sábado, 5 de outubro de 2013

A importância dos clássicos lusos

Assim que comecei a escrever o título deste texto, pensei logo: "epah, isto tem tanto potencial para causar porrada". Se pensarem bem nisso, é realmente assustador.

O que é um clássico? Que livros é que podemos considerar como clássicos portugueses? E quais desses são importantes? Todos? Alguns? Quem é que escolhe? E porque raio é que são importantes? De que é que serve agarrar em livros de autores mortos há anos e anos, quando temos aqui estes publicados o mês passado, por autores jovens? Existem por aí autores portugueses que se possam considerar como autores clássicos, ainda a escrever?

São demasiadas questões. E a maior parte delas não tem propriamente uma resposta certa, de tão subjectivas que são. Por exemplo, grande parte dos livros em que as pessoas pensam quando ouvem a palavra "clássicos" são os que estão no catálogo da Penguin Classics. Invariavelmente antigos, caem com frequência na categoria de livros de que toda a gente já ouviu falar, e dos quais dizem logo "esse é dos bons!". Mesmo que nunca tenham lido.

Mas reparem em como muito poucos desses livros são de fantasia ou de ficção científica. Ou falem com pessoas que, nas suas próprias palavras, "levem a literatura muito a sério", e perguntem-lhes se os livros de Tolkien são clássicos. Ou os contos do Lovecraft. Ou os livros do Asimov e do Clarke.

O criador da Terra Média ainda deve ser o que tem mais sorte. Com a sua relativamente recente popularidade, é quase crime dizer mal dos seus livros, e até os críticos mais "sérios" e cépticos quanto à fantasia começam a não ter outra hipótese que não seja aceitar Tolkien como o excelente escritor que foi.

Lovecraft é outro que também não se safa mal. A sua escrita tem de facto um estilo que todos identificamos como marcadamente clássico, apesar dos vaipes que tinha em que começava a escrever com sotaque e coisas desse estilo. E se se ignorar as suas obras mais psicadélicas durante alguns momentos, algumas das coisas que escreveu são bastante digeríveis por pessoas pouco habituadas a ler terror. Ou pelos chatos dos críticos profissionais que desprezam todos os géneros excepto o "pós-modernismo-filosófico-e-cheio-de-significado" e a poesia.

Agora agarrem no Asimov e no Clarke e está o caldo entornado. As minhas recentes incursões no género da ficção científica não me fazem propriamente um especialista, mas acho que são 2 autores que são considerados, pelos fãs, como clássicos. E mais uns poucos, mas prefiro não arriscar dizer barbaridades.

E no entanto, quase toda a gente irá olhar para as capas e, sei lá, ver uma nave espacial, e BAM!, "o que é isso? é para oferecer? quer embrulho juvenil?".

E por falar em juvenil, nem me atrevo a entrar na discussão dos Harry Potters. A saga acabou há meia dúzia de anos, mas a sua importância e popularidade em todo o mundo vai muito provavelmente fazer com que se tornem clássicos, daqui a uns anos. Até tem outras coisas a seu favor, como o facto de volta e meia ser banido de algum sítio, como os bons e velhos clássicos o foram muitas vezes.

Mas tentando encarreirar para o objectivo da crónica, já que esta discussão é muito interessante, mas absurdamente complexa, deixem-me dizer-vos o que é, para mim, um clássico.

Ora bem, um clássico tem que ser um livro com alguns anos em cima. Se der para contar a sua idade em décadas ou séculos, tanto melhor. Isto porque tirando algumas excepções, um livro tem que andar a ser lido durante vários anos para que a compreensão e a aceitação que temos dele seja suficiente para lhe chamarmos um clássico.

Mas não só! A idade é um posto, eu sei, mas não abusemos. Um clássico tem que ser objectivamente bem escrito e ser assumidamente um produto do tempo em que foi escrito. Os problemas que aborda têm que ser aqueles com que o escritor  a sociedade lidar. Mesmo que o livro se passe em 1700 e troca o passo, ou em 3200 e muitos, o tema tem que muito próprio da época em que vivemos agora.

Sei lá, o aquecimento global, a extrema pobreza que se vê nalguns países, o lento declinar da economia mundial e a não tão lenta decomposição da política mundial, qualquer coisa desse estilo. Convém é que o tema, além de ser actual, se mantenha actual durante muitos e muitos anos. É por isso que se considera o 1984 do Orwell um clássico, ou clássico moderno, quero lá saber. É um livro que critica o que se passava na altura em que foi escrito, mas cuja leitura leva a pensar sobre aquilo que se passa actualmente.

