domingo, 16 de janeiro de 2011

O Evangelho Segundo Jesus Cristo

Título: O Evangelho Segundo Jesus Cristo
Autor: José Saramago

Sinopse: "«É a obra mais polémica de José Saramago e aquela que, indirectamente, o levou a sair de Portugal e a refugiar-se na ilha espanhola de Lanzarote. Ficou para a história o desentendimento com o então subsecretário de estado da Cultura Sousa Lara, que considerou o livro ofensivo para a tradição católica portuguesa e o retirou da lista do Prémio Europeu de Literatura. Com um José destroçado por ter fugido e deixado as crianças de Belém nas mãos dos assassinos de Herodes; com uma Maria dobrada e descrita, logo no início do livro, em pleno acto de conhecer homem; com um Jesus temeroso, um Judas generoso, uma Madalena voluptuosa, um Deus vingativo e um Diabo simpático, não era de esperar outra reacção das almas mais sensíveis e mais devotas do catolicismo português. E verdadeiramente viperinas são as várias páginas onde o escritor português se entretém a descrever minuciosamente os nomes e a forma como morreram os mártires dos primeiros séculos do cristianismo. Assim se escreveram os heréticos Evangelhos segundo Saramago, para irritação de muitos e prazer de alguns. Como convém.» (Diário de Notícias, 9 de Outubro de 1998)"

Opinião: A minha curiosidade quanto aos livros do nosso único Nobel da Literatura já vem de há muito tempo. Primeiro, por ser polémico, tanto a nível de temáticas como de escrita. Depois, por ter alguns livros listados como ficção científica e alguns com premissas absolutamente bizarras, tal como eu gosto. Ainda mais, por ser português e ter um Nobel. Mas principalmente por aquilo que ouvia dizer.

De um lado diziam que os livros dele eram lixo, que nunca deviam ter sido publicados, de outro já aclamavam esses mesmos livros como obras-primas universais. Desde pequeno que oiço os dois lados disparar e esgrimir argumentos, insultos e vá-se lá saber mais o quê. Ora deitavam abaixo a sua escrita, pouco ortodoxa, ora criticavam o seu ataque à religião, por ser um ataque à religião, ou comparavam o facto de criticar tão duramente tudo o que metesse Deus e afins, com o facto de pouco se pronunciar sobre o comunismo, que apoiava. Mas logo muito rapidamente aparecia alguém a explicar o porquê de Saramago escrever assim e a elevá-lo ao panteão dos orgulhos nacionais.

Mas bem, sobre Saramago, o homem, não me pronuncio muito mais. Preciso só de dizer que é um dos poucos escritores que me deixa tão curioso e empolgado com a sua obra e com a sua pessoa. A machadada final foi dada com a minha chegada ao 12º ano. Então não é que um dos livros de leitura obrigatório é precisamente o Memorial do Convento, de Saramago? Ora, como eu já sabia que a escrita podia ser complicada de assimilar, dediquei-me a ler um outro livro dele antes do Memorial, para que quando chegasse a altura de o estudar, o fizesse sem problemas. Procurei cá por casa, e encontrei três livros dele, entre os quais este Evangelho, que por ser exactamente sobre o assunto que tornou Saramago mais polémico e por ter sido (pelo menos em parte), o livro que o levou a auto-exilar-se, me encheu de uma tremenda curiosidade e me fez pegar nele.

E bem... Demorei exactamente 15 dias a lê-lo, mais do que o habitual para um livro deste tamanho, por várias razões. Primeiro porque tive um começo de ano atribulado, com montes de coisas para pôr em dia, deixando-me assim pouco tempo para a leitura. Segundo, porque o livro aparentemente tem 352 páginas, mas só mesmo aparentemente, pois embora a escrita não seja densa, longe disso, a mancha gráfica é, ou seja, como Saramago só faz parágrafos muito de vez em quando e como os diálogos são todos seguidos, com as falas separadas por vírgulas, isto são parágrafos que parecem nunca mais terminar! Acredito seriamente que se este livro estivesse escrito de forma mais tradicional, teria nas calmas umas 600 e tal páginas, ou mais.

