Autor: David Soares
Opinião: Finalmente! Após tanto tempo e várias desilusões, um bom livro de David Soares! E cheguei a esta conclusão logo no início do livro, o que parece precipitado, mas não é. Bastou ler algumas páginas, talvez o primeiro capítulo, para ficar convencido de que estava ali a escrita que gosto de ver neste autor, assim como a história e as personagens com a qualidade que sei que ele é capaz.
Tudo isto porque é um livro "simples". Uma fábula bem feita que não se tenta enrolar nela própria, e que não é muito prejudicada pelos exagerados devaneios filosóficos do narrador, que são, felizmente, bastante ocasionais.
A história é sobre uma ratazana que é encontrada semi morta por uma casal de ratos do campo que a adopta. Cheira mal, cresce mais que os pais, é apelidada de Caganeta e mais tarde auto-nomeia-se como Batalha. Além disto, é uma excelente personagem, que não precisa de mais descrição do que aquela que vem na capa, uma ratazana ateia.
É tudo muito triste, mas sem dúvida extraordinário. O percurso de Batalha é fascinante, assim como todas as personagens que encontra no caminho. A constante dúvida sobre "os pais do mundo" e fé é uma das melhores representações do ateísmo puro que já vi: livre de dogmas, recheado de perguntas, com uma curiosidade extrema relativa às crenças que existem, mas sem nunca perder o sentido crítico. Borda o agnosticismo, mas Batalha nunca se deixa cair demasiado nesse caminho.
O livro acaba também por ser uma forte reflexão sobre a vida de uma forma geral, e a importância de cada ser, independentemente da existência dos pais do mundo, ou de algum deus, ou outra coisa qualquer. E isso vê-se na capacidade que os seres têm para comunicar uns com os outros, pois só quando um ser acha o outro relevante, é que o ouve. É por isso que os ratos têm dificuldade em perceber os gatos, mas o arquitecto cego consegue ouvir Batalha. É bonito, vá.
Infelizmente, já muito perto do fim, o autor consegue aparvalhar um bocado e deixa-se dispersar. Perde o fio à meada e consegue assustar-me, ao parecer regredir mais para dentro do seu casulo intelectual do costume. Mas não foi muito grave, e não tenho problemas em classificar este livro como muito bom. Não fosse o narrador, de que não gostei por nunca se decidir quanto a que ponto de vista é que tinha, teria sido um livro excelente.
Sempre achei que ia gostar deste livro, e não me enganei. Agora tenho esperança de que as próximas obras sejam desta qualidade, e que a fase excessiva já tenha ficado para trás, mas a ver vamos.
6 comentários:
Achei o livro pouco conseguido.
Claro que a maneira de escrever, as palavras certas nos sítios certos, tudo isso é feito de forma perfeita.
A história é que...
Sinceramente, a preocupação de pequenos seres como os ratos com o enorme tema que é a fé e a religião não é algo que signifique grande coisa para uma fábula. Nós já somos pequenos seres quando comparados ao conceito de Deus, criador do Universo. Acho que se não fossem ratos, podiam ser gatos, cães ou baratas ou até elefantes e baleias...
Por norma, as fábulas são bastantes difíceis de escrever devido à necessidade que os animais têm de incorporar certo aspecto da natureza humana com a sua própria natureza animal. (Vg. A raposa é astuta, a cegonha é maternal, o tigre é medricas, a família de um lobo, o incansável cavalo...)
Orwell, no Triunfo dos Porcos, conseguiu dar-lhe essa dinâmica.
As fábulas de La Fontaine são outro caso típico de boas fábulas.
Acho que o David Soares quis tentar algum experimentalismo e isso não lhe saiu muito bem.
Mas é apenas a minha opinião.
FF
Abraço
Podia ter sido com ratazanas assim como com qualquer outro bicho, e isso é uma falha. Não torna a fábula poderosa o suficiente, porque não depende completamente das personagens para make a point, mas não a destrói completamente.
E a personagem, a ratazana ateia, Batalha, é tão pouco importante, que o próprio livro pouco quer saber dela. O foco é sempre, mas sempre, nas consequências das suas acções/decisões, e no impacto que Batalha tem nos outros. As verdadeiras mensagens do livro (piedade, fatalismo, esperança, preconceito, etc.) passam através das personagens secundárias, e não do Batalha, e isso é muito bom!
"Após tanto tempo e várias desilusões, um bom livro de David Soares!"
Significa que tem andado a ler livros decepcionantes dele? Eu acabei de descobri-lo, li e adorei e o primeiro romance sobre Pessoa e Crowley; o que acha que devo deixar para mais tarde? Quais são os melhores dele?
É assim, esse, "A Conspiração dos Antepassados", vale a pena. o "Evangelho do Enforcado" também é bom, e este "Batalha" também gostei. O "Os Ossos do Arco-Íris", o primeiro que li dele, de contos, também é impecável.
Dentro das BD's, "Cidade-Túmulo" e "A Última Grande Sala de Cinema" são geniais, e o "Sepulturas dos Pais" e "O Pequeno Deus Cego" também são bons, embora já não tanto como eu esperava.
No entanto, o "Palmas para o Esquilo" é apenas vergonhoso. O "Mucha" não é mau, mas deixa qualquer coisa a desejar.
Também "A Luz Miserável" é mediano (apesar da edição lindíssima), assim como "As Trevas Fantásticas", e o "Mostra-me a tua Espinha", o seu primeiro livro de prosa (em 2001, depois de 3 BD's desde 2000, incluindo o "Cidade-Túmulo" que já mencionei e que foi a sua primeira obra) também tem uma qualidade duvidosa, de uma maneira geral.
Aquilo que eu vejo é um autor que tem um talento enorme, uma ainda maior capacidade de investigação e de trabalho, um dom para contar histórias e que é um excelente prosador, mas que exagera e tem obras que são fracas sem necessidade nenhuma.
Mas a verdade é que isto é uma opinião muito pessoal, portanto não aconselho nada de especial tirando "fuja do 'Palmas para o Esquilo'", porque esse é mesmo, mesmo, mesmo péssimo.
Obrigado pela sua avaliação; planeio ler os romances dele em ordem cronológica, por isso isso o próximo será "Lisboa Triunfante," que não mencionou; tenho grandes expectativas para ele.
Nesse ainda não peguei! Mas força, depois diga o que achou.
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