quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Fragmentos aleatórios de excitação


Vou-vos contar tudo muito rapidamente: Sábado dia 17 recebi o mail a dizer que fiquei colocado em Engenharia Biomédica no IST (primeira opção, yay!); Domingo dia 18 fiz anos e recebi, entre outras coisas, uma espectacular mala dos AC/DC, com a fronha arrogante de um jovem Angus Young espectacularmente estilizada na frente; e ontem, Terça dia 20, fui gastar o dinheiro que tinha no cartão oferta que recebi nos anos, e comprei o David Copperfield, de Charles Dickens, barato, depois de há uns dias atrás ter comentado com alguém que andava à procura dele; e com o dinheiro que sobrou, comprei ainda o The Stand, de Stephen King, um épico apocalíptico de 1300 e tal páginas. Resumindo: pode-se dizer que sou um gajo feliz.

Não podia estar mais orgulhoso de mim mesmo (gaba-te cesta) por ter entrado onde queria, no curso que queria, e ver recompensado o meu esforço dos últimos 12 anos, especialmente dos últimos 3, nomeadamente deste último. E não podia ter arranjado prendas melhores! Uma mala, que andava a precisar, extremamente linda e maravilhosa, e dois grandes calhamaços, como eu gosto, que incluem um dos maiores livros que o meu autor favorito de sempre já escreveu, para eu me babar a olhar para ele.

Isto tudo, quero pedir desculpa pela aparente desorganização que tem grassado no blog. Aquilo que se tem passado é que andamos todos a ler mais depressa do que escrevemos. A preguiça de escrever é muita, mas a vontade de ler não esmorece, o que leva a um desfasamento entre aquilo que anunciamos estar a ler, e as opiniões que vão saindo. No meu caso a coisa já está estabilizada: ando mesmo a ler A História Política do Diabo, de Daniel Defoe, que é bastante engraçada, já agora, apesar de ainda ir praticamente no início. O tom sério, de ensaio, com que o autor escreve é completamente contrabalançado pela crítica irónica e mordaz do assunto de que tão bem fala. Estou a gostar, mas não me vou adiantar muito, que depois tenho que escrever a opinião, e se digo já muita coisa depois não tenho nada para dizer, e fico com preguiça de escrever, e volto a entrar no círculo vicioso de ler mais depressa do que escrevo, e enfim, é uma desgraça...

Já agora, também já tenho as próximas leituras planeadas: O Segredo de Chimneys, de Agatha Christie; Número Notáveis, de Lamberto García del Cid; A Mãe, de Maximo Gorki; Os Passos Perdidos, de Alejo Carpentier; O Homem do Castelo Alto, de Phillip K. Dick; O Demónio Branco, de Lev Tolstoi; e depois logo se vê. Penso já ter tudo planeado pelo menos até ao final de Outubro (espero). Se entrar nalgum frenesim de leitura, o que é pouco provável, isto só dura até à segunda semana de Outubro... Mas com a entrada na Universidade, e essas coisas todas, o mais provável até é a leitura arrastar-se um pouco mais. Logo se vê.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

The Lovely Bones

Título: The Lovely Bones
Autor: Alice Sebold

Sinopse: "My name was Salmon, like the fish; first name, Susie. I was fourteen qhen I was murdered on December 6, 1973. My murderer was a man from our neighborhood. My mother liked his border flowers, and my father talked to him once about fertilizer."
This is Susie Salmon, speaking to us from heaven. It looks a lot like her school playground, with the good kind of swing sets. There are counsellors to help newcomers to adjust, and friends to room with. Everything seh wants appears as soon as she thinks of it - except the thing she wants most: to be back with the people she loved on Earth.
From heaven, Susie watches. She sees her happy suburban family implode after her death, as each member tries to come to terms with the terrible loss. Over the years, her friends and siblings grow up, fall in love, do all the things she never had the chance to do herself. But life is not quite finished with Susie yet.
The Lovely Bones is a luminous and astonishing novel about life and death, forgiveness and vengeance, memory and forgetting. It is, above all, a novel which finds light in the darkest of place, and shows how even when that light seems to be utterly extinguished, it is still there, waiting to be rekindled.

Opinião: Depois de ter lido Lucky, da mesma autora, fiquei com uma tremenda curiosidade para ler mais qualquer coisa da sua autoria, especialmente este The Lovely Bones, que já foi transformado em filme, cujo trailer me deixou bastante intrigado. Mas como o tenho em inglês, confesso que o ia deixando ficar para trás, em prol de livros em português, porque sabia que caso não gostasse ia deixar que a sua leitura se arrastasse por intermináveis semanas.

Felizmente, adorei. Logo desde as primeiras páginas. Como é dito algures, o facto de a história ser narrada por Susie Salmon, uma rapariga violada e brutalmente assassinada, a partir do céu, foi um golpe de génio, que permitiu à história ter um tom vagamente inocente, mas também de uma frieza e tranquilidade inesperada, uma característica que já tinha aparecido em Lucky, quando a autora descreve a sua própria violação e aquilo que sentiu na altura, e depois.

Só que neste caso, e uma vez que a história é ficcionada, as liberdades são maiores. Susie tem uma visão geral de tudo o que acontece a praticamente toda a gente que conheceu em vida, bem como ao resto das pessoas, se quiser, o faz com que o drama que envolve a sua morte seja visto de forma mais abrangente. É comovente, claro, muito comovente, mas aquilo que mais se destaca, que chega mesmo a chocar, é a frieza com que Susie narra a história, aspecto que eu já referi... Ela descreve a sua violação, a sua morte, fala do seu corpo, da desgraça que se abateu sobre a sua família, de tudo, com uma aparente tranquilidade que arrepia.

Mas a história não é propriamente um drama, apesar de todas as desgraças e horrores. É a autêntica crónica de uma família que se desagrega lentamente, desde o momento da morte de Susie. Não que ela fosse a cola que unia os pedaços e que só esperavam por um toquezinho para se separarem... Ela era uma criança normal, inteligente e curiosa (a curiosidade matou o salmão, já agora, nunca vi um provérbio tão bem aplicado a alguma coisa), mas a sua morte teve um grande impacto na sua família, como seria de esperar. Fez com que cada membro da família, e alguns amigos, ganhassem uma viva consciência de si próprios e daqueles que os rodeavam.

