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sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Os Crimes do ABC


Autora: Agatha Christie
Tradutora: Teresa Curvelo


Opinião: Excepcional. Eu sei que se torna repetitivo falar de Agatha Christie, já que os adjectivos raramente são diferentes: andam sempre à base de fantástico, impressionante e outras coisas que tais. Até se torna injusto para outros autores, mas a culpa é deles. Tivessem a capacidade que esta senhora tinha de contar uma história e não tinham razão de queixa.

Mas sim, também é verdade que não se pode medir a qualidade de Agatha Christie na mesma escala que se usa para os comuns mortais. Vou-vos falar desta história, em vez disso.

A verdade é que já há uns tempos que não lia algo da autora, e já há muito tempo que um livro não me deixava tão satisfeito com cada virar de página. Um assassino misterioso que mata por ordem alfabética e que envia cartas estranhas directamente a Poirot, a anunciar os próprios crimes? Isto é esperto de maneiras que vocês nem imaginam!

Os Crimes do ABC também é o primeiro livro da dupla Poirot e Hastings que me lembro de ver a misturar as passagens do ponto de vista de Hastings e passagens na terceira pessoa, de um ponto de vista impessoal e desligado de todas as personagens principais habituais. E funciona estranhamente bem.

Poirot parece estar mais à nora do que o habitual, especialmente por algo que ele chega mesmo a dizer: este crime não é o habitual crime pessoal, mas sim uma estranha série de crimes altamente impessoais. Ou pelo menos assim parece! Foge ao tipo de coisas que Poirot e Hastings estão habituados a resolver, assim como foge ao tipo de coisas que Agatha Christie costumava escrever!

A resolução final tem alguns pormenores um bocadinho estranhos, mas nada demasiado fora do normal, e tem uma conclusão que funciona. Não podia pedir mais. Foi mais do que suficiente para me deixar satisfeito com a qualidade habitual de Agatha Christie e uma história que me cativou ainda mais do que o costume!

sábado, 15 de agosto de 2015

Presenças tangenciais

Ah, piadas matemáticas, são sempre tão... derivativas.

Há coisas na Literatura que me fascinam. Não falo apenas de uma escrita particularmente bonita, como a de Mia Couto, ou de histórias particularmente cativantes, como as Stephen King, nem sequer de livros tão próximos da perfeição que até metem medo, como muita coisa de Saramago, muita BD de Neil Gaiman e Alan Moore e O Conde de Monte Cristo. Falo de pormenores, muitas vezes técnicos, que me deixam rendido.

Por exemplo, quem ler histórias minhas rapidamente se apercebe de que gosto de narradores peculiares. É algo complicado de manipular, de um ponto de vista puramente técnico, mas que pode ter efeitos espectaculares.

Algo que cai nesta categoria é algo a que chamo presenças tangenciais. O nome é bastante auto-explicativo, mas estou a falar de personagens que são importantes, muitas vezes até fulcrais, para a história, mas que aparecem muito, ou muito de raspão. Tangencialmente.

Também não é fácil, em termos técnicos, e torna-se particularmente difícil de conseguir em termos narrativos. Como raio contar uma história em que uma personagem importante mal aparece?

Leia um dos vários livros em que isso acontece, para perceber. Que tal O Assassinato de Roger Ackroyd, de Agatha Christie, que tem ao mesmo tempo um narrador interessante e um Poirot que mal aparece que mas que resolve o mistério (a autora deve ter escrito este livro a pensar em mim)? Todo o livro se lê como uma história normal de Poirot mas com o ponto de vista retirado a Poirot e ao seu fiel companheiro, Hastings, e entregue a uma das personagens secundárias.

É espectacular, e embora o ponto forte do livro seja o narrador e a revelação final (pois é, ainda por cima tem um plot twist de fazer corar muitos plots twists, obrigado Agatha Christie), esta presença tangencial de Poirot é importante para que o livro funcione.

O mesmo se podia de muitas das histórias da saga Sandman, de Neil Gaiman, em que Morpheus e Death, que me lembre, aparecem em várias histórias como personagens meramente tangenciais, completamente de raspão, mas acabam por ter um impacto enorme, como não podia deixar de ser. O segredo aqui é a arte de contar histórias de Gaiman, mas isso redundou nessas presenças tangenciais de duas das personagens mais importantes desse universo

De uma forma menos óbvia, podemos falar do que se passa em O Conde de Monte Cristo, livro imenso no qual o Conde de Monte Cristo do título é uma personagem tangencial durante muito tempo. A história do livro é a sua vingança, a sua vida é a motivação de tudo o que acontece, e todos os acontecimentos narrados são de alguma forma relevantes para ele ou por sua causa. E no entanto passamos longas páginas sem ter notícias dele, e quando aparece, muitas vezes disfarçado e com um nome e título diferentes, tem um papel secundário para a acção. Aqui foi novamente a mestria de Dumas que possibilitou esta presença tangencial, mas não deixa de ser impressionante a forma como o fez.

