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segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Conversas Imaginárias 2015


Devido às obras na Biblioteca de Telheiras, este ano não foi possível haver Fórum Fantástico. Mas o Rogério Ribeiro e o João Campos, incapazes de estarem quietos, lá se esforçarem para trazer um mini-evento em substituição. Estas Conversas Imaginárias, que pelo que percebi, já se tinham feito noutros anos.

O resultado foi positivo. O espaço partilhado entre a livraria Fyodor e o Café Ideal foi pequeno para tanta gente que lá apareceu de início e que lá esteve durante boa parte da tarde, mas chegou. O único defeito foram mesmo os problemas de som, já que sem microfones, com barulho de pessoas aleatórias a comprar livros na Fyodor, tornou-se difícil ouvir certas partes das conversas.

No entanto foi bom ver António de Macedo a falar bem como sempre, e a anunciar livros e filmes como se fosse um jovem, apesar da saúde fragilizada. Só por isso valeu a pena!

As três conversas, Universos Partilhados, O Fantástico e o Real, e Iniciativas em Comunidade foram todos muito interessantes, com convidados como Luís Filipe Silva, João Barreiros, o já mencionado António de Macedo, David Soares, Carlos Silva pela Imaginauta, o responsável da H-Alt, a Liga Steampunk, Ricardo Lourenço pelo Projecto Adamastor, e João Campos, Artur Coelhos e Cristina Alves a juntarem-se a João Barreiros para a já habitual sessão de recomendações que dura mais do que devia.

Pelo meio houve ainda tempo de se venderem os primeiros exemplares da Colecção Barbante, que inclui um conto meu, muito convívio e muitas conversas entre partes de uma comunidade que gosta de se chatear consigo própria, mas que não resiste a estes momentos de autêntica confraternidade.

Pela minha parte comprei livros recomendados pelo Luís Filipe Silva e editados pelo João Barreiros (A Pegada, de Larry Niven e Jerry Pournelle, ambos os volumes) e um livro aprovado por Rogério Ribeiro (Under Heaven, de Guy Gavriel Kay), recebi uns marcadores impressos em 3D pelo professoris excepcionalis Artur Coelho (duas Enterprise e um Dalek, para partilhar com a namorada) e conheci amigos virtuais (Luiz, foi um prazer).

Uma tarde bem passada, e a prova de que basta esta malta juntar-se que acontecem coisas porreiras.

sábado, 1 de agosto de 2015

Entrevista? A mim? A sério?


Pois é, esta revista online brasileira, a Nonata, entrou em contacto comigo para me entrevistar, enquanto blogger, sobre releituras. Podem ver as respostas aqui.

Um obrigado à Nonata, em especial ao Jáder Santana, que foi quem me contactou, e um apelo a que sigam esta iniciativa, da qual talvez ainda tenham notícias da minha parte!

(Sei que é um recomeço um bocado curto, depois das mini-férias do blog, mas já é qualquer coisa!)

sábado, 13 de junho de 2015

Feira do Livro 2015 e os Impérios do Mal


Bem-vindos! Os mais distraídos ficam a saber que não só a Feira do Livro já começou, como está prestes a acabar! Há anos em que até costumo avisar e fazer publicidade e isso tudo, mas isto está cada vez mais complicado... Portanto ficam com este aviso para lá passarem entre hoje e amanhã, que já não é mau.

Vamos agora às queixas. Isto da Feira do Livro é uma coisa muito engraçada, com cada vez mais editoras (e a Chiado, também), e gosto de lá ir comprar livros e tudo, mas aquilo é uma desgraça autêntica. Um tipo olha para o mapa e fica com vontade de chorar: bastam três grupos editoriais para preencher quase metade da Feira. Porto Editora, Presença, e o Império do Mal por excelência, a Leya.

Análise de mercado não é propriamente uma das minhas especialidades, mas parece-me óbvio que isto não é bom. Ainda por cima quando é fácil de perceber a falta de escrúpulos destes grupos. São autênticos Golias empresariais que sugam pobres Davids para dentro da sua estrutura livreira e os reconvertem às suas práticas. Uma espécie de Romanos ao contrário.

"Bah, estás a exagerar!"

Ai estou? Digam-me onde anda a colecção azul de FC da Caminho? E os Saramagos sem capas ridículas? E os Argonautas? Onde? Nos alfarrabistas?

Pois é.

E estes são só os casos de que me lembro. E não serão os últimos. Acreditem em mim, isto só vai piorar. Os afluentes editoriais destes Impérios do Mal parecem continuar relativamente independentes, mas não se deixem enganar. Mais dia menos dia e tornam-se indistinguíveis uns dos outros.