Desculpas à parte, não sei bem o que dizer. Adorei o livro como há muito tempo não adorava o livro. Aliás, acho que nunca gostei tanto de um livro, que nunca um livro me impressionou da forma que este o fez. O livro conta basicamente a história de Jesus Cristo, seguindo fielmente os acontecimentos descritos na bíblia, e que todos, melhor ou pior, conhecemos (eu próprio, que sou muito pouco dado a essas coisas, reconheci montes de momentos), embora, como não podia deixar de ser, tenham o seu toque anti-cristão, que era isso que Saramago era, anti-cristão e anti-religião de qualquer espécie, faceta que transparece muito neste livro (e ao que parece, em todos).

Já me estou a alongar demasiado. Mas tem que ser! É que a história é fabulosa e da escrita nem se fala... Irónica, sarcástica, crítica, divertida e que mesmo com o seu estilo de pontuação deveras original, se entranha bem e às tantas nem se dá por ela. Acaba por se tornar fluida, houve mesmo alturas em que virei páginas praticamente a correr. Para ajudar a festa, a história é interessante, tem vários pontos altos e alguns poucos pontos menos altos. As aparições de Deus a Jesus são algo de divinal (passe a piada subliminar), a parte que o Diabo tem na história é curiosa, e há diálogos absolutamente excepcionais, já para não falar do momento que oscila entre o forte e o ligeiramente cómico, em que Deus enumera uma lista dos mártires dos séculos vindouros, por ordem alfabética, e a forma como morreram.

Pode-se tornar um livro complicado para pessoas mais fortemente religiosas, mas especialmente essas deviam ler este livro, com calma e prestando atenção.

E agora chega, senão ninguém me lê esta opinião!

15 comentários:

crucios disse...

Obrigado, era tudo o que precisava de saber. :) Sendo da Asatru, estou bastante curioso para ler as criticas que Saramago faz ao Cristianismo. =P

NLivros disse...

Olá Rui!

Eu já li quase tudo de Jose Saramago e, para mim, o "Evangelho Segundo JC" é o seu melhor livro, aquele onde ele explana todo o seu sentido de humor e todo o dom que ele tinha para contar uma história.

Percebo oorque é que a igreja cristã não gostou do livro. Sentiu-se atacada no seu mais básico interesse, pois no livro Jesus é um simples homem, com desejos e, sobretudo com defeitos e isso, obviamente, criou mossa na igreja.

Ainda bem que o apreciaste.

Rui Bastos disse...

Crucios, ainda bem que ajudei ^^

Iceman, olá! Foi o primeiro livro de Saramago que li, mas que, como é óbvio, me deixou EM PULGAS, para ler tudo o resto!

Essa segunda parte do teu comentário, sei que não vou resistir muito tempo e que irei, mais cedo ou mais tarde, escrever mais qualquer coisa (A)

Sérgio Fernandes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sérgio Fernandes disse...

Aconselho O Ano Da Morte De Ricardo Reis, o livro mais estranho mas fácil de gostar. O Evangelho Segundo Cristo ainda não li, mas pela critica do blog só me deixou mais curioso. Espero ler num dia próximo.

Rui Bastos disse...

É um livro que quero ler ;)

Unknown disse...

Olá
Não sou propriamente fã de Saramago. Principalmente por causa da escrita à qual não me consigo habituar. Reconheço-lhe o génio nas ideias mas preferia uma escrita mais linear.
Dele já li 3 livros, sendo este um deles. O meu "preferido" é no entanto o "ensaio sobre a cegueira" cujo filme também é brutal.
É vulgar dizer que os católicos deviam ler este livro e aprender e achar que todos os católicos ficaram ofendidos. Não é verdade. Conheço imensos católicos praticantes que leram este livro, gostaram imenso, divertiram-se e são grandes fãs de Saramago. Aliás,se eu não desisti completamente de Saramago foi por causa de uma dessas católicas, a minha mãe, que sendo fã de Saramago me convenceu a ler o "Caim" dizendo que é "fantástico".

Acho que tudo depende da inteligência e do respeito com que católicos e não-católicos aceitam a opinião uns dos outros.
Boas leituras
Patrícia

Tiago Mendes disse...

