sábado, 2 de novembro de 2013

Ainda o novo Acordo Ortográfico


Já se falou um pouco neste blog sobre o novo Acordo Ortográfico (AO), mas pouco ou nada se chegou realmente a desenvolver sobre o assunto.

Comecemos pelo princípio: há mais do que uma língua portuguesa. Não só a nível da oralidade, como da escrita. O exemplo que conheço melhor, assim como a maior parte das pessoas, é a dualidade do português de Portugal e do português do Brasil.

As diferenças são muitas, e facilmente reconhecíveis por qualquer pessoa. O sotaque brasileiro tem uma sonoridade muito própria, e há muitas palavras que se escrevem de forma diferente. Mas não só! As diferenças a nível da sintaxe também existem, embora normalmente não sejam muito faladas.

A utilização frequente que os brasileiros fazem do gerúndio, "estou fazendo", quando nós dizemos "estou a fazer" é um delas. Outra é quando o "dá-me" (e palavras similares) em Portugal passa a ser "me dá", ou dizer "vou na escola" em vez de "vou à escola".

A acrescentar a isto há ainda a diferença de vocabulário: aeromoça para hospedeira, terno para fato, ônibus para autocarro, etc. A raiz é obviamente a mesma, e o brasileiro é normalmente perceptível para qualquer ouvinte/leitor português, tirando alguns sotaques mais cerrados, mas o mesmo pode ser dito do sotaque açoriano e do madeirense, por exemplo.

O que interessa aqui é que as diferenças existem. E não são tão poucas quanto isso. Ora, se quanto à oralidade, à sintaxe e ao vocabulário, nada se pode fazer, uma vez que são coisas que evoluem, ou mudam, se forem linguistas, sozinhas, com o uso no dia a dia, a ortografia é algo controlável. Mais ou menos. Também muda diariamente, mas até haver uma mudança oficial, um AO, nada feito.

Tendo em conta estes dois factos, não é preciso ser-se muito esperto para juntar as peças. O AO surge como tentativa de unificação de todo o português, sob a alçada de uma ortografia universal e transversal a todos os luso-falantes. A ideia é simples, e relativamente bem intencionada, e o intuito é estabelecer o português definitiva e oficialmente como uma das grandes línguas do planeta.

Mas então porque raio é que há tanta confusão? Nada mais simples de explicar. Este AO, que já foi assinado, atrasado, contestado e defendido até à exaustão, falha miseravelmente em cumprir os objectivos a que se propõe.

Para confirmarem isso, basta consultarem qualquer tipo de listagem das mudanças. Caem letras, hífens, acentos, é uma festa, e os motivos, nalguns casos, até são discutivelmente razoáveis, mas o caldo entorna-se quando surgem as excepções. Em praticamente todas as mudanças, há uma extensa lista de palavras que fogem à regra, por um motivo ou por outro, como diferenças fonéticas (os portugueses não pronunciarem um "c" que os brasileiros lêem).

Ao que é que isto leva? Confusão! Inutilidade! A partir do momento em que se aceitam duplas grafias, está tudo estragado. O objectivo é unificar o português, mas há uma série de palavras que são inconciliáveis. Ou seja, não há unificação para ninguém, e o resultado é um AO contestado por muita gente, que anda para trás e para a frente na sua implementação, e que gera erros tremendos por todo o lado, inclusivamente na comunicação social.

E é fácil de ver porquê, na minha opinião. Se pensarem naquelas diferenças todas que mencionei no início, bem como na necessidade de existir dupla grafia para algumas palavras depois do novo AO, talvez seja caso para se perguntarem "não será mais razoável aceitar que são duas línguas diferentes?", ou "não será mais razoável pensar nisto como dois dialectos diferentes da mesma língua, à là China?".

Quando as diferenças acabam por ser tantas como as que já enunciei, a estenderem-se por todo o lado, será que faz assim tanto sentido uma tentativa de unificação? Porquê? Por orgulho patriótico idiota e descabido? Por motivos comerciais? Só porque fica bem dizer que há alterações, para dar oficialmente uma ideia de língua moderna, viva e em mudança? Nenhum destes motivos me parece ser aceitável.

Aquilo que eu acho é que até faz sentido pensar num AO para actualizar a ortografia, mas não me venham com histórias de unificação e sei lá o quê. É muito complicado fazê-lo, para não dizer impossível, pelo menos no caso do português do Brasil e no de Portugal, nem sei bem como é com o português de outros sítios...

Para mim era mais fácil, e bastante mais simples, dizer que o brasileiro é uma língua diferente do português. Ou que as várias variantes do português que existem por aí, se passem a chamar dialectos e acabou a conversa. Agora um AO como este, que mete jornalistas a falarem de "fatos sabidos oje", só porque estão demasiado excitados com a mudança que lhes é imposta para verem as regras como deve ser... Isso é que não!

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