Ah, e o céu de Susie é muito interessante. É pessoal e pode ser privado, e a partir dele tem acesso ao mundo dos vivos, que observa atentamente, dia após dia. Torna-se um conceito curioso e que ganha uma certa relevância para o desenvolvimento da história, bem como para a sua estrutura, que me agradou imenso, digo já, como tudo no livro.

Ainda por cima fiquei apaixonado pelo formato físico do livro. É pequeno, é maleável, cabe de facto no bolso, as páginas não caíram mal o abri, é agradável à vista e tem a letra perceptível. Porque é que não se fazem livros assim em Portugal? Talvez seja melhor deixar isso para outra altura, o que interessa agora é que se viram o filme e acharam interessante, agarrem no livro, e se ainda não viram o filme, façam como eu e agarrem no livro na mesma... E depois esperem por uma tarde de preguiça para ver o filme!

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Harry Potter e a Ordem da Fénix



Título: Harry Potter e a Ordem da Fénix
Autor: J.K.Rowling
Tradutor: Isabel Fraga, Manuela Madureira, Isabel Nunes e Alice Rocha

Sinopse: Este tem sido um Verão ainda mais insuportável que o costume, para Harry Potter. Sozinho com os Dursleys, não consegue perceber por que razão Ron e Hermione lhe enviam respostas tão vagas às suas cartas. Isolado do mundo mágico a que pertence, Harry segue atentamente os noticiários, convencido de que até os Muggles se aperceberão de alguma coisa, se Lord Voldemort voltar a atacar... E é então que os acontecimentos se precipitam. Parece impossível, mas, no bairro mais muggle do mundo muggle, Harry é emboscado por Dementors! Para salvar a sua vida e a do primo Dudley, Harry não tem outra hipótese senão usar magia - mesmo sabendo que isso significará a sua expulsão mais que certa de Hogwarts. Enquanto o Ministério da Magia continua a não acreditar que o terrível Senhor das Trevas está de volta, Voldemort e os seus fiéis Devoradores da Morte já começaram a preparar o seu regresso ao poder. Porém, há uma nova esperança: uma antiga Ordem secreta, da qual os pais de Harry fizeram parte, voltou a organizar-se - e Dumbledore está atento.

Opinião: Acordamos para neste quinto volume para um Harry preocupado e mais adulto, logo desde as primeiras linhas.

Negado a informações e mantido à margem do mundo mágico, Harry serve-se de todos os meios ao seu alcance para detectar algum movimento de Voldemort.

Descobrimos por fim a Ordem da Fénix, que nos vem de certo mode reconfortar e trazer esperança de luta.

Partimos então pela quinta vez para Hogwarts, onde interessantes acontecimentos esperam os três amigos. Acontecimentos esses, que se podem reduzir a um nome: Dolores Umbridge.

Oh sim, esta odiável personagem proporcionou-me um dos livros mais queridos da saga. Com ela veio a ditadura e a censura, e com estas, a resistência.

Todo este clima repressivo que se sente ao longo de "A Ordem da Fénix", me fez em tudo lembrar as ditaduras militares que se viveram ao longo da história, assunto que me interessa particularmente.

Então, tal como em todos os regimes ditatoriais, há sempre alguém que se opõe e se revolta.

Nesta história, a resistência toma o nome de E.D. : Exército de Dumbledore.

Com Harry na vanguarda (e evidentemente Hermione, pois por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher), alguns alunos decidem alistar-se, preparando-se assim para a guerra eminente, uma vez que este conhecimento lhes é negado para servir unicamente os interesses do ministério.

De entre estes militantes, curiosas personagens aparecem pela primeira vez, de entre elas Luna Lovegood, uma das minhas personagens preferidas, por me identificar tanto com ela.

Harry vive também o seu primeiro romance com Cho Chang, e revelando-se bastante imaturo nessa matéria.

Enfim, lá para o fim do ano, (Voldemort, ainda que queira ardentemente matar o Harry, parece preocupar-se bastante com a sua educação), assistimos a uma renovada batalha sangrenta entre alguns membros do E.D e da Ordem da Fénix contra Voldemort e os seus Devoradores da Morte, que resulta num dos fins mais trágicos de toda a saga: a morte de Sirius Black, tão amado desde o terceiro volume. É então, no meio de todo este sofrimento, que Harry é finalmente informado por intermédio de Dumbledore do verdadeiro conteúdo da tão cobiçada profecia: "Nenhum pode viver enquanto o outro sobreviver". Uma informação crucial para o desfecho da história.

Começa então um tudo ou nada que só poderá ter termo com a morte de Harry ou de Voldemort.

Na minha opinião, um dos melhores livros da saga. Afinal, a partir daqui é sempre a melhorar.

Curiosidade: Na imagem de cima, a Ginny é a única rapariga de calças.

4nj05

Título: 4nj05
Autor: Carlos Silva

Sinopse: Num universo, não muito diferente do actual, nada nem ninguém pode passar pelo crivo informático. Com os conhecimentos certos pode-se saber o que se quiser sobre quem se quiser.

Felizmente existem aqueles acima da rede. Dão-se pelo nome de Anjos e a sua função é serem mensageiros dos segredos dos outros.
Mas nem estes estão completamente a salvo quando a mensagem a transmitir é um documento que pode mudar o mundo.


Opinião: Para a leitura desta noveleta, como o próprio autor lhe chama, fui contactado directamente pelo próprio, Carlos Silva, uma vez que que o texto não se encontra editado nem publicado por nenhuma editora. Pediu-me para ler e para opinar, pedido a que acedi de boa vontade.

E tenho coisas boas e coisas más a dizer. A apresentação está óptima, eu cá compraria um livro com este aspecto e esta capa. O título é curioso. E a história é interessante, após as primeiras páginas fiquei com curiosidade para saber o que ia acontecer.

No entanto, há também vários defeitos. Não vou contar com os erros e as trapalhadas gramaticais (afinal, é um livro não editado...), mas a história acaba por ser mal desenvolvida, com bastantes partes algo confusas e com as personagens a precisarem, no geral, de um melhor desenvolvimento. A sensação com que fiquei foi a de que faltavam capítulos atrás e capítulos à frente, como se estas 66 páginas tivessem sido retiradas ao calhas do meio do livro original.