Aproveito a deixa do comentário acima para deixar a minha opinião. Penso ser errado generalizar, ao dizer que é um livro complicado para pessoas mais fortemente religiosas. Antes pelo contrário: para pessoas fracamente religiosas, realmente, com uma leitura deste cariz podem deixar cair as suas crenças. Para quem tem raízes profundas naquilo em que acredita, pode ler os livros que mais criticam a sua religião, e tal leitura não as moverá de forma profunda. Sou católico, li o Memorial, e apesar de todas as críticas que vão aparecendo, considero que foi um dos melhores livros portugueses que me passaram pelas mãos o ano passado. Agora há que entender que mesmo os católicos reconhecem em Cristo a sua dimensão humana - aprendi ontem uma passagem da Bíblia em que está escrito que Jesus chorou na morte de um amigo (desconhecia este relato). De forma que esta leitura não me chocará, talvez porque seja necessário separar as coisas - literatura é literatura, e deve ser lida como literatura. Tudo o resto vem por acréscimo ;)

Viajante disse...

Eu já li 4 livros de Saramago e se se pode fazer distinção: dois de Saramago antigo e dois de Saramago recente! Embora seja pouco para comparar acho que se notam algumas diferenças. Mas, ao fim de 4 livros (ou até mesmo do primeiro) tenho o suficiente para dizer que simplesmente ADORO Saramago e espero ler todos os seus romances.

O Memorial do Convento e o Evangelho Segundo Jesus Cristo ainda não li, mas estão ambos aqui por casa com esperanças de serem lidos para breve. Pelo menos o Memorial do Convento será de certeza uma vez que é leitura obrigatória este ano e para começar a analisar no mês que vem!

Boas leituras,
Estrela*

Rui Bastos disse...

As minhas desculpas se ofendi alguém, têm toda a razão quando falam da religião, tentarei rectificar essa ideia (errada) que eu tinha.

No entanto, é bom ver pessoas a discutir estes assuntos tão abertamente, e a conseguirem distinguir literatura de religião. É algo a que, confesso, não estou habituado!

Será algo que certamente mencionarei nalguma publicação futura (que ainda tenho muito para dizer sobre este livro).

Estrela da Noite, estou um bocado como tu, o memorial vou ler de certeza que também o vou dar este ano ;)

Unknown disse...

Não peças desculpa Rui. Principalmente porque não ofendeste ninguém, deste apenas a tua opinião. E no fundo a tua é a de tanta gente....
Mas já pensaste que para alguém tão "anti-religião" Saramago dedicava muito tempo a este tema?
Sempre me questionei se seria puro marketing (nada vende tão bem como uma boa polémica) ou se na realidade ele teria algum género de crença (mesmo que não a convencional). Seja lá como for os vários pontos de vista sobre um assunto só ajudam a que todos aprendam alguma coisa.
boas leituras... um dia ainda pego no Memorial do convento (que na minha opinião nunca deveria ser um livro de leitura obrigatória no 12º e se no meu tempo já o fosse acho que tinha levado a minha professora à loucura. Se ler a "Sibila" já não foi pacifico, ler Saramago tinha sido o descalabro)

Rui Bastos disse...

Bem,eu cá acho que ele era mesmo anti-religião, profundamente ateu, e que se revoltava mesmo com certas atitudes e crenças da Igreja em geral.

Tinha uma visão mais racional e objectiva do que é suposto ter para com qualquer tipo de crença, o que irritava muita gente.

Mas também não tenho dúvidas que Saramago, não sendo parvo nenhum, se aproveitava disso e matava dois coelhos de uma cajadada só... Ou até três! Vendia livros, via-se envolvido em polémicas (que ainda vendiam mais livros), e malhava na religião, como sempre deve ter gostado de fazer.

Parte ideologia pessoal, parte estratégia brilhante de marketing.

; diiana ♥ disse...

Oh obrigada :$
Tambem te estou a seguir !

Tiago M. Franco disse...

Caro Rui,

Parabéns pelo seu comentário, na minha opinião é magnifico.
No entanto, existe um ponto que não concordo consigo, Saramago não é "anti-cristão e anti-religião". É frontalmente contra todas as atrocidades que o homem é capaz de fazer invocando o nome de Deus, seja ele que Deus for. Quase todas as guerras no mundo forem em nome de um Deus, quantas pessoas não foram mortas em nome de Deus.

Rui Bastos disse...

Muito obrigado!

E sim, concordo, Saramago era contra as atrocidades que o Homem é capaz de cometer, e provavelmente grande parte das suas críticas às religiões vem disso mesmo...

No entanto, a verdade é que ele era de facto um ateu convicto, com ideias bastante radicais quanto à própria existência de Deus e de outras coisas que tais...

Mas aceito, talvez "anti-cristão" e "anti-religião" não sejam as melhores expressões ;)