(e vou ignorar completamente o facto da Chiado ter uma das maiores zonas da Feira, nem sequer ter na ideia que alguém considera aqui alguma coisa, eu não a deixava ir para lá, ainda para mais para ter aquela caixa ridícula de "deixe aqui o seu manuscrito")

Enfim. Vamos deixar estas coisas para outra altura e passar a falar de livros. Reparem outra vez na foto lá de cima e observem as minhas fantásticas compras. Quero que comecem por notar nos três volumes de História das Ciências que comprei por dois euros cada, e que validam o meu certificado de nerd até ao próximo ano. Depois reparem no King Kong, que me custou outros dois euros, e que valida o meu certificado de geek até ao próximo ano.

Agora o bicho que mais se destaca: A Voz do Fogo, de Alan Moore, que só me custou cinco euros e para o qual me ando a babar há anos. Nem vou comentar, venha ele!

O que sobra? Algo que me deixa muito orgulhoso: quatro livros de autores portugueses, sendo que dois são BD's! Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa vai-se tornar um clássico, não tenho dúvida alguma, e portanto não podia deixar de o ter nas minhas estantes. O Batalha, do David Soares, era olhado com expectativas altíssimas, e agora com umas expectativas mais baixas, mas ainda é um livro deste autor que sempre me deixou interessado. Fábula cuja protagonista é uma ratazana ateia? É que falamos bem.

Por fim, Cidade Suspensa, de Penim Loureiro, e O Baile, de Nuno Duarte e Joana Afonso. O primeiro livro tem um ar fantástico e promete recorrer ao imaginário Fantástico português de uma forma que me deixa muito curioso, e o segundo, enfim, vem das mãos de um dos meus argumentistas portugueses preferidos, e é ilustrado por uma das minhas artistas portuguesas preferidas. É que mal posso esperar!

E com isto tudo, não comprei um único livro que tenha custado mais de dez euros. O total nem chega aos cinquenta! Provavelmente ainda vou comprar mais qualquer coisa (Afonso Cruz, estou a olhar para ti), mas não gasto muito mais.

Da vossa parte, não se deixem intimidar pelas Impérios do Mal e ataquem. Passem na Feira do Livro e percam tempo a procurar e a folhear, que encontram-se coisas muito, muito boas.

sábado, 30 de maio de 2015

Estantes Emprestadas [17] - "Comunicado"


A crónica deste mês é especial. Talvez seja melhor descrevê-la como peculiar, já que desafiei, nem mais nem menos, do que a malta da Imaginauta, chefiada pelo Carlos Silva e o Vítor Frazão. Por entre várias iniciativas, o objectivo deles é estimular a escrita e a leitura de ficção especulativa. Por cá tenho tentado ajudar, com divulgação em primeira mão de sinopses do livro que depois comprei e li, Comandante Serralves: Despojos de Guerra, que tem contos muito bons e cria um universo partilhado muito interessante; e com a participação na iniciativa natalícia Operação Livros no Sapatinho, que teve direito não a uma, não a duas, mas a três respostas! Isto para além da divulgação que vou fazendo das suas várias iniciativas. Eu bem tento, que se há projecto que merece, é este!

Por agora fiquem com a minha parte do desafio, que esforcei-me. A resposta há-de surgir nas proximidades.



*início de gravação*

Está a gravar? Isto está... Raios parta a gerigonça, está ou não? Onde é que eu meti as instruções... Hum... Aqui... Deixa ver. Carregar aqui, ali, já está, se estiver a luz acesa, está a gravar. Ah!

Desculpe lá isto, mas ainda não me entendo com o hologravador Bem, não interessa. Estou-lhe a enviar esta mensagem porque hoje apareceu um sujeito na minha banca a vender-me uns livros que achei muito estranhos. Aliás, o sujeito também era bastante estranho, e nunca sequer o tinha visto por estas bandas.

Comprei os livros para os manter debaixo de olho, mas ele ainda me disse que depois me arranjava mais. Antes de lhe conseguir perguntar alguma, desapareceu. Esteve o tempo todo com um capacete que não deixava ver-lhe a cara e que devia ter um modulador de voz.

Mas pronto, vamos ao que interessa. Já enviei os livros para o seu gabinete pelo comutador quântico que mandou instalar aqui no meu armazém. De qualquer forma, são os seguintes. "Intermitências da Morte", de um José Saramago, tem um aspecto muito estranho, muito simples, sem grandes desenhos, e pelo que folheei, parece ter texto muito denso.

Há também um muito, muito estranho, um "Terrarium", de João Barreiros e Luís Filipe Silva. Nem sequer percebo como podem duas pessoas escrever o mesmo livro, na altura em que isto foi publicado ainda não existiam osciladores de matéria... Mesmo agora, para fazer alguma coisa assim era preciso ser-se um génio!