Resumindo, é uma ideia interessante, mas que não chega para dizer que é um bom livro. Na minha opinião pessoal, a história devia ser revista, deviam ser adicionadas coisas, mais explicações, mais desenvolvimento e um melhor aproveitamento dos momentos de acção, que são sempre de curta duração e fraquinhos. Esperava mais, depois das primeiras páginas, mas é uma história que tem um certo potencial, se o autor a desenvolver melhor.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Precious

Título: Precious
Autor: Sapphire

Sinopse: Esta é a história de Claireece Precious Jones, uma jovem de 16 anos, igual às outras raparigas da sua idade em muitas coisas... mas muito singular noutras: Claireece é obesa, analfabeta, foi vítima dos abusos sexuais do seu pai, do qual teve uma filha, e é maltratada psicologicamente pela sua mãe. Quando Precious, após outra violação, fica novamente grávida, é expulsa da escola e começa uma nova educação num centro especial para casos extremos... e a sua vida mudará para sempre.

Opinião: Um poderoso e arrepiante livro. Globalmente é muito estranho e intenso. O facto de ser escrito através da perspectiva da personagem principal, a própria Precious, leva a que a história esteja pejada de erros, uma vez que ela começa a história como analfabeta, e na altura em que a começa a escrever, enfim, escreve mal. Mas a coisa vai melhorando, com o passar do tempo, apesar de nunca chegar a ser nada literariamente espectacular... Mas o objectivo é esse, é uma forma de apresentar a realidade ainda mais crua, permitindo-nos contactar directamente com aquela realidade específica.

É um choque duro, confesso, a leitura deste livro. Um mundo completamente diferente daquele a que estou habituado, um mundo em que Precious é violada pelo pai e pela mãe, além de ser rigorosamente controlada por esta última, que lhe diz tudo o que deve fazer. Com uma filha do seu próprio pai, e outro a caminho, analfabeta, sem dinheiro e sem qualquer tipo de apoio seja a que nível for, Precious vê-se presa num verdadeiro pesadelo demasiado cruel e infeliz para ser sonhado.

Confrontada com uma vida verdadeiramente miserável, Precious tem uma pequena esperança quando ingressa numa escola especial para pessoas como ela, onde vai fazer amigas, verdadeiras amigas, que a vão ajudar a ultrapassar as dificuldades e a viver como merece, feliz.

Neste livro pequeno, a autora consegue criar um relato emocionante e perturbadoramente realista do que é a vida na América, numa situação de extrema pobreza. Definitivamente aconselhado!

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A Criatividade em Matemática

Título: A Criatividade em Matemática
Autor: Miquel Albertí

Sinopse: Este livro foi escrito com base na convicção de que a matemática é uma actividade democrática, isto é, que qualquer pessoa é capaz de criar matemática. Partindo de exemplos históricos e actuais, e também de preciosas lições aprendidas com culturas não ocidentais, o leitor será levado a descobrir que matemáticas há muitas, e que o segredo da criação é "viver matematicamente" um pouco todos os dias.

Opinião: Encontrei o meu favorito desta colecção. É o primeiro (se bem me lembro) que vai além da objectividade necessária à matemática, e que faz uso de uma visão mais pessoal do seu autor, na qual se reconhece uma verdadeira paixão pela matemática e por tudo aquilo que a inclua.

Esse pequeno pormenor faz toda a diferença. O autor, ao usar um tom mais pessoal, e até um capítulo inteirinho baseado nas suas experiências pessoais, contadas de formas muito mais subjectivas que o resto do livro! É claro que quando se trata de matemática pura e dura, de contas de demonstrações, a objectividade e a racionalidade fria estão lá, mas até nos raciocínios e nas analogias usadas o autor conseguiu usar um tom mais pessoal e vívido.

O tema é o papel que a criatividade tem na matemática. À primeira vista, talvez muita gente diga que não tem nenhum, afinal, a matemática é algo tão exacto, objectivo, preciso e racional, que não deve haver espaço a algo aparentemente tão caótico e fora do contexto como a criatividade. Enganam-se. Quando é preciso resolver um problema, a criatividade é absolutamente fundamental. Usando o exemplo que o autor usa, se a criatividade e o discernimento humano não fossem precisos, e a criação matemática fosse meramente fruto de uma aplicação racional e objectiva de um conjunto de regras, qualquer problema seria resolvido por um computador, bastava inserir as regras, as condições, e ele resolvia.

Mas não funciona assim. A beleza da matemática, aparentemente incompreensível para a maior parte da população, está exactamente na descoberta, ou melhor, na criação de soluções para os mais variados problemas, desde escolher o caminho mais rápido, a estratégia mais eficiente, e até mesmo desenhar padrões geométricos sem demorar 45 minutos a fazer traçados auxiliares e medições.

No tal capítulo super pessoal, o autor fala das várias matemáticas, ou seja, de como culturas diferentes chegam a soluções diferentes para o mesmo problema, e de como a necessidade é um grande motor dos avanços matemáticos nos seus mais variados ramos. Mais especificamente, fala de artesãos na Indonésia que produzem intrincados e complexos padrões geométricos sem fazerem qualquer tipo de medições, quase a olho e com métodos intuitivos, uma estratégia que contraria o mais usual na nossa cultura de medições rigorosas e planeamento cuidadoso.

É de facto um livro espectacular, sem dúvida nenhuma o meu favorito de toda a colecção, até agora. Especialmente por causa do excelente trabalho do autor, que transmite a paixão que é a matemática, ao falar dela de tal forma que demonstração na perfeição como para além de ser a ciência mais exacta e pura de todas, é também uma das mais belas artes.

O Banqueiro Anarquista

Título: O Banqueiro Anarquista
Autor: Fernando Pessoa

Opinião: Só tive duas razões para ler este livro: a minha curiosidade natural e a pequenez do livro. Não sou fã dos escritos de Pessoa, embora tenha lido maioritariamente poesia. Portanto, a minha vontade de ler um livro escrito pelo poeta não era lá muita. No entanto sou demasiado curioso, e aproveitei o reduzido tamanho deste livro para experimentar.

A estrutura é simples, um imenso diálogo, que me fez lembrar os diálogos de Platão e dos gregos afins, em que duas personagens discutem uma ideia (ou várias), neste caso a anarquia.

