segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O Perraultimato (Felizes Viveram Uma Vez #1)


Autor: Filipe Faria
Ilustrador: Pedro Potier


Opinião: Vamos lá com calma. Vou fazer o mesmo que fiz quando acabei de ler o livro: respirar fundo, contar até dez, lembrar-me do Seltor. Infelizmente, isso não melhora nada, e este livro continua a ser mau. Abaixo do medíocre, sem sombra de dúvida, com algumas notas positivas mas, no geral, um completo descarrilamento para o Filipe Faria.

E chegado a este ponto gostava de ressalvar que gosto bastante do autor e continua a ter As Crónicas de Allaryia como uma das minhas sagas favoritas de sempre. Por causa disso, e da premissa apelativa de mistura de histórias tradicionais com sangue e tripas e o próprio estilo do autor, desde que O Perraultimato foi lançado que tenho bastante curiosidade para o ler.

É aqui que começa a minha história. Observem esta capa:


Não é propriamente feia, mas é infantil. Sofre do mesmo problema que as ilustrações no interior, não tem um estilo adequado ao conteúdo, quer do livro quer das próprias ilustrações. É uma pena, pois Pedro Potier parece ser um bom ilustrador, só que está completamente desadequado a este livro. E ainda por cima o livro foi relançado com a capa que podem ver no cimo do post, com o resto da colecção Felizes Viveram Uma Vez a acompanhar essa linha, muito mais interessante. Como devem imaginar, não queria esta capa, que supostamente até já nem devia estar a ser vendida.

Portanto fiquei aborrecido quando encomendei o livro e ele me veio com essa capa. Mais chateado fiquei quando fui à Fnac fazer a troca, e me sugeriram que eu devia estar à procura do segundo volume. Já não é a primeira vez que acontece, e eu sei que devem ouvir muito pedido estapafúrdio, mas é essencial que tentem compreender cada cliente, e não tentar tratar de todos pela mesma medida. Lá consegui explicar o problema e disseram-me que iam tratar do problema. Imaginem quão chateado fiquei ao voltar lá e ter um livro exactamente igual à minha espera. Só podiam estar a brincar comigo. Foi só com essa terceira tentativa que o livro veio com a capa que eu queria!

Mas pronto, lá o consegui, fiquei todo contente, ainda por cima devia ser interessante, de certeza que ia compensar!

Foi então que o comecei a ler. Novo Acordo, eugh. O prólogo ocupa quase metade do livro, eugh. Mas vamos lá. Nem começa nada mal, a primeira parte do prólogo (que está dividido em cinco) é bastante interessante. Uma versão melhorada e mais sangrenta (yay!) da história mais do que conhecida do Capuchinho Vermelho, e faz sentido que exista.

A escrita, no entanto, ainda mal tinha começado a ler, e já me estava a doer um pouco. Quase amadora! Ou melhor, amadora-que-se-esforça-demasiado-para-ser-profissional. Aquilo que me lembro das Crónicas, especialmente com o avançar dos livros, é de uma boa escrita, capaz de balançar as palavras pouco usuais com uma certa leviandade e um ritmo bastante variável. Neste livro, no entanto, há uma escrita a precisar urgentemente de revisão, com palavras arcaicas e excessivamente complicadas sem necessidade, e que apenas conseguem atrapalhar, e de que maneira, a leitura.

O resto das personagens apresentadas também é interessante, embora algumas histórias de origem (a certa altura só consigo pensar em super-heróis, e que quando acabar o prólogo vou ler uma coisa tipo Avengers) sejam menos interessantes que outras, as suas setenta ou oitenta páginas não me incomodaram. Fazem algum sentido. Talvez o autor pudesse ter lidado com isto de outra forma, mas nem ficou muito mal.

A história, quando "arranca", com aspas porque só arranca mais ou menos, é que deixa muito a desejar. E quando digo muito, quero mesmo dizer muito. Diálogos inconsequentes. Uma escrita consistentemente mediana e muito abaixo da qualidade a que o autor nos habituou. Enredo infantil e violência juvenil, com ambas as coisas a arrastarem-se ao longo dos capítulos sem qualquer necessidade. Uma série de falhas na própria lógica da história.

Enfim. Não quero bater mais no ceguinho. O meu maior problema, para além da demanda súbita e ligeiramente idiota em que os protagonistas se vêem envolvidos, é que este livro tem pouco valor por si só, a sua especialidade é em ser um primeiro volume. Não acreditam? Reparem no Perraultimato, um pergaminho com umas coisas escritas e que é o artefacto da demanda:

Tens de consultar o espelho -> este livro
Para saber onde encontrar o cristal -> próximo livro, O Andersenal, com um cristal na capa...
Com o qual deverás ler o livro -> terceiro livro
Que te permitirá encontrar os ingredientes -> quarto livro
Para o unguento capaz de trazer de volta 
As memórias daquela que se lembra... -> quinto livro

Juntem um final para que tudo se resolva e TA-DA! Temos uma saga. E este livro, o que faz, é passar imenso tempo a apresentar as personagens, com quase zero de desenvolvimento e a maior parte do pouco que é feito a acontecer fora de cena, e ainda divertir-se a apresentar o mundo criado e a história propriamente dita. É um primeiro volume profissional, sem tirar nem pôr.

