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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Conversas Imaginárias 2015


Devido às obras na Biblioteca de Telheiras, este ano não foi possível haver Fórum Fantástico. Mas o Rogério Ribeiro e o João Campos, incapazes de estarem quietos, lá se esforçarem para trazer um mini-evento em substituição. Estas Conversas Imaginárias, que pelo que percebi, já se tinham feito noutros anos.

O resultado foi positivo. O espaço partilhado entre a livraria Fyodor e o Café Ideal foi pequeno para tanta gente que lá apareceu de início e que lá esteve durante boa parte da tarde, mas chegou. O único defeito foram mesmo os problemas de som, já que sem microfones, com barulho de pessoas aleatórias a comprar livros na Fyodor, tornou-se difícil ouvir certas partes das conversas.

No entanto foi bom ver António de Macedo a falar bem como sempre, e a anunciar livros e filmes como se fosse um jovem, apesar da saúde fragilizada. Só por isso valeu a pena!

As três conversas, Universos Partilhados, O Fantástico e o Real, e Iniciativas em Comunidade foram todos muito interessantes, com convidados como Luís Filipe Silva, João Barreiros, o já mencionado António de Macedo, David Soares, Carlos Silva pela Imaginauta, o responsável da H-Alt, a Liga Steampunk, Ricardo Lourenço pelo Projecto Adamastor, e João Campos, Artur Coelhos e Cristina Alves a juntarem-se a João Barreiros para a já habitual sessão de recomendações que dura mais do que devia.

Pelo meio houve ainda tempo de se venderem os primeiros exemplares da Colecção Barbante, que inclui um conto meu, muito convívio e muitas conversas entre partes de uma comunidade que gosta de se chatear consigo própria, mas que não resiste a estes momentos de autêntica confraternidade.

Pela minha parte comprei livros recomendados pelo Luís Filipe Silva e editados pelo João Barreiros (A Pegada, de Larry Niven e Jerry Pournelle, ambos os volumes) e um livro aprovado por Rogério Ribeiro (Under Heaven, de Guy Gavriel Kay), recebi uns marcadores impressos em 3D pelo professoris excepcionalis Artur Coelho (duas Enterprise e um Dalek, para partilhar com a namorada) e conheci amigos virtuais (Luiz, foi um prazer).

Uma tarde bem passada, e a prova de que basta esta malta juntar-se que acontecem coisas porreiras.

sábado, 11 de abril de 2015

Mais fácil do que uma crónica [5]


Foi-se um dos grandes. Ainda não lhe li nada, mas tenho o The Colour of Magic muito próximo na lista, numa edição fantástica. Para quem não conhece Terry Pratchett, querem saber quão grande era? Reparem aquiaquiaqui, aqui e aqui. O homem deve ter sido um dos poucos escritores a gozar de tanta unanimidade no respeito e na admiração. E não se preocupem, que ainda há um livro novo para sair em Setembro.

Mas pronto. Avancemos, que é o melhor. Aliviem o luto e espreitem coisas interessantes como esta pequena BD, que é das coisas mais hilariantes (e tocantes) que encontrei nos últimos tempos.

Depois percam algum tempo a maravilharem-se com esta entrevista que o David Soares fez ao António de Macedo. É uma autêntica delícia divida numa, duas, três partes.

E para terminar (tenho mais coisas, mas não tenho muito tempo para as apresentar como deve ser), não percam a última iniciativa da Imaginauta, a Biblioteca Fantasma. Estou a gostar da vitalidade desta iniciativa, que insiste em apresentar coisas novas, diferentes e originais. Incansáveis!