Mas querem dois exemplos a sério de personagens que praticamente não aparecem mas que são as mais importantes no meio daquilo tudo? Comecemos pelo Comediante de Watchmen, então, que morre nas primeiras páginas mas que tem um grande impacto em tudo o que se segue. Foi das coisas que mais me intrigou, quando li o livro, esta capacidade de não estar lá mas influenciar tudo, e é preciso abençoar Alan Moore pela capacidade que teve de fazer isto tão bem feita na brilhante desconstrução dos super-heróis que é esse livro.

O outro exemplo é parecido, mas ainda mais extremo: em Lágrima, o mais recente livro do meu primo André, há uma personagem tão tangencial que nunca chega a aparecer no livro. Os protagonistas são o pai e a mãe dessa personagem, um miúdo que morre antes dos acontecimentos narrados no livro. Mesmo assim, esse miúdo, ou mais propriamente, a sua morte, é o tema principal do livro em redor do qual tudo se desenvolve.

Também em leituras mais recentes, há uma personagem que me cativou e que teve o azar de cair numa série de livros que achei menos bem conseguidos, por um motivo ou por outro: Gued, o Gavião do Ciclo de Terramar, de Ursula K. Le Guin. Extraordinária feiticeiro, faz uma série de coisas para lá da compreensão humana e no fim mantém-se humilde e sábio como ninguém. O primeiro livro é do seu ponto de vista, e é claramente um protagonista muito presente, assim como no terceiro livro, mas a sua presença no segundo e no quarto livro é, durante muitas páginas, tangencial. E isso só faz dele mais interessante, pois adiciona mistério a uma personagem que podia ter sido muito banal.

Mas por falar em mistério, sabem onde é que estas presenças tangenciais caem muito bem? No género do terror e em vilões de uma forma geral. Veja-se quase tudo o que Lovecraft escreveu: o medo e as sensações de horror são transmitidas não pela presença, mas pela ausência. Como o próprio Lovecraft afirma, o medo mais antigo é o do desconhecido. É por isso que nos seus escritos são as sombras que dominam, e também aquilo que se consegue ver, mas não apreender.

Aliás, muito do horror é feito exactamente assim, através do desconhecido e muitas vezes através de personagens tangenciais. Como acontecem com Misery, de Stephen King, em que o protagonista ocupa sozinho uns 80% do livro, enquanto a sua enfermeira psicótica, a impulsionadora de tudo o que acontece, aparece de vez em quando, e quase sempre de raspão. Dá-lhe um ar mais instável e não nos deixa confiar naquilo que vemos: como é que podemos ficar a conhecer uma pessoa a vê-la durante cinco minutos de cada vez?

Tenho a certeza de que existem muitos mais exemplos, mas estes são só os que me lembro claramente, de olhar para a lista de livros que já li. Acho interessante, e é algo que ainda tenho que fazer com sucesso numa das minhas histórias, mas agora que já vos apresentei o conceito e alguns exemplos, lembra-se de mais algum caso? Seja para me relembrar, ou para me dar a conhecer, agradeço!

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Morte nas Nuvens


Autora: Agatha Christie
Tradutora: Luísa Feijó


Opinião: O típico caso de quarto fechado. Numa viagem de avião - em que Poirot, obviamente, participa - uma mulher é misteriosamente morta. O culpado tem de estar entre os presentes no compartimento, mas ninguém viu nada nem sabe de nada, apesar da morte ter ocorrido via zarabatana.

Eu juro que não sei como é que demoram tanto tempo a perceber que não foi com a zarabatana. Mas praticamente até ao fim é isso que acham. O quê? Spoiler? BOOHOOO, não me venham com tretas, ninguém acredita que se possa matar alguém, num avião cheio de gente, com uma zarabatana.

A única coisa menos discreta era uma betoneira.

Mas pronto, estes mistérios da vida lá acontecem, e se acham que a presença de Poirot significa que o crime ficou resolvido logo à partida, estão enganados. O nosso querido detective tem um estomac deveras fraco, portanto passa a viagem toda encolhido nas suas peles, a dormitar e a sofrer.

E é claro que depois toda a gente está relacionada, naquele avião. A investigação é a típica: Poirot sabe sempre mais do que toda a gente, apenas com as pistas que também são apresentadas a quem lê, e nunca revela nada até ao último instante.

Não me estou a queixar: já sei, quando pego em Agatha Christie, que a história vai ser algo assim. Raramente é algo muuuuito diferente. O que é impressionante nos livros dela, como neste, é a forma como ela me prende à leitura, apesar de eu saber isto tudo.

Eu consigo, literalmente, estar a ler e dizer "isto depois é importante. isto é só para enganar. agora falta o par romântico secreto. ai essa personagem usa boxers às bolinhas? então vai ser familiar do criminoso.", porque enfim, há coisas que acontecem sempre e que são extremamente óbvias.

A resposta ao mistério, por outro lado, não costuma ser óbvia. Aqui é assim-assim, mas normalmente a revelação é um momento climático pelo qual vale a pena esperar. É essa a magia de Agatha Christie. Essa, e o facto de conseguir garantir que daqui a uns tempos volto a pegar noutro livro dela!