A crónica desta semana é novamente trazida por uma amiga que começou como colega da Oficina de Escrita, a Leonor Macedo. Antes de continuar com a introdução, gostava de mencionar que foi a pessoa que nos primeiros tempos conseguiu embater num maior número de embirranços meus com os seus textos - desde cães a psicólogos.
Com isto em mente, o que é que posso dizer? A Leonor escreve bem, e sempre achei que tinha imenso jeito para descrever os mundos das suas histórias, o que faz todo o sentido, depois de ler esta crónica. Realmente nota-se a influência positiva dos RPG's na escrita dela!
Obrigado Leonor!
Quando o Rui me convidou para fazer esta crónica, fiquei imediatamente entusiasmada. Era falar sobre escrita, aquilo que eu espero que venha a ser a minha ferramenta profissional, e falar sobre RPGs (Role-Playing Games), um dos meus maiores hobbies e vícios. Obviamente que aceitei e comecei logo a pensar em tudo o que podia dizer. Mas só quando me sentei para escrever é que me apercebi de que teria de começar por explicar o que é um RPG.
Geralmente uso sempre a mesma analogia: “Imagina que estás a jogar um jogo de computador de aventura, mas um em que tens total controlo sobre a criação da tua personagem e onde o mundo todo à tua volta é controlado não por um computador mas por outra pessoa.”
Normalmente sou recebida por olhares confusos e uma pergunta na onda do: “Mas com o que é que jogas? O que é que controla o jogo?”
A minha resposta é geralmente “A imaginação controla o jogo. Mas há regras de combate e dados.” O que só aumenta os olhares confusos. Embora para ser justa, também há muita gente que responde com curiosidade.
Se formos olhar para a definição da nossa amiga Wikipédia (versão português brasileiro) encontramos isto:
Role-playing game, também conhecido como RPG (em português: "jogo de interpretação de personagens"), é um tipo de jogo em que os jogadores assumem os papéis de personagens e criam narrativas colaborativamente. O progresso de um jogo se dá de acordo com um sistema de regras predeterminado, dentro das quais os jogadores podem improvisar livremente. As escolhas dos jogadores determinam a direção que o jogo irá tomar.
Foquem a vossa atenção no excerto “Criam narrativas colaborativamente.” Acho que isto é o que é mais interessante do jogo. Quer dizer que quando estamos a jogar um RPG estamos a contar uma história. E no fundo é isso que fazemos quando escrevemos, embora na maioria dos casos não em conjunto com outras pessoas.
Como escritora, sinto que há muita coisa em comum entre as duas actividades. Existe a preocupação com a consistência da narrativa, as personagens, o enredo, o ambiente e o mundo em que acção decorre. É claro que existem diferenças fulcrais entre as duas actividades; quando jogamos toda a interacção é oral. Jogar é uma actividade social e que só é possível em grupo. Não há no jogo o objectivo de ter uma coisa “acabada”, há apenas uma continuidade de história que poderá, ou não, ter um fim. Escrever, por outro lado, é uma coisas que se faz sozinho. Existirá sempre uma interacção com o leitor, sim, mas é num grau de muito menor proximidade e pode nem sempre envolver reciprocidade. Para além disso, ao escrever uma história, seja em em que formato for, o escritor está a oferecer algo já terminado, que existe por si só, independentemente da interacção.
Posto isto, devo dizer que ser jogadora e GM (Game Master, ou Dungeon Master para os da velha guarda) alargou a minha consciência da narrativa e do que a faz avançar. Ter personagens principais com vontade própria, controladas por outras pessoas fez-me compreender melhor como lidar com motivações individuais, e ver como cada personagem cresce conforme aquilo por que passa. E isso levou-me a desenvolver personagens mais profundas e ajudou-me a perceber como estabelecer as interacções entre elas e o que as rodeiam.
Penso que ganhei uma capacidade de sistematização e organização na criação de mundo, sociedade e ambiente que uso, consciente ou inconscientemente, sempre que escrevo. Nos RPGs existe sempre um conjunto de regras bem definidas e todo um mundo de conceitos pré-concebidos nos quais nos basearmos quando jogamos, mas existe bastante liberdade criativa. Principalmente se a pessoa toma o papel de GM, aquele que eu acho que tem maior afinidade com o papel de escritor/a.
O GM é aquele que controla a aventura, no sentido em que é ele que apresenta a realidade com que as personagens dos jogadores se deparam. Ele é os monstros e o taberneiro, a feiticeira e o guarda da cidade... é tudo aquilo com que os jogadores se lembrem de interagir. Ou seja, um GM que faça uma aventura do zero tem de criar literalmente tudo: local, personagens secundárias, mapas, criaturas, história e enredo1. E tem de ligar isto tudo com as personagens principais, os jogadores, porque eles são a força motriz da história. São os conflitos em que as personagens se encontram, e como eles as resolvem, que fazem a história avançar.
Atrevo-me a dizer que qualquer escritor que tenha lido estas últimas linhas poderá concordar com elas.
Falei mais especificamente do papel de Game Master, até agora, mas penso que a minha experiência como jogadora (controlando apenas uma personagem) também me deu uma perspetiva interessante. Seja qual for o mundo em que se joga, RPGs implicam aventura, missões com risco, batalha. Ou seja, implica personagens com uma certa personalidade, para querer fazer desse risco a sua vida. Ou então alguém com azar suficiente para se ver constantemente metido nas maiores das alhadas.
(continua)
1 - Vá, há manuais com várias destas coisas já criadas, principalmente livros cheios de monstro. E há regras para a criação/utilização disto tudo. Existem até aventuras inteiras já criadas, com enredo e todo o tipo de pormenores, para facilitar o trabalho. Mas em última instância, é principalmente um exercício de imaginação.
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