sábado, 27 de junho de 2015

Estantes Emprestadas [18] - Literatura e Cinema


Caríssimos, apresento-vos um inédito na minha "carreira" por este mundo dos blogs: uma professora minha do Secundário escreveu uma crónica para esta rubrica! Isto é um marco! Uma vitória! Ainda por cima foi uma das minhas professoras favoritas, Maria de Lurdes Sanches, professora de Português, aturou-me no meu 12º ano e tivemos variadas e produtivas discussões, invariavelmente sobre Pessoa e/ou Saramago. Foi uma excelente professora, que sempre teve mais interesse em cativar a turma para os assuntos do que propriamente em debitar matéria e análises pré-feitas. Preferia que discutíssemos, mesmo que fossem sempre os mesmos, sempre com as mesmas conversas ("a poesia do Pessoa não presta, outro tipo qualquer que escrevesse aquilo não era levado a sério, Saramago é que era, bla bla bla", conseguem adivinhar quem era o chato?)

E pronto, desafiei-a a escrever sobre cinema. Podem ver o resultado ali em baixo: uma cróinca curta, mas interessante, que mostra bem o que é gostar de Cinema, e como é que se lida com as adaptações que se fazem de livros. À professora, muito obrigado (embora eu já soubesse que me ia encher o texto de Pessoa, e por isso ainda me vingarei de alguma forma)!!

“Cuidado, Macacoi, que o gajo 'tá na esquina!”, gritava Sagui, em Esteiros de Soeiro Pereira Gomes, numa passagem deliciosa de um dos livros que marcou a minha adolescência. E ainda hoje, embrenhada na leitura ou perdida no enredo de um filme, me apetece imitá-lo e avisar os meus heróis do perigo iminente. E é isto a literatura ou o cinema: o transporte para um mundo mágico em que deixamos o que somos atrás da capa ou do grande écran.

Desde que o cinema nasceu, enquanto a Sétima Arte que se juntou às outras “clássicas” seis, o seu caminho foi feito a par dos livros e da escrita revelando um outro olhar ou ficando perto ou alterando o original ou até decepcionando-nos quando nos adultera a nossa impressão de leitor. Ora, creio que o cinema tem mesmo que recriar, que nos alterar a história que tínhamos arrumada e arranjadinha na memória, que fazer jus ao célebre verso “Sentir, sinta quem lê!” que, neste caso, será quem realiza. Confesso que nem sempre é fácil assistir à destruição - ou ao que julgamos ser uma destruição - de uma obra que consideramos intocável. Foi o caso do filme “Amor nos Tempos de Cólera”, de Mike Newell, adaptação de um dos livros da minha vida, perante a qual me senti revoltada ao ver o meu Gabriel reduzido a uns diálogos dignos da pior telenovela mexicana. É que nem a presença de Javier Bardem me aplacou a ira! Mas acredito que terá agradado a muitos e terá levado alguns à descoberta de um autor e originou, certamente, muitas discussões. Porque, indiscutivelmente, livros e fitas são socializadores.

No contexto português, temos inúmeros casos de adaptações de obras de vulto da nossa literatura tanto por realizadores portugueses como estrangeiros, como “Amor de Perdição”, com a primeira adaptação ainda em filme mudo por um realizador estrangeiro, e, mais tarde, por Manoel de Oliveira. Eis um caso singular: um Camilo em registo alucinante, a deixar o leitor cansado de tanto correr atrás daquelas personagens envolvidas constantemente em peripécias, adaptado com a técnica do nosso querido Manoel em planos fixos, de câmara imóvel e em cenários quase exclusivamente interiores. Aqui, ao contrário do exemplo que dei atrás, impera a palavra, ao invés da acção rápida, sobressai o interior das personagens que se mantém as de Camilo. Um outro olhar, portanto. E válido!

Mais recentemente, “O Livro do Desassossego”, de Fernando Pessoa, e “Os Maias”, de Eça de Queiroz, foram sucessos de João Botelho. Em ambos os casos, há uma fidelidade distante às obras. Pelo menos, foi o que eu senti enquanto leitora e espectadora. Se, por um lado, respiramos Pessoa e Eça, por outro, é muito forte a presença da recriação do realizador tanto nos cenários, surpreendentes nos dois filmes, como na opção de fazer sobressair apenas alguns aspectos das duas obras literárias. E não podemos esquecer o “Ensaio sobre a Cegueira”, de Saramago, adaptado e realizado por Fernando Meirelles, brasileiro, e que contou com um elenco internacional. Poderia continuar a dar aqui exemplos deste permanente diálogo entre a escrita e a imagem mas, por agora, apetece-me ir ver um filme, ler um livro ou ambas as coisas.

Literatura e Cinema: uma forma de arte a proporcionar uma outra e que sorte temos por podermos sentir lendo ou vendo… Mas adoptemos a atitude do Sagui e gritemos aos nossos heróis “Cuidado, Macacoi, que o gajo 'tá na esquina!”

2 comentários:

Maria de Lurdes Sanches disse...

Obrigada, Rui
Pelo desafio, por teres sido um aluno irrequieto e "desassossegado"!
Enchi o texto de Pessoa! Só um versinho pequenino, nada mais. Mas podemos continuar nesta troca de letras e contigo também a provar aos meus alunos que, independentemente do que façamos na vida, a leitura e a escrita são muito enriquecedoras.
Um grande beijinho

Rui Bastos disse...

Sempre às ordens!

A professora só tem de me dizer o que quer que escreva/faça, que logo trato disso :)