quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Shenzhen - Uma Viagem à China


Autor: Guy Delisle
Tradutor: Claudio R. Martini


Opinião: Como representar um mundo que nos parece estranho, mas que é bem real? Uma sociedade tão diferente da nossa que nem a conseguimos compreender, mesmo depois de estarmos imersos nela durante algum tempo?

A resposta é dada por Guy Delisle neste Shenzhen: com humor. A verdade é que não há melhor forma de expor e criticar uma situação do que com uma sátira bem feita. E no caso da China que Delisle aqui retrata, nem teve que se esforçar muito, pois a sátira criou-se a si própria.

Deixem-me explicar, antes disso, que o meu interesse na China é puramente acidental. Tudo começou com dragões (sou fã incondicional), a Mulan (primeiro filme que fui ver ao cinema) e um profundo desconhecimento daquela cultura, que sempre me pareceu tão rica.

Com o passar do tempo, e o desenvolvimento do meu apetite por aprender línguas novas, caiu-me no colo a oportunidade de aprender chinês e começar a explorar este país e a sua cultura fascinante. Eventualmente chegarei à mitologia, e provavelmente nunca mais de lá saio, mas por agora estou-me a controlar.

Este livro é, portanto, uma consequência natural desse meu interesse. Uma das principais cidades chinesas de negócios, pelo ponto de vista de um ocidental... em BD? Inevitável!

A arte é simples, mas expressiva, e por vezes exagerada, para acentuar alguma situação em particular. A história, essa, é a rainha. Domina por completo cada página, e nem é bem uma história, no sentido em que não há propriamente um enredo, nem um princípio, um meio ou um fim. É uma espécie de diário de um tipo que acha tudo aquilo muito estranho.

E depois de dez minutos a ler este livro, é fácil chegar à conclusão de que a China é de facto um lugar estranho. Pelo menos para os nosso padrões ocidentais. Trabalhadores que dormem abertamente em cima da secretária, formalidades e protocolos que nunca mais acabam, toda uma forma de estar com os outros bastante peculiar, e uma organização das cidades ainda mais peculiar. Nem vou falar das casas de banho.

O resultado é fascinante, ainda que ligeiramente aborrecido e desconexo, em algumas partes. Defeito de ser uma espécie de diário, mas uma falha que podia ter sido facilmente colmatada com mais investimento nas transições duma cena para a outra. No entanto, e apesar disso, no fim é um óptimo livro.

2 comentários:

SMP disse...

Quando tu dizes coisas dessas - ah, e tal, o primeiro filme que eu fui ver ao cinema foi o Mulan - é que eu sinto o peso dos anos. O meu foi o Taran e o o Caldeirão Mágico (muito bom, por sinal)...

Curiosamente, quando era muito muito miúda um dos primeiros livros que tive, vermelho às florzinhas, foi «A História da Menina Soldado», que era basicamente, segundo julgo, a história da Mulan. As ilustrações interiores eram perfeitamente surreais e até assustadoras - quem tiver curiosidade, pode ver algumas aqui (clicar na imagem e ir avançando.
Mais tarde, quando li no Romanceiro do Garret o «Donzela que Vai à Guerra», percebi que a ideia básica daquilo era uma história sem fronteiras.

Fiquei curiosa quanto ao livro da tua crítica. Quando fui a São Francisco, no bairro chinês (que era para aí metade da cidade, ou assim parecia), havia um espectáculo que me deixava perplexa e que até hoje não decifrei: via-se muitos estabelecimentos com montras de vidro cheios de pessoas deitadas em marquesas, aparentemente a dormir, e com o que pareciam ser eléctrodos ligados à cabeça (e não, não foi porque eu tivesse aproveitado para experimentar quaisquer subprodutos da cultura hippy da cidade...)
De maneira que a China deve ser um lugar bizarro, é verdade. Mas o Japão deve ser ainda muito mais. Nunca tive vontade de ir ao Japão, pela mesma razão porque algumas pessoas (não é o meu caso), postas perante uma máquina do tempo, optariam sempre pelo passado em detrimento do futuro: acho que me sentiria completamente perdida, sem nada de reconhecível.

Rui Bastos disse...

Não podes fugir à idade :p

Agora quero ler esse livro!!

Aconselho vivamente. E o da Coreia do Norte, Pyongyang, ainda é pior... Ou melhor, o sítio! Mas o humor e a aparente leveza com que o delisle trata destes assuntos é qualquer coisa.

E isso é estranhíssimo xD Tenho mesmo que lá ir! E epah, ser um sítio assim tão diferente é que me atrai!