Só que, uma vez que foi Pessoa a escrevê-lo, isto não podia ficar por aqui. Tinha que haver um qualquer tipo de paradoxo. Então não é que o homem que não só afirma ser anarquista, como afirma ser mais anarquista que os outros proclamados anarquistas, é um banqueiro, que enriquece à custa dos outros? É um bocado contraditório que alguém que se diz seguidor de uma doutrina que deseja abolir todas as convenções sociais, e criar uma sociedade verdadeiramente livre, seja afinal alguém que faz uso dessas mesmas convenções sociais para enriquecer, indo contra os ideais anarquistas que defende.

Mas a verdade é que Pessoa consegue, através do banqueiro, fazer uso de uma argumentação surpreendentemente lógica, culminando com uma espécie de "se não os consegues vencer, junta-te a eles" muito peculiar, em que o banqueiro diz que a única maneira de se ser verdadeiramente livre é estando livre das convenções e imposições sociais, e como destruí-las é impossível, tem que estar acima delas, ou seja, neste caso, tem que ter tanto dinheiro que deixa de ser escravo do sistema capitalista, sem ter necessidade de se preocupar com o dinheiro.

Surpreendente e único, tresanda a Pessoa e ao seu uso de uma linguagem extremamente acessível para transmitir ideias complexas e possivelmente rebuscadas, bem como à estrutura ideológica paradoxal e retorcida, tão frequentemente presente nos seus poemas, e que são praticamente a única coisa que realmente me agrada, na sua lírica. Neste pequeno livrinho encontram-se estas e outras características muito pessoanas, que fazem dele um pequeno livrinho invulgar e invulgarmente agradável.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Contos de Fadas Politicamente Correctos

Título: Contos de Fadas Politicamente Correctos
Autor: James Finn Garner
Tradutor: Francisco Agarez

Opinião: Um divertido conjunto de histórias infantis modernizadas, para se tornarem "politicamente correctas", o que significa que passam a incluir temas como o feminismo, a igualdade social (entre espécies e tudo), a defesa do ambiente, a luta contra a ganância, enfim, toda uma série de conceitos muito actuais e badalados.

Isto significa que as histórias, a certa altura, se encontram tão diferentes da versão original que ficam quase irreconhecíveis, com os vilões e as vilãs a serem as boas da fita, as damas indefesas a tornarem-se bastante auto-suficientes e normalmente a salvarem-se sozinha, sem esperarem por ajuda, bem como a introdução de vários termos que se afiguram como que deslocados, no nosso imaginário, como biorregião, criatura sereica, e uma insistência em usar a palavra pessoa, para não haver descriminação de géneros.

É claro que a mensagem a passar é muito mais profunda do que aparenta ser. A ideia não é de facto modernizar os contos e torná-los politicamente mais correctos, esta noção não passa de um simples meio para atingir outro fim, o de ridicularizar a sociedade, que parece regredir em termos sociais, ao invés de progredir, com os fanáticos seja do que for a defenderem as suas causas para lá delas próprias, vendo descriminação em tudo o que mexe e mau comportamento social em coisas banais e feitas de forma inocente.

Por exemplo, é mais notícia o facto de uma mulher ser escolhida para ministra, independentemente das suas capacidades, do que o facto de um homem altamente qualificado e promissor ser escolhido para o mesmo cargo. Até houve uma proposta (que não sei se chegou a ser aprovada) de criar quotas no Parlamento para definir o número de mulheres que têm que lá estar. Uma ideia absolutamente ridícula, pois ignora-se por completo as capacidades dessas ditas mulheres em relação à de outros homens, possivelmente mais qualificados, mas que são preteridos em lugar das mulheres, por causa das quotas.

Como este há muitos exemplos, e praticamente todos eles são ridicularizados e satirizados neste pequeno livro, num estilo bastante engraçado e crítico, como não o podia deixar de ser um livro humorista.

Harry Potter e o Cálice de Fogo



Título: Harry Potter e o Cálice de Fogo
Autor: J.K.Rowling
Tradutor: Isabel Fraga, Isabel Nunes e Manuela Madureira

Sinopse: Harry Potter nem quer acreditar na sua sorte! Afinal não vai ter de aturar os Dursleys até ao início do seu quarto ano em Hogwarts. Graças à Taça Mundial de Quidditch vai passar os últimos quinze dias de férias na companhia dos Weasleys e do seu amigo Ron. Mas a verdade é que nem tudo vai correr pelo melhor para o nosso herói. Quando Harry começa a sentir a sua cicatriz a doer terrivelmente, sabe que Lord Voldemort está de novo a rondá-lo e a ganhar poder. A Marca da Morte, que apareceu no céu, não pode significar outra coisa... Entretanto, este é um ano muito especial para Hogwarts, pois é lá que se irá realizar o célebre Torneio dos Três Feiticeiros, no qual Harry vai desempenhar um papel decisivo e que quase lhe irá custar a vida!! Pela segunda vez, Potter vê-se frente a frente com Voldemort, e ele sabe que o maior desejo do poderoso senhor das trevas é vê-lo morto... Outro livro maravilhoso!

Opinião: Harry faz catorze anos, um ponto de viragem marcante na entrada para a adolescência de um rapaz: demasiado novo para umas coisas e consideravelmente imaturo para a maior parte. De qualquer forma, toda a personalidade e afirmação se moldam e manifestam nesta idade. Bem como as hormonas, a respeito das quais trataremos mais tarde.

Harry, ao entrar para o seu 4º ano na Escola de Magia e Feitiçaria de Hogwarts, julga, esperançoso de poder finalmente disfrutar de um ano tranquilo sem dar muito nas vistas.

Eis, (obviamente) que se torna involuntariamente um campeão do Torneio dos Três Feiticeiros. O quarto indesejado e odiado por todos.

Na minha opinião, um acontecimento como este deve abalar profundamente o mundo de um adolescente de catorze anos, relativamente perturbado e irreflectido. Pobre Harry.

Aparece pela primeira vez neste quarto volume a carismática personagem Moody Olho Louco e com este, as três maldições imperdoáveis: Imperius, Cruciatus e Avada Kedavra.

Penso que o motivo de estes três feitiços em particular terem sido considerados imperdoáveis, poderia gerar uma boa discussão filosófica. (Mas deixemos isso a quem de direito, se é que sabem do que falo).

Divagações à parte, Harry lá se vai safando, tanto às tarefas do Torneio, como aos desentendimentos com Ron, como ainda à rejeição do seu primeiro crush: a atraente seeker dos Ravenclaw, Cho Chang.