Desta vez é tudo, prometo para a próxima tentar fazer algo mais completo. Mas só naquela entrevista de Soares a Macedo já têm pano para mangas...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A Sombra Sobre Lisboa [2/3]


Autores: Rogério Ribeiro, Safaa Dib, Luís Filipe Silva, João Henrique Pinto, David Soares, João Seixas, António de Macedo, Rhys Hughes, José Manuel Lopes, Fernando Ribeiro, Yves Robert, Vasco Curado, João Ventura, João Barreiros
Tradutor: João Henrique Pinto (para o conto do Rhys Hughes)


Opinião: Continuando a opinião a este livro, está na altura de falar de O elefante e o cavalo, de David Soares. O conto é muito estranho, como seria de esperar, e tem uma escrita muito boa, bonita mesmo. Tem a felicidade de ser duma fase deste autor em que ele ainda não caía no exagero que lhe aponto nas suas obras mais recentes.

O começo é das coisas mais arrepiantes que li nos últimos tempos, assim como o aproveitamento e aportuguesamento dos mitos lovecraftianos, também é muito interessante. Tudo neste conto cativa, e os pormenores são fascinantes, como os Miri Nigri, criaturas horríveis que nascem desdentadas e que portanto usam cacos de vidro e pedaços de madeira e pregos cravados nas gengivas para fazer de dentes. Fascinante!

No entanto, e apesar de tudo isto, acho que a parte da conclusão deixa muito a desejar. É que é tudo muito interessante, mas também demasiado ambicioso. De tal forma que no fim a história cede sob o seu próprio peso, e preciso de todo um capítulo no fim altamente explicativo, para que tudo faça sentido. E não fica a fazer!

A seguir vem As sombras sobre Lisboa, de João Seixas, que é um autêntico festival de arcos narrativos. Ou melhor, de personagens. Mas é importante é notar que uma das personagens é nem mais nem menos que Eça de Queirós. Sim, esse Eça de Queirós. E que bem retratado que está!

Todo o conto é bastante agradável, especialmente a escrita, apesar de alguns momentos menos felizes - "o jardim para onde a coluna de granito era vomitada" - em que parece esforçar-se demasiado. No entanto, como já disse, Eça é uma excelente personagem, assim como Fradique, imponente e praticamente um herói de acção. E a história envolve zombies! Voodoo! Ctulhu e R'lyeh! Assassínios! Mistério! Traições! Tanta coisa!

A partir de certa altura, infelizmente, só consigo sentir-me assoberbado com tanta coisa. O conto tenta acompanhar tanta coisa que se torna demasiado disperso. Não deixa, no entanto, de ser uma boa leitura!

Depois vem António de Macedo. Vénias se faz favor. Muito bem. O título é A Dama do Espelho Negro e é um conto incrível, como sempre. A escrita não é a melhor que já lhe li, mas é boa, e ao início fiquei honestamente espantado, sempre que virei uma página, ao aperceber-me da capacidade do conto em manter-me interessado, apesar de ser tão dolorosamente expositivo.

Um espelho misterioso e uma intriga retorcida, é tudo o que o Macedo precisa. Mas nem este fantástico autor consegue escapar a um fim desapontante para este conto, demasiado confuso para o meu gosto. A mestria com que conta a história, no entanto, é qualquer coisa de especial.

Arroz de Abominação é uma pequena batota neste livro que incluo na minha temporada temática actual, Lusofonices, pois não foi escrito por um autor lusófono, mas sim por Rhys Hughes (de quem consegui um autógrafo, neste livro, graças ao Fórum Fantástico!). Mas façamos de conta, sim?

Deliciosamente irónico do princípio ao fim, todo o conto é muito bom, e termina da melhor forma possível. Acho espantoso que este conto tenha sido o mais profundamente português de toda a antologia! Eu estou com vontade de vos contar o que se passa, para além da caricatura de Lisboa com embaixadas secretas dentro de embaixadas secretas que ficam dentro de embaixadas secretos no interior de embaixadas secretas, que nem sei. Só lendo, mesmo!

Para terminar (por hoje) há As Confissões de Walter Reis, de José Manuel Lopes, do qual gostei, mas que sofre um bocado por ser uma memória, a história fica demasiado parada, por vezes. Mas este é um conto excepcional, pois consegue a impossível tarefa de escrever Lovecraft sem ser propriamente um conto de terror.