O último é o mais chocante. "V de Vingança", de Alan Moore, quase não tem texto. Está é recheado de imagens. Para lhe ser sincero, este assustou-me mais do que os outros. Ainda se as folhas fossem ecrãs orgânicos ultra-finos, mas não, são só imagens estáticas. Nem lhe mexi mais.

Aquilo que acho mais estranho é estarem imaculados, apesar de terem séculos de idade. Por favor diga-me como proceder.

E agora onde é que se desliga isto? Hum... Deve ser aq...


*fim de gravação*

http://imaginauta.net/

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

A Sombra Sobre Lisboa [1/3]


Autores: Rogério Ribeiro, Safaa Dib, Luís Filipe Silva, João Henrique Pinto, David Soares, João Seixas, António de Macedo, Rhys Hughes, José Manuel Lopes, Fernando Ribeiro, Yves Robert, Vasco Curado, João Ventura, João Barreiros
Tradutor: João Henrique Pinto (para o conto do Rhys Hughes)


Opinião: Se já viram este livro, já sabem que tem um aspecto gigante e apetecível. O grupo de autores aqui reunido é excepcional, e o tema é fantástico: contos lovecraftianos em Lisboa. Andava eu apenas a recolher autógrafos neste bisonte, que nem é meu, durante o Fórum Fantástico, quando tanto o Rogério Ribeiro como o Luís Filipe Silva me impingiram a leitura dos contos deles.

Como raramente recuso um desafio, ainda por cima um que envolvia criticar os dois mentores da Oficina de Escrita, parti para a leitura! Ou melhor dizendo, parti para a leitura depois de muito admirar o livro, porque esta é uma edição da época áurea da Saída de Emergência, com ilustrações fantásticas, uma boa capa, uma excelente organização, enfim, de deixar água na boca.

Depois disso, sim, comecei a ler. E nada melhor para abrir o apetite do que O Primogénito, do Rogério Ribeiro. Vocês nem imaginam o quanto esfreguei as mãos enquanto ria de forma maníaca, quando vi que era este o primeiro conto. Finalmente, a vingança contra o bad cop da Oficina! Muahahahahahah!

Entretanto passou-me e comecei a ler, sossegado. Reparo então que o conto tem deuses, de vários panteões. Estás a ir bem Rogério, penso eu. A escrita é boa, e o começo deixou-me logo curioso. Poucas coisas conseguem ganhar a um concílio de deuses bem feito. No entanto este concílio acaba por não ter grande relevância para o desenvolvimento da história, o que é uma apena. Leva pontos de bónus pelo aparecimento de Nyarlathotep, perturbador e um verdadeiro momento de terror lovecraftiano.

O conto no geral acaba por sofrer de ser demasiado vago, característica que culmina no fim, do mais vago possível. E aqui o defeito é por causa de um meio-termo: o conto devia ter sido mais longo, para ter mais explicações para a quantidade enorme de elementos que apresenta, ou mais curto, para deixar o leitor completamente às escuras e com medo de apagar a luz. Não deixa de ser um bom conto, e se eu estava à espera de vingança, tive azar!

A seguir vem O Vale de Sombras, da Safaa Dib que, confesso, não sabia que escrevia. É uma história interessante, mas com um princípio discreto e que descamba rapidamente. A intriga não é muito consistente, e o conto obriga-nos a passar muito tempo com uma série de personagens que depois praticamente não têm relevância para a história.

Para piorar ainda vem um final risível, com revelações sobre uma das personagens que não fazem muito sentido e que são mal feitas. Salva-se a escrita, que é boa, especialmente nas descrições, apesar dos erros e das gralhas que fazem parecer que o texto nem foi revisto, um mal que também afecta alguns dos outros contos...

Depois vem Aquele que repousa na eternidade, do Luís Filipe Silva, e o meu riso maníaco decide regressar. Desapontado por não ter grande coisa por onde chatear o Rogério pelo seu conto, aparece-me um do outro mentor da Oficina de Escrita. Só que quer dizer... Isto não é um conto, é uma autêntica novela! Tem mais de oitenta páginas!

Mas não faz mal, eu já sei que gosto da escrita dele. Infelizmente, e embora aqui esteja bem, não está com aquela qualidade deslumbrante que encontrei no Terrarium, e o enredo desenrola-se muito, muito lentamente. Ainda na última sessão da Oficina, no fim de semana que passou, eu comentei como as histórias lovecraftianas têm que ser lentas e intensas e ligeiramente sufocantes logo desde o início, mas esta novela arrasta-se demasiado. E é uma pena, porque tem momentos brilhantes, como a revelação do nome das personagens - não digo mais que isso - e a utilização do Necronomicon, por exemplo.

