Uma das coisas que mais gosto de fazer é aprender línguas. Além do óbvio português, já sinto o inglês como uma segunda língua, e ando a dar os primeiros passos no alemão. Sei as bases muito bases do mandarim, sei algumas palavras em francês e italiano, e não costumo ter problemas a perceber castelhano.
Mas ler, ainda só leio em português e em inglês. E já noto diferenças significativas. Torna-se fácil de perceber que nos chamem um país de poetas (embora sejamos muito claramente um país de contistas), já que a nossa língua se dá tão facilmente a tantos malabarismos líricos. É possível brincar com o tamanho e o ritmo da frase de uma forma que é impossível em inglês.
Essa língua, mais utilitária, preza as frases curtas e mais directas. O português é construído de metáforas e outras figuras de estilo. É de facto mais fácil escrever poesia em português do que em inglês, já que as nossas frases são tão mais flexíveis do que as dos ingleses/americanos/por-aí-fora.
Nem sequer quero imaginar a desgraça que é traduzir de uma língua para a outra. De inglês para português até pode ser só acrescentar mais pontos finais e parágrafos, mas fazer o caminho inverso é pedir um bilhete para a loucura. Não deve ser fácil para o pobre tradutor que tem de decepar e subdividir algo que, provavelmente, vai deixar de ter o efeito que era suposto.
Mas se há algo que me interessa ainda mais, é falar sobre as línguas que conheço mal. É uma coisa um bocado misteriosa. Como será ler em alemão? Os meus instintos dizem-me que será uma leitura com mais ênfase nas coisas importantes e muito pouca paciência para tudo o resto. E em italiano? Os meus instintos dizem-me novamente que deve ser algo mais melodioso, que jogue imenso com o ritmo.
Só que eu sei lá. E nem quero imaginar como é que um estrangeiro percepciona leituras portuguesas. Muito provavelmente com o mesmo ar com que eu ficaria depois uma leitura em grego: perplexo. Deve ser algo tão completamente alienígena que nem consigo imaginar. No entanto é algo que considero essencial para realmente perceber um livro. Não só lê-lo na sua língua nativa, como estar relativamente à vontade com a língua.
Ler Saramago ou Pessoa ou outro autor lusófono qualquer, mas traduzido para inglês, por exemplo, deve ser uma experiência bem diferente. Claro que a mensagem e o sentido daquilo que se conta passa, se calhar até melhor do que na nossa língua, mas fica a faltar o ritmo, as brincadeiras com as palavras, os tiques sintácticos que nos são tão próprios...
E a mesma coisa para ler inglês (ou outra língua qualquer) traduzida para português. "Once upon a midnight dreary" nem sequer soa bem, quando traduzido, e é o início de um dos poemas mais famosos e mais valorizados da língua inglesa , The Raven, de Edgar Allan Poe.
Não é fácil. E tanto considero um factor importante, o de ler numa língua ou noutra, que ler encaro a leitura de um livro em duas línguas diferentes quase como dois livros diferentes. Já o fiz algumas vezes, e para mim é mesmo como estar a ler um livro diferente.
Portanto torna-se fácil de perceber qual é uma das minhas razões para querer aprender uma série de línguas que não lembram a ninguém, desde o latim e o grego, ao russo e outras que tais. Quero experienciar certas obras na língua em que foram escritas.
Dito isto tudo, e como nota final, fica um grande apreço da minha pessoa pelos tradutoras e pelos tradutores por esse mundo fora, que têm a tarefa ingrata de traduzir o intraduzível, e ainda ouvir os leitores a queixarem-se!
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