Toda a atmosfera e a história é muito atípica no meio desta antologia, pois isto é claramente Lovecraft, desde a estrutura aos temas abordados, mas não há terrores inomináveis nem desgraças inolvidáveis: há, isso sim, uma certa leveza e frescura que me deixou, como já disse, honestamente surpreendido. Vale muito a pena!

E pronto, como podem ver a minha opinião melhorou. Continuo a encontrar vários problemas, mas alguns são coisas pequenas, mais embirranço, em dois ou três casos, do que outra coisa qualquer. Por esta altura só tenho é de referir o excelente trabalho da Saída de Emergência em reunir esta antologia, que não é perfeita, mas me enche as medidas!

sexta-feira, 2 de maio de 2014

A Conspiração dos Abandonados

Autor: António de Macedo


Opinião: Li há relativamente pouco tempo outro livro de contos deste autor, do qual fiquei com a melhor das impressões. Antes disso li um conjunto peculiar de peças de teatro que me impressionou de certa forma. E como é público, tenho António de Macedo de pedra e cal no meu panteão de pessoas a idolatrar/venerar. Aliás, gostava de aproveitar esta opinião para vos incitar a dar um empurrão ao documentário sobre a sua obra cinematográfica. Podem ver os detalhes no link.

Por isso é com pena que digo que este livro é meramente mediano. Os contos ("Neogóticos", como diz na capa) são seis e têm o ponto a favor de terem um elo de ligação bem claro, salvando este livro do marasmo de livros-de-contos-só-porque-sim que grassam por essas prateleiras fora.

Fã de contos como sou, confesso que este pormenor me deixa bastante satisfeito. Se há coisa que gosto de ler é um livro destes, de contos, mas com um tema central. Os contos não precisam de estar directamente relacionados, nem sequer precisam de ser do mesmo género, mas se existir esse ponto em comum... Oh!

Aqui, ele existe. Infelizmente isso é a melhor característica do livro, juntamente com as ocasionais passagens de fazer cair o queixo. Nenhuma das histórias é particularmente boa e estão recheadas de inconsistências ou, pelo menos, de pormenores que quebram a "suspensão da descrença" (suspension of disbelief, no original).

Os diálogos artificiais e excessivamente expositivos são apenas um desses pormenores, que nem sequer são bem pormenores: acabam por se tornar problemas graves. As personagens com reacções pouca naturais, os acontecimentos em catadupa sem as consequências normalmente expectáveis, e toda uma sensação geral de... falso.

Sim, toda a ficção é falsa, por definição, mas não é isso. Ler ficção, para mim, consiste em acreditar numa série de mentiras como se a nossa vida dependesse disso, depois de sabermos que são mentiras. "Suspensão da descrença". Um sinal de que um livro é bom, e de que um autor fez bem o seu trabalho, é quando se fala das personagens como se fossem pessoas, ou se discutem eventos da narração como se fossem as mais recentes notícias.

Em A Conspiração dos Abandonados, e apesar da mestria de Macedo (em tudo o que faz), isso não acontece. Eu bem tentei, mas a esta sensação a falso não me largou nem por um segundo. Nunca me consegui ligar às personagens, nunca consegui relacionar nada com os acontecimentos e nunca senti estas histórias da mesma forma que sinto uma boa história.

O primeiro conto ainda é capaz de ser o melhor contado, e foi uma boa abertura, com direito a plot twist nas últimas linhas. A partir daí foi mais ou menos sempre a descer, e embora nenhuma conto seja propriamente mau, também não são propriamente bons. Nota-se sempre um tom quase académico. Demasiado académico! A narrativa não flui naturalmente e as histórias não se desenvolvem como deveriam: a trama avança aos solavancos, com duas páginas de descrições secundárias seguidas de um parágrafo a avançar o enredo.