Chegamos então ao fim, e com este a um dos momentos mais marcantes de toda a saga: o regresso físico de Lord Voldemort.

Na posse de um novo e melhorado corpo (no qual corre sangue do próprio Harry), Voldemort mostra-se imparavelmente mais poderoso.

Sofremos então dois choques: a morte de Cedric Diggory, tão jovem e prometedor, e a revelação de que o tão fiel Moddy Olho Louco, não é afinal quam aparenta ser, mas sim um Devorador da Morte extremamente perturbado.

Dizem por aí umas más línguas que o Harry não passa de um nabo cheio de sorte. Assim é, sem dúvida, mas incontestavelmente corajoso.

Neste quarto livro, por exemplo, quando resignado à morte às mãos de Voldemort, se decide a morrer enfrentando a morte de frente (à semelhança do seu pai), dá a prova de uma grande presença de espírito, que poucos teriam no seu lugar.

Sortudo, sim. Mas arrisco-me a afirmar, merecedor.

domingo, 11 de setembro de 2011

A Mão de Fátima

Título: A Mão de Fátima
Autor: Ildefonso Falcones
Tradutor: Pedro Carvalho, Sérgio Coelho e J. Espadeiro Martins

Sinopse: Há mais de meio século que desapareceu o último reino muçulmano da Península Ibérica, Granada. Os muçulmanos, cuja presença remontava a oitocentos anos, vêem-se convertidos numa minoria explorada e humilhada nos seus costumes e religião, que se vêem obrigados a abandonar.
Em 1564, fartos de tanta injustiça, lançam uma ofensiva contra os cristãos. Entre os sublevados está Hernando, filho de uma moura e do sacerdote que a tinha violado. Hernando - desprezado por ambos os povos - procura conquistar a liberdade e o respeito, mas depara com a brutalidade dos dois. Entretanto, conhece aquela que seria o amor da sua vida, Fátima, uma bela mulher de olhos negros.
Após a derrota da insurreição, Hernando é deportado para Córdova, a bonita cidade que ainda conservava o legado do seu passado árabe. Aí, Hernando tenta recomeçar a vida, que será uma nova etapa na luta pela tolerância e pela concórdia entre as duas culturas.

Opinião: Um romance de proporções épicas, pelo número de páginas e pelo assunto que tão bem retrata: um conflito de religiões, que opõe a fé muçulmana e a fé cristã numa batalha que destaca a ganância e a visão abertamente dogmática de cada facção.

O autor fá-lo de forma bastante inteligente, ao criar uma personagem aparentemente ambígua, ainda que firme nas suas convicções religiosas, do princípio ao fim. Essa personagem é Hernando Ruiz/Hamid Ibn Hamid, filho de uma muçulmana, Aisha, e de um pároco cristão, que violou a sua mãe. É logo aqui que começa a ambiguidade de Hernando, já que tem feições muçulmanas que não conseguem esconder indiscutíveis traços cristãos, como os seus olhos azuis. Isto faz com que seja educado na religião muçulmana, principalmente em casa de Hamid, um alfaqui disfarçado, ao mesmo tempo que recebe mais atenções do que o normal da parte dos cristãos, que vêm nas suas feições e na sua ascendência paterna uma grande esperança para a evangelização.

Esta ambiguidade, embora lhe salve a vida por diversas vezes, vai-lhe trazer maioritariamente problemas, uma vez que entre os muçulmanos é conhecido como "o nazareno" e é um alvo fácil para as desconfianças daquele povo renegado; enquanto que entre os cristãos, não deixa de ser mouro, o que lhe dá um estatuto social praticamente inexistente. Ao longo do livro assistimos à luta de Hernando, que se encontra quase que encalhado entre as duas religiões (mesmo no final do livro, literalmente encalhado entre duas... religiões), ora a lutar com unhas e dentes pela sua fé verdadeira, a muçulmana, ora a apresentar-se como o mais cristão dos cristãos, para passar impune aos olhos da sociedade cordovesa.

Hernando, enquanto personagem, é um dos grandes trunfos do autor neste romance, a par das boas descrições e da excelente reconstituição histórica, pois ao contar a história do ponto de vista de um muçulmano integrado numa sociedade cristã à força, permite que se tenha uma visão bem diferente da mais habitual, a visão cristã, que nos diz que os mouros eram um povo terrível e sanguinário, hereges que atentavam diariamente contra a palavra de Deus. Neste livro podemos ver como a única diferença entre os mouros e os cristãos era não estarem no poder. Ambos os povos eram igualmente sanguinários, brutais e mais anti-convicções-do-inimigo do que pró-as-suas-próprias-convicções.

Vemos como Hernando, que cresce com a obra, se vai apercebendo disso mesmo, lutando cada vez menos pela imposição da fé muçulmana, e cada vez mais pela convivência pacífica de ambas as religiões, ao tentar uni-las através de um elo de ligação, um qualquer ponto de ambas as doutrinas que esteja em comum, uma tarefa que não se vai revelar fácil e que tem, logo à partida, poucas probabilidades de sucesso.

Um excelente livro, que retrata na perfeição a luta de religiões, muito bem enquadrada em termos históricos, e que demonstra quase matematicamente, página a página, a inutilidade desta mesma luta, que só leva a mortes e a derramamento de sangue, ambas as coisas sem qualquer sentido, e justificadas perante uns e outros com ténues explicações baseadas em conceitos vãos, como meras desculpas para chacinas verdadeiramente estúpidas.

sábado, 10 de setembro de 2011

Que as citações nos caiam em cima [15]


Por hoje deixo-vos uma citação que sai da boca de Miguel, um mendigo cujas pernas foram partidas, à nascença, pelo próprio pai, na esperança de conseguir arrecadar uma maior esmola. Cruel? Daí o que ele diz:

"-Acaso esperas, meu senhor - disse-lhe um dia em que tinham abordado o tema -, que eu possa confiar em algum Deus? Que Deus é esse, seja o teu ou o deles, que permite partir as pernas às crianças para obter mais algumas moedas?"

Ildefonso Falcones, "A Mão de Fátima"

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

The Door in the Wall

Título: The Door in the Wall
Autor: H.G.Wells

Sinopse: H.G.Wells was a pioneer of science fiction and its first and greatest influence. Here his boundless invention creates theree very different stories: a poignant parable about a mysterious door, a thrilling account of be-tentacled sea creatures and the darkly comic chronicle of an academic rivalry taken too far...

