quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Por Mundos Divergentes


Autores: Ana C. Nunes, Nuno Almeida, Pedro Martins, Ricardo Dias, Sara Farinha
Ilustradores: Manuel Alves, Ana Santo, Leonor Ferrão, Rui Miguel Gomes, Magde Matias


Opinião: Depois de Na Sombra das Palavras, peguei neste livro com algumas expectativas, mas não demasiadas. E ainda bem. Desta vez nem cheguei a concorrer, portanto se houve dúvidas quando à minha imparcialidade na opinião do livro anterior, não podem existir para este!

Comecemos por falar da capa. Fantástica. A sério, é uma boa capa, chamativa, interessante, e perfeitamente adequada ao tema do livro. De resto, em termos de edição, é o esperado da Editorial Divergência, a editora empenhada e amiga do ambiente!

Agora antes de falar dos contos, quero falas das ilustrações que acompanham os ditos. Que vontade de bater em alguém. Logo o primeiro conto, escrito por Ricardo Dias e ilustrado por Rui Miguel Gomes, falha completamente. São ilustrações com um ar amador até ao tutano. A sério, são más. Assim como as do último conto, escrito por Sara Farinha e ilustrado por Magde Matias. Já não têm um ar tão amador, mas continuam a ser fracas, muito fracas. Os outros três contos têm ilustrações competentes, nenhuma delas particularmente vistosa ou excepcional, mas competentes e agradáveis.

Com isso já fora do sistema, vamos lá focar-nos nos contos. O primeiro é Patriarca, de Ricardo Dias, que tem uma premissa interessante mas um mundo distópico muito pouco consistente. Ora há um controlo extremo como se desafia abertamente a autoridade sem grandes consequências. Orwell e companhia são leitura obrigatória nas escolas, e aqui ninguém me convence que qualquer que seja a autoridade vai cair na idiotice de achar que esses livros servem os seus propósitos.

Mas pronto, a ideia do computador vivo, tão vivo que se vira contra si próprio, é fascinante, embora a forma como a história é contada a deixe demasiado confusa. Ainda por cima a escrita é mediana e o fim é muito, muito fraco.

Depois vem Em Asas Vermelhas, de Nuno Almeida, um dos contos mais interessantes, mas que peca por causa da escrita mediana e do péssimo desenvolvimento das personagens. São praticamente unidimensionais e mudam conforme o enredo precisa. O ritmo é algo confuso, tem um final cliché e muito, mas muito mal aproveitado, mas tenho que destacar a ideia de haver uma espécie de apartheid no futuro, com a desculpa de radiações e afins. Boa premissa!

O conto seguinte deve ser o meu favorito. Dispensáveis, de Ana C. Nunes, tem uma abordagem muito mais íntima do que os outros contos, ao acompanhar o final de vida de um idoso numa distopia que classifica os velhos e inválidos como dispensáveis e os abandona em lugares apropriados. Um nazismo suave. A escrita é boa, a história também, e o tom é muito negro, com muitos bons momentos (e alguns, poucos, menos bons).

Consegue ter um final satisfatório, ainda que previsível. Só não gostei de ter alguém na primeira pessoa a terminar o discurso daquela forma, porque não faz muito sentido. Não quero dizer mais para não estragar leituras, mas pronto.

Arrábida8, de Pedro Martins, é o conto mais desenvolvido, pelo menos em termos do universo distópico que apresenta, incluindo até um sistema muito interessante de balanço pessoal das coisas más e stressantes com as coisas boas. Demasiado trabalho, acumula demasiados créditos, tem que ir gastar em lazer. Muito interessante!

As personagens é que são fracas. O ritmo também é, no mínimo, estranho. Mas evolui bem, é uma história interessante de acompanhar, misteriosa, com pequenas dicas do que se passa, e tal. Estraga é um bocado no fim (acho que a minha obsessão com princípios e fins esteve nos píncaros durante este livro todo), por deixar algumas pontas soltas que era importante ter atado.

Por fim, Somos Felizes, de Sara Farinha, que tem a distopia mais aterradora, sem sombra de dúvida: uma em que obrigam as pessoas a ser felizes, a níveis bastante perturbadores. Gostei de ler, mas a história é altamente confusa, como se não se conseguisse decidir exactamente por onde seguir. Acaba por ter uma premissa interessante - numa sociedade feliz por lei, como é que se lida com a morte? - e desenvolvimentos bem feitos, mas deixa um bocadinho de nada a desejar. Não deixa, no entanto, de ser uma boa forma de terminar o livro.

Como podem ver, a qualidade dos contos não é muito variável. Não há nenhum que se destaque nem pela positiva nem pela negativa. É uma melhoria em relação à antologia anterior, pelo menos agora gostei realmente da leitura, mas fico com a sensação que isto ainda não é o melhor que há. Nem digo outros contos, nem outros autores, mas sim um maior polimento destes contos. A maior parte dos defeitos que apontei tinham sido facilmente resolvidos com mais umas voltas aos contos.

Juntamente com isso, as frequentes gralhas também chateiam, o que me deixou a pedir várias vezes aos deuses da Revisão para fazer cair um relâmpago neste livro. Momentos de cabeça quente, nada mais, porque ao fim e ao cabo este é um livro razoável. Ainda por cima tendo em conta que é apenas o segundo livro da Divergência, e que o primeiro foi abaixo de razoável, isto é bom, e por isso é preciso louvar novamente a editora. Venham os próximos!

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