No entanto é uma leitura agradável. Não tão agradável como poderia ser, e com problemas gritantes não só a nível das histórias, como da escrita (já lá vou), mas agradável e interessante.

Agora, antes que me esqueça, eu não sei se foi tudo escrito às três pancadas, ou se os revisores estavam todos de folga, mas a pontuação deste livro está má. Muito má. Nem sequer é uma questão subjectiva de "acho que ficava melhor sem essa vírgula", mas sim uma constatação do mais objectiva possível.

Ultrapassando isso, só é preciso deixarmos que Macedo nos guie nas suas histórias sobrenaturais, que roçam frequentemente a ficção científica e que fazem algo que me deixa fascinado. O autor consegue dar dicas de ficção científica no meio de uma história repleta de magia e de fantasia afim, sem nunca dar a entender o que se está realmente a passar. Seres incorpóreos de outro plano de existência, ou aliens? Era bom saber, não era?

Enfim. Digamos só que aconselho a leitura, mas com calma, moderação e espírito crítico. Provavelmente é mais fácil ignorarem um pouco a pontuação e lerem como se sentirem melhor. Mas podem ter a certeza que aconselho!

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Que as citações nos caiam em cima [45]


"Aprecio a tua boa vontade, mas não sei se chegarei ao fim do que tencionas dizer-me. Os meus pés já começam a parecer-se com pingos de orvalho cristalizados pela friagem de muitos Invernos. O meu estômago deve estar com tantos buracos como o de Sócrates ao acabar de beber a cicuta, sinto os afiados ventos do norte atravessarem-me o tubo digestivo de lado a lado. As mãos (se é que ainda são minhas) já não as reconheço como mãos: são cãibras que se congelaram perpetuamente em feitio de garras mortas."

A noiva vestida de nuvens
António de Macedo

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O limite de Rudzky

Título: O limite de Rudzky
Autor: António de Macedo


Opinião: Tinha este livro à espera desde a Feira do Livro do ano passado, e o facto de ter conseguido um autógrafo do autor durante o Fórum Fantástico serviu de incentivo para o empurrar mais para a frente da fila.

Terminada a leitura dos 3 contos que contém, não consigo evitar pensar nas tremendas pérolas que posso ter escondidas nas prateleiras "a ler"... É que este livro é fantástico, absolutamente fantástico.

Já esperava que fosse qualquer coisa de especial, tendo em conta o que conheço do autor (ainda que só lhe tenha lido O Sangue e o Fogo), mas confesso que superou largamente as minhas expectativas, por uma razão muito simples: a escrita.

Seja a contar que história for, Macedo consegue escrever de uma forma excepcional. Fiquei seriamente embasbacado e impressionado. Nas peças de teatro que li anteriormente esse aspecto não era tão visível, mas aqui é límpido e cristalino como a água da montanha.

O primeiro conto é O limite de Rudzky, uma história bem contada que consegue fazer uma ligação interessante entre os fenómenos físicos, químicos, biológicos, fisiológicos e psicológicos, de tudo o que existe, e o sobrenatural. Sem querer revelar muito, talvez devam pensar duas vezes sobre como funciona a electricidade...

Ainda por cima é um conto essencialmente sobre ciência. Matemática, física, trotinetes voadoras, detectores de neutrinos, há de tudo um pouco, em conjunto com temas mais sobrenaturais que adicionam um certo véu de mistério e de imprevisibilidade que cai muito bem com o resto da história.

Depois vem A noiva vestida de nuvens, bastante mais complicado de ler do que o conto anterior, de tal forma está revestido de simbolismo e noções herméticas e ocultistas e sei lá. O que é interessante é que ainda assim conseguiu causar um profundo efeito em mim.