Opinião: Ler em inglês é interessante. Especialmente se se tiver em conta que comprar livros em inglês sai muito mais barato do que comprar os mesmos livros, em português. Mas bem, adiante, não é esse o tema desta opinião... O tema são os 3 contos contidos neste volume da colecção Modern Classics, da Penguin.

O primeiro, The Door in the Wall, que dá o nome ao livro, é tido por muitos como o melhor conto de H. G. Wells, um dos pais da ficção científica. E tenho que admitir que foi aquele que de facto me deu mais prazer ao ler, graças à excelente construção e à excelente escrita, se bem que esta última característica se encontra presente em todos os três contos. A história é sobre um homem que se depara várias vezes ao longa da vida com uma porta verde no meio de uma parede branca, que o leva até um mundo belo e tranquilo, em tudo perfeito. Com um final inesperado, o conto deixa a dúvida no ar: seriam a porta e o mundo do outro lado coisas reais, ou apenas imaginação? E sendo imaginação, será que podemos afirmar que não eram reais?

O segundo conto, The Sea Raiders, foi aquele que menos me ficou gravado na memória. A escrita continua excelente e a história é vagamente interessante, mas não o achei particularmente relevante. Criaturas marinhas desconhecidas, que decidem emergir das profundezas, sem qualquer razão aparente, para criarem um pequeno caos à superfície, perto da costa, para depois voltarem a desaparecer misteriosamente. Enfim, não achei grande piada, a história não tem nada de especial, tirando as descrições fantásticas e o ambiente misterioso que o autor consegue criar.

Por fim, o terceiro conto, The Moth, foi aquela cuja premissa achei mais interessante. Uma rivalidade de tal forma intensa que leva um dos intervenientes às fronteiras da loucura, tudo por causa de uma questão de honra e rivalidade sem limites, que ultrapassa até a morte! A verdade é que sempre gostei de histórias que explorem os limites da mente da humana, que os descubram, os espanquem sem misericórdia e ainda façam troça deles. É por isso que gostei tanto deste pequeno conto, sobre, ao fim e ao cabo, a loucura humana, em várias das suas formas.

Gostei bastante do livro, como se pode ver, até por ser pequenino, estilo livro de bolso, ter uma edição robusta e resistente (não é daqueles que se começa a desfazer, assim que o abrimos), ser agradável à vista e ser relativamente barato. Ainda por cima faz parte de uma colecção que contém vários génios da literatura, a começar pelo autor destes 3 contos, o grande H.G.Wells.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Que as citações nos caiam em cima [14]

De certa forma, e por mais cliché que isto possa parecer, é bastante injusto eu publicar uma citação tirada do livro, uma vez que uma obra desta calibre não é citável de forma fragmentária, mas digna de apenas uma citação, a começar na primeira palavra da primeira página e a acabar na última palavra da última página. Escolhi esta parte por falar de literatura, e por apresentar uma visão aparentemente paradoxal da mesma, mas foi complicado de escolher. É verdade, gostei assim tanto do livro. Cá fica:

"Tendo aprendido o catalão para os traduzir, Alfonso meteu um monte de páginas nos bolsos, que andavam sempre cheios de recortes de jornal e manuais de artes estranhas, e uma noite perdeu-os em casa das rapariguinhas que iam para a cama por fome. Quando o sábio avô soube do caso, em vez de lhe fazer escândalo receado, desatou a rir e comentou que aquele era o destino natural da literatura. Por outro lado, não houve quem pudesse dissuadir de levar os três caixotes quando regressou à sua aldeia natal e desatou em impropérios cartagineses contra os revisores dos caminhos-de-ferro que tentavam mandá-los como carga, até que conseguiu ficar com eles na carruagem de passageiros. «O mundo estará fodido de vez», disse então, «no dia em que os homens viajarem em primeira classe e a literatura no vagão de carga.» Foi essa a última coisa que lhe ouviram dizer."

Gabriel García Márquez, "Cem Anos de Solidão"

Cem Anos de Solidão

Título: Cem Anos de Solidão
Autor: Gabriel García Márquez
Tradutora: Margarida Santiago

Sinopse: "Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou a conhecer o gelo." Com estas palavras - tão célebres já como as palavras iniciais de Dom Quixote ou de À Procura do Tempo Perdido - começam estes Cem Anos de Solidão, obra-prima da literatura contemporânea, traduzida em todas as línguas do mundo, que consagrou definitivamente Gabriel García Márquez como um dos maiores escritores do nosso tempo.
A fabulosa aventura da família Buendía-Iguarán com os seus milagres, fantasias, obsessões, tragédias, incestos, adultérios, rebeldias, descobertas e condenações são a representação ao mesmo tempo do mito e da história, da tragédia e do amor do mundo inteiro.

Opinião: Uma obra-prima da literatura mundial. A minha opinião podia ficar por aqui, aquela primeira frase é tudo o que quem ainda não leu precisa de saber. Cem Anos de Solidão é um dos melhores livros que já li, e que me vai ficar na memória durante muito tempo.

E como acontece muitas vezes com os livros que mais gosto de ler, não sei por onde começar, se pela natureza mágica do livro, se pelo conteúdo que transcende gerações e gerações da família Buendía e se torna numa poderosa mensagem abertamente subliminar, ou se devo começar por falar de qualquer uma das outras coisas que tornam este livro e esta história numa obra-prima.

No fundo poder-se-ia dizer, de forma bastante superficial, que esta obra retrata a história de várias gerações da família Buendía, num bizarra sucessão de Arcadios, Aurelianos, Josés e Amarantas, assim como de combinações destes nomes, com cada membro da família a ter direito à sua particularidade especial. Mas também estas particularidades se repetiam, geração após geração, com pequenas modificações, como o carácter empreendedor e sonhador do primeiro José Arcadio, que transparece, de uma forma ou de outra, no resto dos Josés Arcadios e em alguns Aurelianos; ou na firmeza de Úrsula Iguarán, a matriarca deste grande clã, que ressurge em bisnetas e trinetas e tetranetas e sabe-se lá mais o quê.