As sequências oníricas são das mais interessantes, muito bem feitas, mesmo, e não posso deixar de mencionar a quantidade de sangue acima da média ao longo destas oitenta páginas. E eu é que sou o sanguinário! Mas depois uma das linhas narrativas, nomeadamente a que decorre no passado mais distante, demora demasiado a fazer sentido, ou melhor, a cumprir o seu propósito. Talvez tenha sido culpa da extensão exagerada da história, mas senti-o mais marcadamente com essa parte do que com as outras.

Outra coisa que podia estar melhor são as ligações entre as várias linhas narrativas, que são tudo menos óbvias. O estilo lovecraftiano já é denso o suficiente, a adição dessas ligações simbólicas (ou não) só pode acontecer de forma mais explícita do que aquilo que o Luís fez. No fim, o "conto" fica um pouco aquém, mas talvez as expectativas de quem leu o Terrarium sejam vagamente injustas, porque a verdade é que gostei bastante de acompanhar a história e fiquei fascinado com alguns dos momentos!

O conto seguinte é Um dia no cárcere, de João Henrique Pinto, curto e intenso, com um bom começo a uma ilustração no mínimo perturbadora. A descrição dos vários métodos de tortura faz impressão a qualquer pessoa, e há um bom aproveitamento de Hitler e dos nazis e das suas ilusões causadas por histórias dos Great Old Ones de Lovecraft.

No entanto o conto divaga um bocado e perde o interessante. Utiliza bem a cidade, é verdade, talvez a melhor utilização até este ponto, e a escrita não é má, mas a história acaba por ser demasiado... meh.

A ideia geral até aqui é a de uma antologia com potencial e uma qualidade acima da média, mas que se mantiver exactamente o mesmo registo, vai ficar muito aquém. No entanto, tenho confiança!

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Que as citações nos caiam em cima [53]


"O sonho seria como qualquer outro sonho: seria belo e cor-de-rosa, seria perfumado, iluminado; seria inocente, formoso, sedutor. Seria, acima de tudo, falso."

O futuro à janela
Luís Filipe Silva

O futuro à janela


Autor: Luís Filipe Silva


Opinião: Primeiro queria dizer que tenho este livro autografado. Depois, que conheço pessoalmente o Luís Filipe Silva (LFS), graças à Oficina de Escrita da Trëma. Ele é um dos mentores (o outro é o Rogério Ribeiro) e tem sido uma presença quase constante nos encontros, que já vão no seu segundo ano. Como tal, ele tem criticado a maior parte dos textosque escrevi neste último ano e meio.

Chegou a altura da vingança.

Mas não vou ser mau, claro. Ele também não o é, e eu sei que gosto da escrita dele, mais que não seja porque já o li no Terrarium. As suas ideias também são fascinantes: sempre que chega a vez dele de criticar algum texto nas sessões da Oficina, todos ouvem com o máximo de atenção, porque ele sabe do que fala.

Daquilo que tenho vindo a conhecer dele, posso dizer que o LFS é um escritor com uma noção clara do que significa ser escritor e um conhecimento académico sobre o processo de escrita. Por outras palavras: o tipo percebe do assunto.

Não é, portanto, de estranhar, que logo a começar pela introdução deste livro, um texto em defesa do conto e da FC, este O futuro à janela me tenha agradado. É possível ver nesta introdução o típico raciocínio claro do LFS e a sua subtil, mas acirrada, veia provocatória. Muito bom começo!

Os contos, a maior parte deles relativamente curtos, são outra história. Há alguns verdadeiramente bons, e outros que nem por isso.

O primeiro é Dois estranhos, um encontro, e é demasiado curto. Parece mais um excerto do que outra coisa. Gostava de ler a história maior, saber mais pormenores, enfim, ver o Infante e D.João II no futuro. É que este pedaço, em que apenas se percebe que estas duas personagens foram levadas para o futuro, é interessante e altamente hilariante, mas pouco satisfatório. Assim, ainda que bem escrito, não se torna num conto nada de especial.

Embaixadores da boa vontade, ou Contacto! é excelente. A história de como um alienígena invasor nada pode contra um bêbedo, uma mulher zangada e um gato, é muito engraçada, graças ao humor impecável que o LFS demonstra. O conto é extremamente curto, mas isso é uma vantagem, neste caso.

Depois vem Os poetas da rua, que é composto por onze pequenos textos que me fizeram lembrar as Cidades Invisíveis de Calvino, mas com autores. Não é uma má leitura, mas não me conseguiu cativar. Pareceu não ter propósito nem contar uma história.