A escrita, incluindo os diálogos, é trabalhada e complexa sem se tornar propriamente densa, e tudo soa a artificial, de certa forma, especialmente os diálogos, muito pouco naturais, mas a voz do autor consegue causar uma impressão de tal forma intensa que tudo encaixa na perfeição. Aqui já há inspirações lovecraftianas, e uma série de conceitos brutais, como o "dialecto flamejante":

"[...] deixou cair no lume o manuscrito original, e imediatamente uma espectacular chuva de luzes, sons e cores referveu das páginas prodigiosas, que se enegreceram e encarquilharam sob a acção do fogo sem sofrer todavia maior dano do que essa superficial deformação. Um outro discípulo teve a instantânea e feliz ideia de transcrever os sons musicais que retiniam enquanto as chamas abrasavam o manuscrito; um terceiro copiou a sequência de luzes e cores irradiadas durante o fantasmagórico processo. [...] teve uma revelação súbita e vislumbrou o código que relacionava os terríveis símbolos do «dialecto flamejante» com a sequência anotada de cores e sons musicais."

Por fim há Perpetuamente Perpétua, que além de ter um bom título, é o mais longo e possivelmente o melhor, embora eu tenha muita dificuldade em escolher. Só sei que por ser mais longa, acaba por ser mais estruturada e trabalhada, e a aldeia perdida no meio do nada, onde uma rapariga doente vai passar umas férias com os avós, é o cenário semi-idílico perfeito para o enredo convoluto de Macedo.

Com mistérios do oculto e companhia limitada ao virar de cada esquina, Perpetuamente Perpétua é uma história surpreendente: as personagens aparecem com várias idades, cruzando-se e comunicando consigo próprias, há uma voz retumbante e misteriosa pertencente a um mensageiro do fogo, e a própria Perpétua, ora mulher de meia idade, ora jovem virginal de 18 anos, ora idosa de rugas vincadas, a personagem central (não a protagonista) do conto e uma das personagens mais intrigantes que encontrei na minha vida.

Macedo consegue assim, num diálogo entre mistérios iniciáticos, comunhão com a Natureza e tudo aquile que uma aldeia destas perdida num canto solarengo de Portugal tenha de típico, construir um conto fabuloso que me deixou a salivar por mais, mas que conseguiu ter um fim bastante definitivo e satisfatório.

No geral, um livro excelente. Caso ainda não tenham percebido, é um livro a ler e um autor a conhecer. Estão à espera de quê? Siga!

sábado, 8 de dezembro de 2012

O Sangue e o Fogo

Título: O Sangue e o Fogo
Autor: António de Macedo

Sinopse: Prepare-se para uma viagem fantástica que começa nas ruínas da lendária Khalôm, cujas ruas eram percorridas pelas almas dos mortos porque um terrível sortilégio impedia o acesso às regiões celestes a quem morresse dentro das suas muralhas; uma viagem que continua com o choque entre os fanáticos rigores da Inquisição e as acções de bruxas que assolam uma vila no Alentejo; uma viagem que termina com um professor que capta as frases ditas por Jesus um mês antes da sua crucificação e que podem abalar os pilares em que assentam os principais dogmas da Igreja.

Opinião: Tenho pena de ter lido este livro nesta altura. Para o conseguir apreciar como deve ser, tenho que ter tempo para o ler calmamente e fazer pesquisa, para ser capaz de apreender tudo aquilo que António de Macedo tenta transmitir através da sua escrita e das suas histórias.

É que a escrita é impecável. As 3 peças de teatro (sim, teatro) têm histórias interessantes e, passe a repetição, surpreendentemente surpreendentes. A primeira, O Osso de Mafoma conseguiu apanhar-me desprevenido e dar umas reviravoltas quando eu já não esperava que tal fosse possível. A segunda, A Pomba, de longe a minha favorita, também teve alguns momentos em que fiquei de boca aberta. E por fim, A Nova Ilusão, que não é de todo a mais espectacular, mas que talvez seja a que tem a premissa mais louca, apesar de ser a que tem menos intervenção do sobrenatural.

