segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O limite de Rudzky

Título: O limite de Rudzky
Autor: António de Macedo


Opinião: Tinha este livro à espera desde a Feira do Livro do ano passado, e o facto de ter conseguido um autógrafo do autor durante o Fórum Fantástico serviu de incentivo para o empurrar mais para a frente da fila.

Terminada a leitura dos 3 contos que contém, não consigo evitar pensar nas tremendas pérolas que posso ter escondidas nas prateleiras "a ler"... É que este livro é fantástico, absolutamente fantástico.

Já esperava que fosse qualquer coisa de especial, tendo em conta o que conheço do autor (ainda que só lhe tenha lido O Sangue e o Fogo), mas confesso que superou largamente as minhas expectativas, por uma razão muito simples: a escrita.

Seja a contar que história for, Macedo consegue escrever de uma forma excepcional. Fiquei seriamente embasbacado e impressionado. Nas peças de teatro que li anteriormente esse aspecto não era tão visível, mas aqui é límpido e cristalino como a água da montanha.

O primeiro conto é O limite de Rudzky, uma história bem contada que consegue fazer uma ligação interessante entre os fenómenos físicos, químicos, biológicos, fisiológicos e psicológicos, de tudo o que existe, e o sobrenatural. Sem querer revelar muito, talvez devam pensar duas vezes sobre como funciona a electricidade...

Ainda por cima é um conto essencialmente sobre ciência. Matemática, física, trotinetes voadoras, detectores de neutrinos, há de tudo um pouco, em conjunto com temas mais sobrenaturais que adicionam um certo véu de mistério e de imprevisibilidade que cai muito bem com o resto da história.

Depois vem A noiva vestida de nuvens, bastante mais complicado de ler do que o conto anterior, de tal forma está revestido de simbolismo e noções herméticas e ocultistas e sei lá. O que é interessante é que ainda assim conseguiu causar um profundo efeito em mim.

A escrita, incluindo os diálogos, é trabalhada e complexa sem se tornar propriamente densa, e tudo soa a artificial, de certa forma, especialmente os diálogos, muito pouco naturais, mas a voz do autor consegue causar uma impressão de tal forma intensa que tudo encaixa na perfeição. Aqui já há inspirações lovecraftianas, e uma série de conceitos brutais, como o "dialecto flamejante":

"[...] deixou cair no lume o manuscrito original, e imediatamente uma espectacular chuva de luzes, sons e cores referveu das páginas prodigiosas, que se enegreceram e encarquilharam sob a acção do fogo sem sofrer todavia maior dano do que essa superficial deformação. Um outro discípulo teve a instantânea e feliz ideia de transcrever os sons musicais que retiniam enquanto as chamas abrasavam o manuscrito; um terceiro copiou a sequência de luzes e cores irradiadas durante o fantasmagórico processo. [...] teve uma revelação súbita e vislumbrou o código que relacionava os terríveis símbolos do «dialecto flamejante» com a sequência anotada de cores e sons musicais."

Por fim há Perpetuamente Perpétua, que além de ter um bom título, é o mais longo e possivelmente o melhor, embora eu tenha muita dificuldade em escolher. Só sei que por ser mais longa, acaba por ser mais estruturada e trabalhada, e a aldeia perdida no meio do nada, onde uma rapariga doente vai passar umas férias com os avós, é o cenário semi-idílico perfeito para o enredo convoluto de Macedo.

Com mistérios do oculto e companhia limitada ao virar de cada esquina, Perpetuamente Perpétua é uma história surpreendente: as personagens aparecem com várias idades, cruzando-se e comunicando consigo próprias, há uma voz retumbante e misteriosa pertencente a um mensageiro do fogo, e a própria Perpétua, ora mulher de meia idade, ora jovem virginal de 18 anos, ora idosa de rugas vincadas, a personagem central (não a protagonista) do conto e uma das personagens mais intrigantes que encontrei na minha vida.

Macedo consegue assim, num diálogo entre mistérios iniciáticos, comunhão com a Natureza e tudo aquile que uma aldeia destas perdida num canto solarengo de Portugal tenha de típico, construir um conto fabuloso que me deixou a salivar por mais, mas que conseguiu ter um fim bastante definitivo e satisfatório.

No geral, um livro excelente. Caso ainda não tenham percebido, é um livro a ler e um autor a conhecer. Estão à espera de quê? Siga!

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