Em La Nausée II, um dos títulos mais curiosos desta colectânea, o que temos é um diário íntimo, estranhamente cativante, de um escritor que está a escrever o “livro do milénio”, seja lá isso o que for, durante a transição de 1999 para 2000. O relato é fragmentado e a sequência não é muito linear, mas torna-se interessante acompanhar os devaneios do tipo.

O Fernando Pessoa electrónico é um dos melhores contos deste livro. A ideia é fascinante logo à partida: um simulacro de Pessoa conversa com um tipo e acaba por se declarar real, dizendo que o tipo e companhia é que são os simulacros, num final deliciosamente irónico de uma conversa muito interessante que põe à prova os ditos do próprio poeta.

O conto seguinte é provavelmente o que mais me impressionou. Pequenos prazeres inconfessáveis é uma história arrepiante, violenta e perturbadora. Embora haja muito sangue (nunca mais me chamas sanguinário, ah!), a violência, a tortura e o incesto nunca são gratuitos e fazem sempre sentido dentro da narrativa. São bem descritos e utilizados: tanto o sangue e as tripas como o sexo e a volúpia estão soberbos. Há alguns momentos descritivos verdadeiramente fenomenais, o enredo é bom, e a estrutura, a dois tempos, é qualquer coisa de especial. Eu até tenho receio de contar alguns pormenores da história, que não quero estragar potenciais leituras que alguém ainda possa fazer, mas digamos que há um pai peculiar, uma miúda peculiar, e várias histórias de amor peculiares.

Logo de seguida aparece O jogo do gato e do rato, que consegue estar ao nível do conto anterior. É incrível a capacidade de contar esta história, de passar tanta informação em tão pouco espaço, com uma estrutura narrativa tão simples. Fez-me lembrar o Youth do Asimov, de certa forma. Para terem uma ideia, está-se a gravar um filme, e há criaturinhas ridículas, bípedes, com todo o aspecto de serem pessoas, que são consideradas mais ou menos como gado dispensável. Os humanos aqui são uma espécie de cavalos que não sente qualquer remorsos em matar as criaturinhas ridículas durante a gravação do filme, para adicionar realismo à coisa. No meio disto tudo há algumas partes mais confusas, que não deixaram perceber bem alguns dos pormenores, mas tirando isso... muito bom!

Série convergente, por seu lado, é um conto todo ele extremamente confuso. Não percebi nem metade. Apenas consegui captar uma ideia geral do enredo, a existência duma femme fatale, tipos enganados, um golpe informático e uma explosão que não conseguiu salvar a história. A estrutura é demasiado confusa e acaba por se perder demasiado nesses meandros.

Depois vem Também há Natal em Ganimedes, um título curioso para um conto curto e optimista, mas sem grande história. Ou melhor, sem grande acção. Há, isso sim, o vislumbre de um mundo maior e mais interessante, que gostava de ter conhecido. Os Andarilhos, criaturas gigantescas criadores de atmosfera, são interessantes, mas não o foco deste conto essencialmente... natalício.

Quase a chegar ao fim, lá apareceu um conto de que não gostei mesmo nada, A última tarde. Muita construção do background e pouca história, que ainda por cima avança sempre de forma demasiado subtil.

O penúltimo conto, felizmente, é fantástico. Criança entre as ruínas é triste, muito triste, mas está tão bem escrito que até dói. É sem dúvida um dos melhores contos que li, e em que a FC toma um papel relativamente e provavelmente enganadoramente secundário, para  que a história de Artur, e a de Liliana, sejam realçadas. Gostei.

Por fim lá aparece aquele toque de experimentalismo e loucura que me deixou de pé atrás. Ala anima é mais ou menos poesia, acho eu. As únicas coisas de que tenho a certeza é que é muito estranho e que não me agradou.

Durante a leitura foi fácil de captar ideias e raciocínios que reconheço como sendo típicos do LFS. Em A última tarde foi o processo: porque não fazer?, porque é que alguém não faz?, porque é que eu não faço?, e que é interessante encontrar aqui de forma tão explícita.

Outra coisa em que reparei, e que é muito mais interessante, é que o estilo é parecido ao de João Barreiros em termos de poder de síntese e da soberba imaginação. A capacidade de construir um mundo num parágrafo e de o explicar nos detalhes e nos pormenores, de forma subtil, mas eficaz.

A diferença é que se Barreiros é duro, seco, sarcástico e IN YOUR FACE, o LFS é calmo, pacífico, sensível e até subliminar. A essência é a mesma que a de Barreiros, mas com mais... diplomacia.

Como se deve ter percebido, foi uma leitura de que gostei e que fiz de rajada. A curiosidade para ler algo do LFS era muito e ficou satisfeita. Apesar dos percalços que encontrei pelo caminho, tenho que classificar este livro como bastante bom e andar à procura de mais coisas para ler. Já tenho alguns contos debaixo de olhos, e que não perdem pela demora.