Mas, como disse a minha amiga Beky, talvez o importante não seja saber quem é quem, ou sequer ter noção de que as personagens estão a mudar. O que interessa realmente é ver como a história se repete, num ciclo vicioso, em que filhos e netos cometem os mesmos erros de pais e avós, e em que percebemos que o José Arcadio de determinada situação já não é o José Arcadio das primeiras páginas, mas que é como se fosse, e nem sequer tem muito interesse ficarmos a perceber se são realmente duas personagens ou apenas duas manifestações distintas da mesma personagem...

É exactamente este o tipo de agradável confusão que García Márquez incute nas nossas mentes enquanto lemos esta história. Sabemos, mas não interessa. Até podíamos ficar a perceber todas as relações familiares entre todas as personagens, mas nesse caso não capturávamos a essência da história, a de que a história se repete, a de que aquilo que a quinta geração de Buendías faz, não é diferente daquilo que fez a segunda ou a terceira, ou que fará a sétima, assim como aquilo que nós fazemos hoje, não é diferente daquilo que os nossos pais e os nossos avós fizeram ontem.

Tudo isto pontuado com a excelente escrita de Márquez, com o seu estilo premonitório e brincalhão, e que me fez agarrar metaforicamente nos livros deste autor que tenho em casa, e subi-los na minha pilha mental de livros a ler. Ainda por cima tem um final estrondoso, imprevisível e absolutamente contrastante com o tom do resto da narrativa, que dá o toque final numa obra já de si, perfeita.

Para acabar, lembrei-me de uma citação que acho que resume na perfeição este livro. É de Lavoisier, o pai da química moderna, e é uma frase que teve que se entranhar profundamente na minha mente, devido à área que escolhi, as Ciências:

"Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma."

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Hipotecas e Equações

Título: Hipotecas e Equações
Autor: Lluís Artal e Josep Sales

Sinopse: Uma boa parte dos nossos afazeres matemáticos diários está, de uma forma ou de outra, relacionada com a economia: comparamos preços, calculamos o troco de uma compra, interpretamos as notícias da inflação e do desemprego... Com efeito, é bem possível que contrair um empréstimo ou uma hipoteca seja talvez a decisão matematicamente mais complicada que qualquer indivíduo tem de tomar ao longo de toda a sua vida. Este volume explica de forma agradável mas rigorosa a matemática que está na base da economia e das finanças de países e pessoas.

Opinião: Se me pedirem para resumir este livro numa frase, nem penso duas vezes: O livro mais aborrecido que li nos últimos anos. Foi uma leitura absolutamente execrável, e que me fez pensar que, uma vez que fala sobre Economia, que fiz bem em escolher as Ciências.

A matemática da coisa é interessante, claro, mas torna-se aborrecido. Entre juros, capitais, activos e passivos, rendimentos e mais sei lá o quê, perde-se qualquer coisa. No fundo, acho que ao ler este livro me apercebi do que é um economista de gema deve sentir ao ler um livro sobre ciência. É aborrecido. A minha vontade durante a maior parte do tempo foi de saltar páginas. Muitas.

A certa altura já me estava borrifando para as belíssimas fórmulas e deduções que iam aparecendo, queria apenas chegar à última página (deixar a meio? nunca!) e fechar o livro para começar a ler outra coisa qualquer. É que nem a escrita dos autores me convenceu, não sei se por não gostar genuinamente dela, ou por causa do assunto que retratava, mas nem a escrita nem nada me interessou. Acredito que tenha o seu interesse para alguém mais interessado no assunto, ou para os curiosos, mas uma coisa vos digo: eu sou um curioso por natureza, e toda e qualquer curiosidade que eu tivesse sobre Economia simplesmente morreu com este livro.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Crime na Mesopotâmia

Título: Crime na Mesopotâmia
Autor: Agatha Christie
Tradutor: Arminda Pereira

Sinopse: Miss Amy Leatheran é uma enfermeira contratada para cuidar de Mrs. Leidner, esposa de um famoso arqueólogo, que sofre de "manias" que lhe provocam alucinações e o temor constante de ser assassinada. A enfermeira vai para a Mesopotâmia e toma conta da sua doente num acampamento no meio do deserto iraquiano, onde o marido chefia um grupo de arqueólogos. As fantasias da doente são cada vez maiores, mas ninguém a leva a sério, até que um dia aparece morta no quarto.

Opinião: Não há como resistir às histórias criadas por Agatha Christie. Principalmente às protagonizadas por Poirot, embora tenha que admitir a minha parcialidade neste assunto, uma vez que tenho quase a certeza de que 99% dos livros que já li desta autora se centravam na figura do pequeno detective belga com cabeça de ovo.

Em Crime na Mesopotâmia acabei por encontrar mais do mesmo, no melhor dos sentidos. Uma longa introdução à acção, que revela pistas e baralha quem lê; um crime misterioso resolvido de forma engenhosa por Poirot, ao dar uso às suas celulazinhas cinzentas; e é claro, como não podia faltar, toda uma trama digna de figurar em qualquer revista cor-de-rosa.

A forma como o crime é cometido é deveres engenhosa, a pessoa que o comete é, à falta de melhor descrição, obviamente inesperada, ou, se preferirem, inesperadamente óbvia. É daquelas situações em que encontramos uma situação muito típica, ainda que com pormenores intrigantes, que nos leva a pensar "só pode ser esta personagem, é sempre!", mas que volta e meia nos confunde, fazendo-nos acusar todas as personagens que encontrarmos, ou não fosse essa a especialidade de Agatha Christie, para no fim chegarmos à conclusão de que era mesmo a nossa primeira escolha!

Relativamente à história em si, apenas quero assinalar a originalidade da autora em arranjar quem a narre. Muitas das histórias são narradas por Hastings, mas esta é narrada por uma enfermeira que se encontra na cena do crime quase por acidente, e há até uma história em que a maior surpresa está directamente relacionada com o narrador... E é curioso a forma como o estilo de escrita, ou melhor, como a voz do narrador se altera de forma por vezes praticamente imperceptível, mas adaptando-se convenientemente à personagem que narra.

Por fim, quero só dizer que fiquei muito contente, pois aproximadamente a meio do livro cheguei à conclusão do que tinha acontecido! Quer dizer, mais ou menos, a priori posso afirmar que descobri uma quarta parte do mistério... Mas é claro que falhei redondamente nas outras três quartas partes, embora mesmo no final tenha conseguido perceber tudo antes de Poirot o explicar. No final de tudo, fiquei a gostar imenso do livro, provavelmente por ter sido o primeiro em que consegui descortinar alguma coisa de jeito antes do final... mas não digam nada a ninguém.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O Hóspede de Drácula

Título: O Hóspede de Drácula
Autor: Bram Stoker
Tradutor: Paulo Ramos

Opinião: O Hóspede de Drácula é um pequeno conto de Bram Stoker, o brilhante autor de Drácula, um dos livros de terror e de vampiros mais conhecido de todos os tempos.