Todas as 3 peças falam sobre vários assuntos como o amor, a obsessão, a morte e a religião, mas é especialmente sobre esta última que se concentram as atenções. Em O Osso de Mafoma há um amor impossível estilo Romeu e Julieta, com religiões em vez de famílias, mas com um início trágico e um fim... Bem, logo dão por ela. Passada ainda antes do ano 1000, é interessante ver o cuidado com que o aspecto histórico foi tratado, nomeadamente (e isto é um ponto comum a todas as 3 histórias) as mentalidades das pessoas da altura.

Curiosamente foi a peça mais antiga a que mais me interessou. A Pomba foi escrita foi em 1984, um ano antes de A Nova Ilusão e seis antes de O Osso de Mafoma, e passa-se já em plena época de Inquisição. Como já disse, foi a peça que mais me agradou, possivelmente por ter o fim mais... estranho e ao mesmo tempo espectacular, quase épico, ou talvez por ser simplesmente a que mais se adequa aos meus gostos. Fala de bruxaria, do fanatismo Cristão, da hipocrisia e do preconceito, sem descurar o amor, ou a falta dele. Gostei particularmente do facto da história se situar exactamente em cima duma linha bastante ténue e difusa que separa o real do Fantástico, deixando-nos a questionar me qual dos lados se situa definitivamente, mesmo após o final aparentemente óbvio.

E nesse aspecto fez-me lembrar um pouco o que sinto quando leio Agatha Christie, só que em vez de pensar que alguém é culpado de algo, deu para ficar a pensar sobre se o que estava a presenciar era magia ou não. Numa página, "Ah, isto foi claramente bruxaria!", e na a seguir "Espera, se calhar não, esta explicação faz sentido...". Nesse aspecto, genial.

Por fim, A Nova Ilusão é o que explora de forma mais intensa o fanatismo religioso de uma forma geral, usando uma facção do Cristianismo em Portugal como representante. Ou talvez tenha sido uma crítica intensa e específica ao Cristianismo em Portugal, pois bem vistas as coisas, o autor já sofreu bastante por causa dos seus filmes, polémicos e que nunca agradaram particularmente à Igreja.

De qualquer forma, a premissa é absolutamente louca, embora eu já a tenha visto algures. Não sei bem onde, sei apenas que a ideia base não é uma ideia completamente nova: a de usar utensílios feitos há muitos anos para ouvir sons dessas épocas. A ideia é simples e faz algum sentido, nomeadamente em peças de barro, feitas na roda do oleiro, com o auxílio de instrumentos metálicos que podem ter sido ligeiramente afectados pelos sons em redor, deixando irregularidades microscópicas na superfície que podem depois ser "ouvidas", via aparato tecnológico. Esta parte em si nem é assim tão louca, tendo em conta a pessoa que supostamente é ouvida através desta técnica, e o que ela diz...

Mas como disse no início, por muito que tenha gostado do livro, e em particular de A Pomba, tenho noção que houve muita coisa que me escapou. Preciso de pesquisar e de ler com uma enciclopédia gigantesca sempre ao lado, tal é a erudição e a cultura que este escritor passa para o papel. O que me leva à última coisa que quero dizer, que é deixar aqui bem assente qual é uma das partes mais interessantes de todo o livro: a introdução, prefácio, ou o que lhe quiserem chamar. António de Macedo é uma daquelas pessoas que dá gosto ouvir falar, como eu comprovei no Fórum Fantástico do ano passado, tal é intensidade com que o conhecimento emana da sua pessoa, e comprovo agora que consegue escrever como fala! Fiquei fascinado, como é óbvio.

O Sangue e o Fogo é então um bom livro, com potencial para ser um mais do que excelente livro, assim que eu o consiga ler com a atenção e as pesquisas adicionais que ele merece. Fica a vantagem de ficar a conhecer a escrita deste grande senhor e a vontade de ler e ver muito mais coisas do cineasta feito escritor que é um homem de cultura em todas as suas vertentes.