Acho que o que me chateia mais ainda é o facto de a ideia ser boa, ainda que não propriamente original, e as personagens até terem potencial para caírem na sátira, por muito que agora estejam mais no domínio do ridículo. No fim senti-me desiludido e com a sensação de que era dinheiro mal gasto. As coisas positivas que consigo encontrar nestas páginas não são suficientes para balançar a mediocridade, ou pior, de tudo o resto.

6 comentários:

Vírgula, disse...

Já li o livro há dois anos e senti o mesmo. Havia potencial nas personagens, mas ficamo-nos por aí...

Rui Bastos disse...

Pois, e é pena. O que mais me chateou foi um completo retrocesso em relação às Crónicas de Allaryia. Nem diria que é o mesmo autor...

Anónimo disse...

Desde Julho ou Agosto que ando a ler as Crónicas de Allarya e, ao contrário de outras sagas de fantasia, não consigo devorá-las a um ritmo frenético... Ainda só vou no princípio da Essência da Lâmina...
Todavia, importa dizer primeiramente que todos os livros da Editorial Presença são editados com um tipo de letra e com um espaçamento de caracteres que dificulta imenso a leitura e, depois, que o facto de estar a ler pela primeira vez fantasia portuguesa me leva a apreciar cada palavra cara da obra...

Depois, o primeiro livro da saga, assumido pelo autor, é um conjunto de episódios frenéticos de luta.
O segundo tem um ritmo lento e tão estático como as Estepes de Karatai mas apresenta uma melhor significativa...
O livro terceiro começa mal mas vai aumentando a qualidade e o ritmo até ao final arrebatador...
Este quarto parece-me que está muito bom, equilibrado, com cada personagem a desenvolver-se por si própria...

No entanto, tenho a dizer que em termos de escrita As Crónicas de Allarya estão sublimes, temperadas com palavras portuguesas plenamente adequadas ainda que por vezes tenhamos que descobrir o seu significado num dicionário. A mim maravilha-me sempre a arte de me darem palavras como cenóbio, cenobitas, fulvo e outras que tais...

Tudo isto para dizer sobre as Crónicas de Allarya... por agora...

Já quanto à nova colecção, já uma vez o disse e repito, acho que o Filipe Faria é muito de modas... primeiro "imitou" o estilo Senhor dos Anéis...
Agora "imita" o Era uma Vez...
Acho que o facto de não se dedicar por inteiro à escrita poderá estar a prejudicá-lo... nomeadamente em termos de criatividade e originalidade...

Abraço Rui!
Parabéns pelos 1000 posts!

Francisco Fernandes

Rui Bastos disse...

Concordo contigo. Nas Crónicas aquilo está bom. Em certos momentos, muito bom. O autor conseguiu balançar as palavras mais arcaicas com a acção e o género Fantástico. Aqui isso falha redondamente.

E sim, isso melhora consideravelmente a partir do quarto livro ;)

Essa das modas, epah, assim de repente, realmente, é o que parece, o que é uma pena.

Obrigado!
Abraço

Unknown disse...

Já andava para comentar no blog depois de ler umas coisas bastante interessantes que aqui escreves, mas esta não podia deixar passar. Descobrir outro (grande) fã do Filipe Faria e do (ainda maior) Seltor obrigou-me a deixar uma mensagem.

Esta nova série do autor deixou mesmo bastante a desejar. Inicialmente fiquei triste por não ser uma continuação da história de Allaryia, depois daquele final apetecia tanto... Contudo, tentei ir com boa vontade e li com algum interesse a apresentação das personagens. Mas concordo com praticamente todas as tuas críticas sobre o livro e o passo atrás dado pelo Filipe Faria depois da evolução demonstrada ao longo das Crónicas.

Cheguei a comprar o segundo livro quase devido a puro fanboyismo mas, sinceramente, já pouco me lembro do que lá se passou.

PS: Quase de certeza que já leste sobre o novo projecto dele, uma BD, que foi relevado no site dele. Alguma opinião?

PPS: Ler tanta coisa sobre as Crónicas no teu blog está a dar vontade de reler a saga toda. Mas o backlog de Saramago e comics não quer dar o braço a torcer.

Rui Bastos disse...

Seltor \m/

Sinceramente, acho que esta saga deixou tanto a desejar que o autor nem a vai terminar, pelo menos não num futuro próximo. É um completo retrocesso, depois das Crónicas.

A BD pode ser interessante, mas por enquanto parece-me apenas estar a revisitar temas e cenários das Crónicas, coisas escandinavas. Pode ser mau, pode ser bom, espero que seja a segunda opção. Mas para estar a demorar tanto tempo e ter um trajecto tão atribulado... Infelizmente, desconfio.

As Crónicas foram um projecto megalómano saído da cabeça de um puto, que ao crescer conseguiu fazer algo como deve ser desse projecto. Se ele agora aplicasse tudo o que aprendeu numa nova saga de fantasia... Nem precisa de ser uma saga. Uma trilogia! Uma duologia! Um livro único! Acho que faz falta, high-fantasy standalone, e embora o Filipe Faria seja dado às verborreias, podia ser uma boa aposta. Esperemos...