Chamou-me a atenção pois para além de ter Bram Stoker como autor e de ter "Drácula" no título, custava apenas 1 euro. Moedinhas para que vos quero!

E é mesmo pequenino. Lê-se em 15 ou 20 minutos com toda a atenção necessária e sem se perder nada da história, nem do seu ambiente negro e subtilmente opressivo.

A história é sobre um homem inglês que vai de visita à Transilvânia, numa noite chamada Walpurgis nacht. Apesar dos avisos de toda a gente que encontra acerca da referida noite, o inglês decide ir passear na mesma, em direcção a uma vila amaldiçoada, acabando por se abrigar de um nevão, num cemitério. É aí que descobre, acidentalmente, uma mulher dentro de um túmulo, com um aspecto demasiado saudável para estar morta, que desata a gritar aquando da queda de um relâmpago que destrói o túmulo e põe o inglês inconsciente. Ao recuperar os sentidos, sente algo quente e pesado em cima do peito, e lambidelas no pescoço, que descobre serem de um lobo gigantesco que é assustado pela chegada de um grupo de homens a cavalo. De regresso ao hotel, é informado que foi salvo por nada mais do que o anfitrião que o esperava, Drácula, que enviou um telegrama aos homens que o encontraram.

Como se pode ver, a ligação com Drácula é ténue, sendo mais uma história de vampiros com um fim curioso e um ambiente aterrorizante, descrito com poucas mas certeiras palavras. Gostei, como não podia deixar de ser, graças a ser uma história de terror como já raramente aparecem, escrita pela mão de um mestre do género, e que é sempre um prazer voltar a encontrar.

domingo, 4 de setembro de 2011

Ultramarina

Título: Ultramarina
Autor: Malcolm Lowry
Tradutor: Fernanda Pinto Rodrigues

Sinopse: Com apenas 19 anos, o jovem e inquieto Malcolm Lowry empreendeu a sua primeira viagem ao Extremo Oriente como aprendiz de um barco de carga. Os registos dessa viagem deram origem ao livro Ultramarina, que conta também a história de um rapaz, Dana Hilliot, a bordo de um navio, o Oedipus Tyrannus de Ultramarina. Proveniente da classe alta, Hilliot tem dificuldade em ganhar a confiança dos outros marinheiros que o julgam mimado e incapaz. É a história de uma consciência perdida na imensidão do oceano.

Opinião: Não gostei nadinha. Talvez tenha sido do ambiente algo caótico e desconexo, embora o objectivo seja precisamente transmitir isso mesmo.

A história tem o seu fundo autobiográfico, o que faz deste livro um relato das vivências do próprio autor, para além de uma narrativa ficcionada sobre Dana Hilliot, um rapaz vindo da classe alta que embarca no Oedipus Tyrannus, e que por causa das suas origens tem dificuldade em integrar-se na tripulação, vendo-se envolvido em desconfianças e em pequenos atritos, especialmente com Andy, o cozinheiro, que é particularmente antipático para Dana por achar que está a roubar o lugar a outro rapaz.

Mas enfim, não gostei, pareceu-me uma narrativa inconsequente de uma série de acontecimentos sem grande importância, que se sucedem uns aos outros sem grande ligação entre eles, apesar de no seu conjunto serem indicativos de alguma coisa, "uma consciência perdida na imensidão do oceano.", como diz a sinopse, talvez, alguém que é constantemente posto à margem do ambiente que o rodeia e que, portanto, consegue ver esse ambiente de forma relativamente objectiva, integrando-se aos poucos, batalhando sempre entre mudar para se integrar e integrar-se sem mudar.

No entanto não apreciei o livro, acho que a falta de uma linha narrativa propriamente dita me fez alguma falta, ou talvez eu esteja apenas mal habituado. A verdade é que não gostei, o que faz de Ultramarina o primeiro volume da colecção Não Nobel sobre o qual digo sem dúvida alguma que não gostei.

sábado, 3 de setembro de 2011

Uma Descoberta Sem Fim

Título: Uma Descoberta Sem Fim
Autor: Enrique Gracián

Sinopse: Se a procura do conhecimento fosse a caçada, o infinito seria certamente o principal troféu. Abrindo caminho por entre dogmas e paradoxos, esta fantástica presa atravessou as paragens da filosofia antiga, da religião medieval e da ciência moderna. Este livro segue o rasto furtivo do infinito na mente de filósofos, teólogos, físicos e, acima de tudo, matemáticos.

Opinião: Mais que um objectivo, o infinito é uma paixão. Uma noção tão inconcebível que provoca na mente humana aquilo que seria de esperar: uma ânsia igualmente inconcebível de o perceber. Pode até ser visto como o Santo Graal da matemática, do conhecimento em si, até... E o mais curioso é que falamos dele e dele fazemos uso, sem sabermos exactamente como o explicar.

Dizemos que o Universo é infinito, que o Tempo é infinito, os mais românticos dizem que o amor verdadeiro é infinito, falamos em cálculo infinitesimal, fazemos operações com o infinito, distinguimos vários tipos de infinito, dizemos que os números são infinitos... Mas o que é o infinito?

Será que há alguém que seja capaz de conceber o infinito? Será que a própria mente humana tem essa capacidade, a de imaginar e de percepcionar o infinito? Ou teremos apenas uma mera ilusão finita, ainda que incrivelmente longa, que nos dá uma ideia do infinito?

É este o assunto do livro, e a sua estrutura fulcral, mais perguntas que respostas. E o autor tratou o assunto de uma forma bastante didáctica e interessante, fazendo deste aquele que é provavelmente um dos melhores, se não for mesmo o melhor livro de toda esta colecção matemática. Fala dos paradoxos causados e explicados pelo infinito, dos dogmas à sua volta, das visões filosóficas, religiosas, físicas, mundanas e matemáticas que há e que houve do infinito.

Um livro belo, que trata um assunto igualmente belo, e que vale a pena ler, por qualquer pessoa que tenha coragem de se sentir deslumbrada... e insignificante.