Por agora é tudo. Não posso dizer muito mais, apenas que na comunidade portuguesa de fãs de Fantástico, por entre quezílias e discussões académicas que descambam invariavelmente em combates de “eu sou mais metafísico que tu, toma toma toma”, acho que as pessoas andam a perder o objectivo inicial, que é ler e escrever coisas decentes. Como é o caso deste livro. Se alguém ainda não leu, que o procure, pois é uma antologia daquele que é, definitivamente, um dos mestres da FC portuguesa.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Terrarium: Um romance em mosaicos

Título: Terrarium: Um romance em mosaicos
Autores: João Barreiros e Luís Filipe Silva

Sinopse: Cada um deles - João Barreiros e Luís Filipe Silva - já foi publicado sob responsabilidade da colecção Caminho Ficção Científica, em livros que se pode dizer marcantes. Sem favor. E pessoais, bem diversos. Agora, revelam-nos uma brilhante ousadia ao escreverem um vasto livro a dois: Terrarium: Um romance em mosaicos. Complexa, veemente, entusiástica, esta obra tem, além do mais, um fôlego e um ímpeto pouco frequentes. Os autores conseguem manter vozes próprias que ecoam nos capítulos sem se misturarem por completo. Terrarium é realmente um mosaico colorido que forma uma espécie de mural, ou, talvez melhor, azulejos que aparecem e desaparecem, que seduzem e enganam, que aumentam ou diminuem, num resultado móvel e caleidoscópico. Em constante movimento, portanto. Com tudo isto, não será exagerado acrescentar que este livro intrigará e, no mínimo, divertirá qualquer leitor. Até ao fim - até as alternativas finais.

Opinião: Este livro é um livro especial. João Barreiros é um autor que me fascina e surpreende a cada obra que leio, e embora não tenha lido praticamente mais nada de Luís Filipe Silva, conheço-o pessoalmente graças à Oficina de Escrita Fantástica da Trëma, e tenho por ele um grande respeito e admiração.

Se já namorava este livro só por ter sido escrito por João Barreiros, graças aos últimos meses o facto de também ser um livro de Luís Filipe Silva apenas serviu para me aguçar o apetite até dimensões descomunais, sem que nada do que até agora foi mencionado tenha o que quer que seja a ver com as opiniões que eventualmente vou dar mais à frente. Seriam as mesmas se me fossem autores completamente desconhecidos.

Andei com o título na mente durante meses, sempre a contar o tempo que faltava para fazer o último teste e o ir buscar à biblioteca. E assim foi: dia 20 fiz o meu último teste este ano, dando assim por terminado o 2º semestre do 2º ano, e no Sábado aproveitei a sessão da Oficina na Orlando Ribeiro para o ir requisitar.

Juro que já há algum tempo que não ficava tão excitado por ter um livro nas mãos. A ansiedade de o abrir e de o devorar era tanta, mas tanta, que nem vos passa pela cabeça.

Claro que aproveitei para mostrar o livro ao Luís e dizer-lhe que o ia ler. Ele riu-se e aconselhou-me, em traços largos (ele que diga horrores do meu conto na próxima sessão da Oficina se estiver a mentir), que devia ter juízo em vez de andar a ler estas coisas.

A única coisa que isto fez foi dar-me ainda mais vontade de ler o livro. Por nenhuma razão em especial, acho que nesse dia até a viagem de autocarro até casa me deu mais vontade de ler o livro. Eu queria era lê-lo.

Surpreendentemente não o li tão depressa quanto esperava. É um livro grande, é verdade, mas com as ânsias com que eu estava, e com o que fui gostando do livro, devia tê-lo devorado em 2 ou 3 dias, mas levei mais ou menos uma semana.

A explicação que encontro é a enorme complexidade do romance, que é de facto um romance em mosaicos, intrincado e contorcido sobre si próprio, com 5 novelas a constituírem o corpo principal da história, antecedidas por um prólogo fantástico e cativante, e seguidas de 3 alternativas finais que são, no seu conjunto, uma das formas mais curiosas e fantásticas de se acabar um livro e fechar um enredo.

Como já devem ter percebido, a história tem demasiados detalhes e é pura e simplesmente demasiado complexa para que qualquer resumo que eu vos dê lhe faça jus, mas fiquem com esta ideia: é uma luta entre várias raças alienígenas, com alguma da tecnologia tão avançada que chega a parecer magia. Um confronto entre humanos e as Potestades, com IXyitil sempre à espreita e vulpis, volpex, simulatrix, kreepos, inteligências artificiais e tantas outras raças e seres que seria tarefa inglória tentar nomeá-las.

