sábado, 15 de março de 2014

Estantes Emprestadas [3]: Três livros, três imagens [1/3]


Este mês a crónica convidada foi um dos desafios que mais gozo me deu de propôr. A Carolina, minha colega de curso e uma das minhas melhores amigas, é louca... Por fotografia. Tem um blog e uma página no Flickr. Quando me lembrei de convidar pessoas para esta série de crónicas, ela foi uma das primeiras em quem pensei. Sugeri-lhe, um pouco como fiz com o Jorge e com a Júlia, aliar à literatura algo que a faz delirar. Fotografia e literatura. Para tornar a coisa mais interessante, disse-lhe para o fazer com três livros diferentes: um que ela tenha gostado, um que ela tenha detestado, e um que não tenha lido. O resultado não me podia agradar mais. Ela não costuma escrever este tipo de coisas, e disse-me que tinha receio de não conseguir escrever nada de jeito, ou nada do que eu queria, ou sei lá (ela é capaz de me matar por revelar isto), mas depois de ler, disse-lhe logo que não precisava de se preocupar. Vejam por vocês mesmos!


O livro que gostei


Quando era pequena tinha hábitos de leitura completamente diferentes. Se bem me lembro tinha sempre um livro para ler, nem que relesse os livros que gostava mais na altura, e sempre fui descobrindo colecções que gostava e sabia que queria ler. Eventualmente a frequência com que fazia esse tipo de descobertas foi diminuindo e, com isso, aliado sobretudo à descoberta de novos interesses, diminuiu também a frequência com que pegava num livro. De vez em quando lia, e podia até gostar bastante, mas não era a mesma coisa. E foi tão gradual que nem estranhei.

E antes de mais, eu sei. Eu sei que provavelmente é absolutamente ridículo vir contar isto a esta audiência, que se já chegou aqui, em princípio é porque tem na literatura uma área de interesse e um hobby que acarinha. Mas não digo isto por acaso.

Na verdade, foi ler A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende, que fez com que essa realidade recaísse sobre mim. Foi a primeira vez em anos que um livro me agarrou desde a primeira página, que fiquei de tal forma presa ao que tinha nas mãos que reverti ao modo de antigamente e não o pousei até o acabar. E perante a constatação de que os livros afinal continuavam tão interessantes como outrora os tinha achado, tomei consciência da mudança e, pela primeira vez, o facto pesou-me. Este foi O livro que me deixou com pena de não ter andado mais atenta naqueles anos todos.


Imaginem a vossa história habitual. Há uma família enquadrada no cenário temporal da polémica política, inspirado na própria história do país. E é essa família, e como ela se entrelaça com outras, e como ela evolui ao longo de gerações, que vemos no contexto histórico do Chile da(s) época(s). E depois juntem os espíritos e os santinhos, mais as cores, e ainda (e sobretudo) a intensidade apaixonada com que a América Latina parece viver o mundo – contributos importantes para a atmosfera fantasiosa e carregada de superstição que caracteriza um dos meus livros favoritos do início ao fim.

Fiquei fascinada com a mística das personagens, que apesar de enquadradas num cenário muito real, conferia ao seus intervenientes, ou a alguns deles, um qualquer elemento sobrenatural, num misto de supersticioso e mágico. Como Rosa, a irmã mais velha de longos cabelos verdes, pele de boneca de porcelana, ou de um azulado leve quando a luz batia da forma certa. Uma personagem de mistério, meio sereia, que tricotava uma manta sem fim com criaturas impossíveis que se entretinha a imaginar, metade uma coisa, metade outra. Ou Clara, mais nova, dona de uma beleza mais discreta e com poderes psíquicos. Clara, que passaria nove anos sem proferir uma palavra após a primeira grande tragédia, e que acompanhamos no processo de uma documentação quase obsessiva do seu dia-a-dia nos seus cadernos, até à data da sua morte.

Sempre gostei de histórias com um quê de “realisticamente impossível”. E podia falar-vos muito mais. Mais sobre Rosa e sobre Clara, com relevâncias muito diferentes mas que acabaram por ser as personagens que mais me marcaram, e sobre todos os acontecimentos que determinaram o rumo da sua família e todas as coisas meio estranhas que se vão intercalando. Mas no que diz respeito às minhas observações escritas sobre esta obra, penso que vou terminar por aqui. Porquê? É simples. Dizer-vos mais seria estragar um livro que, na minha opinião, vale tanto a pena ler. Por isso, em alternativa, passo a partilhar convosco a imagem que escolhi. Para mim, foi sem dúvida a mais difícil de escolher. Quis encontrar algo que remetesse para a atmosfera em que me envolvi nas horas em que me ocupei de ler este livro. E tendo em conta todas as coisas diferentes em que estava a pensar, encontrar essa imagem parecia impossível. Mas entre os diferentes elementos que regista e os bocadinhos que formam a minha imagem mental, a questão harmonizou-se na minha cabeça. De uma forma um pouco menos literal, talvez... Não é propriamente fácil resumir numa imagem um livro que nos disse tanto.

Fotografia por Bella Kotak

3 comentários:

Ana/Jorge/Rafa disse...

Já não é a primeira vez que vejo falar bem desse livro, qualquer dia tenho de lhe dar uma hipótese;

Não há vergonha em ler menos, mas podias fazer pelo menos uma maratone dos Dune :P

E já agora, para o meu simples entendimento de leigo, pretty picture :)

Jorge

Rui Bastos disse...

Eu cá tenho que confessar que esta autora não me cativa mesmo nada.

C. Quartin disse...

thank u jorge!
well, you should, e o rui também! já falei com ele há imenso tempo sobre isto, mas pronto. ele ainda tem muita coisa para ler, um dia maybe :P
quanto a dune, ainda tenho 2 livros para ler antes.. depois penso na tua proposta :P