segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Os Lusíadas


Autor: Luís de Camões
Tradutor: não tem, mas quase que precisei!


Opinião: É a terceira vez que leio este livro. Eu sei que sou louco, não se preocupem. Mas além de gostar genuinamente da obra, que é um dos pináculos máximos da nossa Literatura, não é difícil de descobrir novos significados e novos pormenores com cada leitura. Especialmente quando se parte para essa mesma leitura com perspectivas diferentes.

Reparem: da primeira vez que li isto estava no décimo segundo ano, e quis ter uma noção da obra como um todo para a analisar melhor em aula; da segunda vez foi por causa de uma iniciativa aqui no blog, a Temporada Épica, durante a qual me propus a ler uma série de epopeias; esta terceira vez também foi inserida numa temporada temática, mas desta vez a massiva Lusofonices, e num contexto de outras obras que têm ligações com este épico (A Mensagem, de Fernando Pessoa e Uma Viagem à Índia, de Gonçalo M. Tavares).

Sou um tipo que gosta de se divertir.

No entanto não vale a pena fazer de conta que adorei a leitura. É que desta vez decidi fazê-la numa edição fac-símile da primeira edição, em 1572 (!), o que significa que tive que sobreviver ao português de há quinhentos anos. Não foi uma tarefa nada fácil. Desenganem-se. Custou bem mais do que aquilo que eu estava à espera.

Nem sequer consegui acompanhar a narrativa de forma decente. Também estava mais interessado em apanhar as simbologias e os significados, e a partir de certa altura fiquei fascinado com as diferenças para o português actual (usavam a letra beta, com os alemães, em vez de 'ss'!), mas a verdade é esta: a escrita afastou-me do conteúdo e fez-me focar na forma.

O que, só por si, não é propriamente mau. Afinal, estou a falar de um dos livros mais tecnicamente perfeitos da história da Humanidade. E já conheço a(s) história(s) bem o suficiente, graças às minhas leituras anteriores e ao estudo semi-forçado de há quatro ou cinco anos.

Querem saber o que é que encontrei? Além da já mencionada mestria em manipular a língua portuguesa, encontrei uma camada muito subtil de alguma coisa debaixo de toda a crítica, sátira e de todo o nacionalismo. Não é algo que seja facilmente identificável, mas pareceu-me ter um tom auto-acusatório direccionado ao povo português.

Não, não é o Velho do Restelo, um símbolo para a mentalidade retrógrada e simplista que ainda domina a opinião pública nos dias de hoje, nem é a comparação do povo português real com Vasco da Gama e sua armada, símbolos do grandioso povo português. É algo mais do que isso. É quase vergonha, e uma visão racional e surpreendentemente actual das coisas, como se Camões dissesse, por exemplo, "sim, há deuses a conspirar contra nós, mas também há deuses a conspirar a nosso favor".

Os Lusíadas, para mim, nesta terceira leitura, pareceu-me um longo discurso contra a passividade que nos tem sido tão natural enquanto povo (a minha ex-co-autora aqui no blog, a Alice, vai adorar isto). A narrativa não é só efabulada, é altamente exagerada e enaltece os nossos actos durante os Descobrimentos de forma descabida. Parece um nacionalismo do mais exacerbado possível, mas não é esse o tom. Não são dez cantos a dizer "VASCO DA GAMA RULZ", nem nada que se pareça.

É antes a história do que acontece se condensarmos o povo português num homem e respectiva armada. Faz-se a pergunta, em termos simples, "e se nos deixássemos de coisas e trabalhássemos com um objectivo comum?", e responde-se, em termos complicados mas com tradução simples, "levávamos tudo à frente!". E no entanto não o fazemos agora, nem o fazíamos na altura, aparentemente.

Até podíamos ser considerados um dos maiores e mais poderosos povos de todo o Mundo, mas o nosso Império está no dicionário à frente da expressão "em cima do joelho". Desta perspectiva, a Ilha dos Amores, mesmo perto do fim do livro, não é uma recompensa, é uma distracção. Depois de tudo o que construímos, distraímo-nos, e panhonhas como somos, acabamos o livro com um tom novamente repreensivo.

Talvez não seja a leitura mais óbvia, mas foi a ideia com que fiquei desta vez. Nem sequer é muito fácil de explicar, eu sei. Mas pensem nisso.

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