O que interessa é que um milhar e qualquer coisa de raças foram semi-capturadas e empurradas para a Terra, selando todas essas espécies numa espécie de terrarium gigantesco. Depois há porrada, há sangue e tripas, há momentos carregadíssimos de acção, há show-off de tecnologia de ponta e um enredo extremamente complicado em que quase nada do que parece, é.

Nem vos posso revelar tanta coisa quanto isso sobre a história. Mas posso falar-vos da escrita, que é muito boa, de uma forma general. Não vou arriscar dizer que consegui ver quem é que escreveu que parte, pois não conheço suficientemente bem a escrita de nenhum dos autores, mas há claramente duas vozes a contar esta história: uma, mais brutal, rápida e directa, sem tempo nem paciência para floreados, e que desconfio ser a do João Barreiros, é a mais comum ao longo do livro; mas também se vê uma escrita mais calma, mais pausada, mais dada a ligeiras divagações, mais "bonita" em termos de estilo, e que se coaduna muito bem com a imagem que tenho da escrita do Luís Filipe Silva.

Caso ainda não tenham percebido, delirei com este livro. Foi daquelas obras para a qual eu tinha expectativas muito altas, e que não só correspondeu a tudo o que eu imaginava, como ainda ultrapassou isso tudo!

Objectivamente falando, não é o melhor livro que já li, e tem algumas falhas em termos de conjugação dos dois estilos, e de ritmo, e da forma como a informação é dada e apresentada, mas isso também faz parte das suas características.

É um livro complexo, ainda por cima com referências e homenagens (revistas Pulp? Comics?a várias outras obras de ficção científica que eu não apanhei na totalidade, de certeza, que quando tem hipótese de simplificar as coisas e deixar o leitor mais dentro de tudo o que se está a passar, faz um mortal encarpado à retaguarda e BAM!, vai-te lixar leitor, pões a mioleira a trabalhar e é se queres. Nesse aspecto é sublime.

E subjectivamente falando tenho apenas a dizer que caso alguém me pergunte qual é o meu livro favorito, finalmente sei o que responder.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Brinca Comigo!

Título: Brinca Comigo!
Autores: David Soares, João Barreiros, João Ventura, Luís Filipe Silva

Sinopse: Divirta-se, viaje e surpreenda-se com estas estórias fantásticas, forjadas na imaginação de quatro dos mais conceituados e inventivos escritores do género em Portugal, e que tiveram como ponto de partida aquele que é talvez o mais fascinante de todos os objectos: o Brinquedo. Ou haja quem nunca tenha experimentado os mundos maravilhosos que irresistivelmente se nos abrem a seus pés!

Opinião: É sempre agradável encontrar um livro à venda que já se pensava impossível de encontrar. Foi o que aconteceu com esta (abençoada feira do livro da estação de metro do Oriente) pequena colectânea de 4 contos, que inclui 2 dos meus escritores favoritos: João Barreiros e David Soares.

Não quero desprezar os outros dois autores, atenção. Só que de João Ventura não conheço quase nada, e apenas recentemente tive noção de quem era o Luís Filipe Silva, co-autor do Terrarium, que ainda tenho que encontrar, juntamente com o João Barreiros, e de outras histórias de ficção científica, editor de antologias e tradutor, além de outras actividades dentro da literatura, especialmente da ficção científica.

Interessante, mas quer dizer, João Barreiros! David Soares! Alguém que acompanhe as minhas opiniões deve ter noção do fascínio que tenho por estes 2 escritores. Mas vou tentar não descair muito para o lado de fã excitadinho.

Ora bem, o primeiro conto é precisamente Brinca Comigo!, que dá o título à antologia. É um conto interessante que eu já tinha lido em Se Acordar antes de Morrer, sobre um futuro distópico em que os brinquedos se agregaram numa Horda em busca de um alvo final. O ambiente é negro, a história é negra e as personagens são brinquedos... Foi para mim o melhor conto destes 4, digam lá que não estão interessados?

Passando a David Soares, o que é que acham que se pode esperar de Um erro do Sol? Definitivamente o conto mais estranho, sangrento e perturbador. Este homem escreve Horror com H bem grande. Tudo começa de forma muito inofensiva, com um brinquedo estranho, e descamba de forma bastante.... à là Soares, ainda que ligeiramente previsível. Se isso significa que este conto classifica este livro como "de certeza não aconselhado para estômagos fracos"? Completamente.

Mas para descansar um pouco, aparece A Boneca, de João Ventura, o conto que achei mais fraquinho. É interessante e a escrita não é má, mas pareceu-me ligeiramente banal e confuso. Uma história de voodoo ao longo de um período de tempo bastante alargado, e que serve como motor de uma (não tão) ligeira crítica social e isso tudo, mas enfim. Nada de especial.

