicos; agora a caverna, essa sim, só pode ser a ignorância crescente, a falta de perspectiva e a limitação da criatividade e do engenho.
Chama-me antiquado, teórico da conspiração, etc... o que a mim me assusta muito neste mundo é a viciação gradual da humanidade na tecnologia nos dias que correm. Não digo que a tecnologia (da roda até ao smartphone) não seja importante. É. No entanto, a constante dependência de visores, da luz azul, de dados e metadados e afins é algo que me assusta. Até os campeonatos de videojogos me assustam... já existem queixas de dopping!!!!
Retirando a parte da evolução das comunicações, toda esta tecnologia não me parece que esteja a servir para evoluir. Está sim a tomar lentamente conta de nós. Dou-te um exemplo: Sempre escrevi no microsoft word; sempre estive habituado a pagar a versão inicial com o computador e, agora, de um momento para o outro, mesmo com a necessidade de renovação anual, estou viciado no word. Preciso dele para trabalhar, preciso dele para escrever... como podemos passar sem uma coisa que antes era... nossa?
Ainda para mais, esta tecnologia toda não produz qualquer riqueza energética. Antes pelo contrário, apenas esgota os recursos de estanho do terceiro mundo, com os chineses a consumirem por ano mais telemóveis do que arroz...
E quanto à nossa musculatura? Já viste o "esforço" muscular que era preciso para escrever à máquina e a forma como hoje até o mindinho consegue escrever este post num telemóvel touch? Sem treino e esforço, a força muscular no corpo perde-se. Mais um argumento para encolhermos os ombros como escravos sem força própria...
Ah! E quanto às malditas conversas de café em que está um a falar e o outro no telemóvel? Até se criou um novo hábito de má educação...
Por isso, em vez de jogarem às bolhinhas no tablet, acho melhor uma criancinha a brincar às corridas com carrinhos ou às guerras com soldadinhos, visualizando uma paisagem no tapete da sala ou um precipício em cima de uma mesa enquanto brincam. Ajuda à criatividade. E os livros então nem falo. Tenho muito a agradecer à Isabel Magalhães e à Isabel Alçada por terem escrito Uma Aventura no Egipto...
Pronto, estão aqui os meus argumentos.
Abraço
FBF
http://www.azlyrics.com/lyrics/mikethemechanics/thelivingyears.html
Esses argumentos são um bocado dúbios. Concordo com algumas coisas, principalmente com as novas formas de má educação, mas nem é um problema da tecnologia, é um problema dos pais e de quem o faz. A tecnologia pode facilitar, certo, mas apenas da mesma forma em que ter facas em casa facilita que mates alguém.
Todos esses outros argumentos que usas contra a tecnologia, tenho que, na melhor das hipóteses, concordar até um certo ponto. Sim, está-nos a tornar mais sedentários. Sim, cria novas necessidades, e por aí fora. Mas essas coisas não são mas per se. O problema são sempre as regras e a forma como usamos as coisas. Ou também queres abolir todos os transportes excepto bicicleta, patins, cavalos, trotinetes, skates e burros, para nos mantermos mais activos e termos mais tempo para introspecção numa viagem de um sítio para o outro? Estou a exagerar, eu sei, mas compreendes? O mundo evolui, e com ele, evoluímos nós.
Podes argumentar, como os linguistas dizem sobre a língua, que dizer que evoluímos é muito forte, porque isso pressupõe algo melhor. Que nós mudamos. Seja. Mas e depois? O surgimento dos livros, e dos papiros e do hábito da escrita e da leitura deu cabo das nossas capacidades de memorização, uma vez que já não precisamos de decorar as histórias que nos contam, podemos simplesmente lê-las. A existência de calculadoras deu cabo da nossa capacidade de fazer cálculos mentais. E por aí fora.
O problema destas novas tecnologias é que já estamos num ponto em que elas evoluem mais depressa do que aquilo que nós mudamos, e já não somos capazes de lidar tão bem com isso. Demoramos demasiado tempo a perceber como funcionam as coisas, e quando já as dominamos, já vamos demasiado tarde para impôr regras: os vícios e os maus hábitos estão lá, e às vezes são vistos como normais.
Esta é uma discussão que já tive várias vezes com várias pessoas, que insistem em pôr as culpas nas tecnologias, e o comentário da pco69 é relevante para isso. A minha lista de contra-exemplos continua a aumentar: vamos abolir os antibióticos, que dão cabo das nossas imunidades intrínsecas?
E atenção, eu concordo completamente contigo quanto à superioridade de livros e outros brinquedos face a um jogo no tablet, mas como alguém que passou grande parte da sua infância, adolescência e ontem a jogar GameBoy/PS/Nintendo/PC, digo-te que essas coisas me fizeram bem. Era um bocado viciado, e ainda sou capaz de me perder durante horas num jogo qualquer, se estiver para aí virado, mas nunca deixei de ler, nem de escrever, nem de ter boas notas na escola, nem de socializar, nem nada, excepto, talvez, exercício (e agora sou castigado com excesso de peso e potencial de doenças cardíacas no futuro, que é para aprender).
E o que dirão as pessoas de gerações anteriores à minha, quando esses jogos não existiam? Que eu devia era ir para a rua brincar com carrinhos, ou à bola, ou ir estudar mais, ou ler, ou conversar com alguém, ou sei lá. Não o fiz. Sou pior pessoa por isso? Mais burro? Mais incapaz de alguma coisa? Acho que não.
(a minha social awkwardness é intrínseca)
Para terminar deixa-me dizer que agradeceres o que quer que seja à Isabel Alçada, faz-me espécie :p
Abraço!
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