Autor: Robert Louis Stevenson
Opinião: Por mais lugar-comum que seja, tenho que o dizer: este é daqueles livros a que vou voltar uma e outra vez, com o passar dos anos. Um autêntico clássico com um papel muito importante na literatura.
Qualquer que seja a perspectiva que escolha para olhar para este livro, a minha conclusão é sempre a mesma: fantástico. Tem as suas falhas, é certo, mas não posso deixar de ficar espantado com a assertividade de Robert Louis Stevenson ao contar uma história tão curta de forma tão eficaz.
Ainda por cima uma história tão interessante e que levante questões tão profundas. Da primeira vez que o li nem pensei muito bem naquilo que é fulcral, que é a dualidade entre Jekyll e Hyde, uma dualidade muito mais complexa do que parece à primeira vista.
É que se a interpretação fácil de bom e mau funciona bastante bem, o autor realça bem ao longo do texto, várias vezes, que não é assim tão linear. Se bem me lembro, é o próprio Jekyll que conclui que sim, o Hyde é uma amálgama de tudo o que nele é mau, levado ao extremo, mas que ele, Jekyll, o bom doutor, não é a faceta boa, mas sim uma mistura da faceta boa e de Hyde.
O que é que isto revela? Que o protagonista conseguiu de certa forma trazer ao de cima tudo o que nele é mau, mas não o que é bom. E que essa faceta malvada influencia a sua personalidade, enfraquecendo cada vez mais a faceta boa, que se mantém escondida!
Muito complicada, esta visão do assunto. Não deve ter sido de ânimo leve que Stevenson assim retratou a natureza humana. E no entanto afigura-se-me como uma visão muito certeira. Ou pelo menos muito em sintonia com o que se pensa. Afinal, o mal é sempre retratado como mais fácil.
Quando penso bem nisso, até é uma visão bastante católica da coisa. O mal é fácil, o bem é tortuoso, o primeiro é feio e repugnante, o segundo é recompensandor e certo. Curioso.
Outra coisa interessante é a estrutura da história, que é contada parcialmente em registo directo e parcialmente através de relatos, numa mistura interessante e bem conseguida de vários estilos narrativos.
A caracterização das personagens talvez seja o ponto fraco que sala à vista. Demasiado óbvia e sem grande profundidade, com as personagens a serem claramente veículos com um certo formato para passar uma certa mensagem da melhor forma possível. Perdem valor enquanto personagens para acrescentarem valor à história, uma troca que não é fácil de julgar.
No fim, acreditem, vale muito a pena. E lê-se numa tarde, vocês tenham vergonha na cara se ainda não tiverem lido isto!
3 comentários:
O mal é fácil, o bem é tortuoso, o primeiro é feio e repugnante, o segundo é recompensandor e certo.
Agora lembraste-me de uma das minhas músicas preferidas de um musical e que é precisamente a adaptação desta história. A música chama-se Good 'N' Evil e a letra é brilhante, a meu ver. Aliás o musical é dos meus preferidos. Ainda só tive oportunidade de ouvir a música e ver uma performance que está no Youtube com o David Hasselhoff (xD felizmente o CD que tenho é do casting original e não é com ele) mas como o Fantasma da Ópera era das coisas que mais gostava de ver ao vivo.
O Jekyll é o perfeito paradigma da humanidade imperfeita e em que cada um esconde do outro os pensamentos mais sombrios... é por isso o perfeito exemplo de antagonista dos romances clássicos e uma das personagens que melhor espelha o porquê de eu achar que todos nós, humanos, raras execpções, tendemos para o antagonismo, guiados por interesses e desejos próprios e egoístas que não são dignas para servirem de base a uma história heróica.
Por esta mesma similaridade com antagonistas é que digo que é muito mais difícil de tornar interessante uma personagem heróica do que um antagonista ou vilão.
Sentimos empatia com um bom vilão ou com um bom antagonista porque também somos sujeitos falhos e tendemos a compreender os motivos que levam estes para um caminho mais sombrio (Pelo menos os melhores vilões e antagonistas como Darth Vader, Joker, Voldemort, Don Corleone...).
Já os heróis, que tantos, como eu, gostavam que existissem, afastam-se e muito da personalidade humana quotidiana. São especiais assim como os reais heróis da história e por serem tão especiais é difícil criar bons heróis sem imitar algum já existente ou cair no estereótipo do herói bravo cujo espírito altruísta é avesso ao medo...
Nos últimos tempos, apenas li dois heróis que me saltaram à vista:
O primeiro é o Homem Pintado do Peter V. Brett (E para isso muito contribui conhecer as suas origens até ao momento em que ele se pinta...) e o segundo é Kvothe do Patrick Rothfuss devido à inteligência bruta que possui, ao seu espírito aventureiro e ao seu amor inabalável por uma certa personagem da história...
Já vilões, para mim, não há nenhum que bata o Big Brother, até por ser o que mais se aproxima da nossa realidade e o que mais me assustou desde que me conheço leitor...
Abraço
Francisco Fernandes
Whitelady, não conheço isso, tenho de investigar! Mas isso envolver o Hassellhoff... *chills*
Francisco, concordo. É extremamente complicado fazer um bom herói, mas já um bom vilão é outra história. Além do que disseste, também acho que tem a ver com a dimensão: os vilões cometem actos horríveis e execráveis, mas de alguma forma sempre em grande, seja dominar o mundo ou matar toda a gente ou algo parecido.
Os actos dos bons, ou são combater os planos dos maus ou coisas mais mundanas e discretas.
O Big Brother de que falas tem uma dualidade interessante, a grandiosidade de uma quase-omnipresença aliada à discrição de, basicamente, um ecrã de televisão.
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