Por fim, Não é o que ignoras o motivo da tua queda mas o que pensas saber, de Luís Filipe Silva, foi das coisas mais curiosas que li nos últimos tempos. A história base não é propriamente nova, uma invasão de extraterrestres, a forma como se lida com isso é que me pareceu bastante diferente do habitual. Estes extraterrestres são muito sossegados, muito calminhos, mas completamente implacáveis e imparáveis. E é óbvio que são vencidos, de forma bastante curiosa. Ou não.

Resumindo, apesar de ser um livro pequeno, Brinca Comigo! é uma leitura bastante interessante, que tirando o conto do João Ventura, tem apenas contos de muita, muita, muita qualidade, de escritores com muita, muita, muita qualidade, que raramente desiludem ou que prometem muito: João Barreiros, David Soares e Luís Filipe Silva. Não é, no entanto, um livro que seja lá muito aconselhado a toda a gente... Tem David Soares, e é sempre preciso algum estômago para digerir algo que ele escreva, não é verdade? Considerem-se avisados.

P.S.: Este livro deve ter a capa mais perturbadora de sempre.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Vollüspa (Parte 1 de 2)

Título: Vollüspa
Autor: Vários

Opinião: Vamos lá começar a falar dos contos. Da capa não falo mais, apesar de ser, repito, uma das capas mais espectaculares que já vi. Mas bem, adiante.

A Vollüspa está divida em 3 partes, por géneros. Primeiro vem a Ficção Científica, o Terror e por fim a Fantasia.

A iniciar a primeira secção, aparece o conto de Afonso Cruz, O Pequeno Guia do Céu, de Tristan de Sapincourt, um pequeno conto delicioso, que me despertou o interesse para este autor. As constantes referências a personalidades famosas e a eventos importantes da história da Humanidade deixaram-me com água na boca, bem como a pequena narrativa, que termina numa crítica à visão excessivamente científica, e que apela, bem como todo o conto, à visão fantasiosa das nossas mentes.

De seguida vem Natal®, de Carlos Silva, uma história que satiriza um hipotético Natal futuro, provavelmente não tão distante da realidade como todos gostaríamos que estivesse. O Natal apresentado é artificial, de uma ponta à outra, como se fosse a coisa mais natural do mundo. E quando a coisa começa a correr mal... Bem, a solução até é fácil!

Depois, Eternidade, de João Ventura, que me agradou bastante. É a história de uma Presença, de certa forma eterna, tanto a história como a Presença, que guarda algo que pode mudar o futuro da Humanidade, e da forma como ela evita que isso venha a acontecer, de forma algo fria e desligada, de acordo com a presença da Presença narradora, passe a repetição. Lembro-me que ao acabar este conto, pensei que já tinha valido a pena ler isto. E mais não digo.

Agora vem A Queda de Roma, antes da Telenovela, de Luís Filipe Silva, mais uma sátira bastante óbvia, ainda que talvez seja, de certa forma, algo subtil. Eu sei que isto parece parvo, e possivelmente algo pretensioso, mas acreditem, depois do primeiro impacto há toda uma série de impactos mais subliminares, vá, que dão uma nova dimensão a este conto.

O quinto conto é Génesis - Apocalipse, de Roberto Mendes, o organizador deste volume, conto em que o autor, como o próprio o diz, homenageia dois grandes da ficção científica, Isaac Asimov e Robert Silverberg, nomeadamente o livro que os dois escreveram juntos, The Positronic Man. Aquilo que o Robert fez foi ir além daquilo que leu, na juventude, pensar e imaginar para além das fronteiras de um livro que só por si já merece todo o respeito, e criou esta pequena história em que evoca essas suas memórias (mais uma vez, como o próprio refere, na nota de editor), de forma interessante e bem escrita.

Já e entrar na secção de Terror, mais curta que as outras duas, o conto inicial não me agradou por aí além. É O Acorde das Almas, de Carina Portugal, e que apesar da boa escrita, não me conseguiu prender por aí além, talvez por não ser o tipo de terror que mais me agrada.

Depois aparece Enquanto Dormias, de Nuno Gonçalo Poças, que é exactamente um dos tipos de terror que mais aprecio: perturbador, algo bizarro e brutalmente directo. Uma história que gostei de ler, com muita loucura envolvida (ou não?), com uma linha narrativa algo obscura e difusa. Tal como eu gosto.

E pronto, fica por aqui a primeira parte, até agora a crítica geral é favorável, diga-se de passagem. Falta só ver quando é que arranjo tempo para escrever a segunda metade!