Há mais exemplos e há mais critérios, mas vocês percebem a ideia. Falemos finalmente do que realmente interessa: clássicos portugueses. Existem? Claro que sim! E há até exemplares bastante óbvios, como Os Lusíadas, ou melhor dizendo, tudo o que o Camões escreveu. E as obras de Almeida Garret, de Gil Vicente e companhia.

Mas eu cá incluo os livros de Saramago nesse mesmo saco. O homem recebeu um Nobel! Quer se queira quer não, é um autor incontornável na nossa história, e tem livros francamente geniais. As Intermitências da Morte, caríssimos?!

Outro autor que talvez achem que devesse incluir é Pessoa. O auto-proclamado "segundo Camões", ou coisa que o valha. Pois bem, lamento, mas não. E não tem nada a ver com o facto de eu não ser fã das suas obras. Reconheço-lhe o génio e o talento na escrita, mas falta-lhe qualquer coisa para ser um autor clássico. A minha teoria pessoal é que o homem era tão à frente do seu tempo, que ainda o continua a ser.

Mas nem só destes autores vive o panorama clássico português. Aquilino Ribeiro, Eça de Queirós, Alexandre Herculano, Padre António Vieira, Branquinho da Fonseca e tantos outros! E qual é a sua importância, afinal?

Esta é uma pergunta que não precisa de muito esforço para ser considerada ridícula, mas continuemos. A importância dos clássicos parece óbvia. Quantas vezes não justifiquei a minha vontade de ler este ou aquele livro com um simples "é um clássico!"

No entanto, eu acho que vai mais longe que isso. Não me perguntem a razão, mas tenho um fascínio acima da média por clássicos, especialmente clássicos portugueses. A minha curiosidade relativamente a autores portugueses é infindável. Se além disso ainda forem autores clássicos, bordo o juvenil. "Ahhhh, que fixe! Quero ler! É sobre o quê? Calma, vou ler a sinopse. Tantas palavras, não interessa, que BACANO!", não é uma reacção assim tão estranha, estamos entendidos?

Ler um clássico português, para mim, é sempre uma excitação fora do comum, embora possa sair desapontado. Às vezes sinto que estou a ter aulas com um mestre. É que apesar de rebuscada e cheia de salamaleques, a escrita clássica acaba por ser muitas vezes directa e os livros sempre muito emotivos.

Há uma ligação especial com os clássicos que raramente existe com os livros mais recentes. Nem sei bem. Mas além disso ainda são exemplos de escritas desde o "muito boa" ao "tão genial que até mete nojo". É por isso que ler os clássicos é importante, especialmente para escritores. Ainda mais quando muita gente, até eu, por vezes, prefere simplesmente ceder à torrente de literatura estrangeira e a modos que ignora excelentes livros que por aí andam calmamente.

Não façam isso. Eu tenho lido alguns clássicos portugueses, e só tenho pena de ainda não ter pegado em mais. Tenho vindo a descobrir autores e histórias que não achava serem possíveis no panorama português, como o Branquinho da Fonseca e as suas histórias de terror. Terror!

O que interessa é que as pessoas leiam, nem interessa bem o quê, desde que as cative e lhes mantenha o cérebro minimamente activo, mas não faz mal a ninguém, atirar-se de cabeça a Os Lusíadas, por exemplo...

1 comentário:

Sara disse...

Isso de discutir o que é um clássico e o que não é, é um bocado como discutir o sexo dos anjos...Por exemplo, concordo contigo a respeito de Tolkien...Há géneros que gosto menos, mas não descrimino nenhum. Não concordo a respeito do Pessoa. Não só é um escritor genial, como é provavelmente o único poeta (e dos poucos autores também...)português lido em todo o mundo...Daqui a muitas centenas de anos a sua obra continuará a ser lida e analisada. Creio que a palavra clássico assusta mais do que atrai...As pessoas pensam logo numa obra chata e datada, quando muitos clássicos são até bastante actuais. Em relação aos portugueses gostei de todos os que li na escola (não sofro de traumas com leituras obrigatórias...), mas ainda continuo a ler mais autores estrangeiros...Uma coisa a melhorar.

cumps