sábado, 18 de outubro de 2014

Estantes Emprestadas [10] - Uma outsider na FC&F portuguesa [2/2]


Segue a segunda parte da crónica da Elsa, que levanta excelentes questões!


(continua)


PARTE 2 | visão de uma outsider

Sabem, não vos contei a minha história da carochinha para me ficarem a conhecer (por mais interessantes que goste de pensar que é a minha pessoa). Foi antes para estabelecer uma analogia entre o que se passou comigo e o que se poderá passar com milhares de potenciais leitores nacionais.

FC & F portuguesa?! Mas isso existe?

Como penso que referi algures lá para trás, nunca tive ninguém que me guiasse nas minhas leituras. OK, alguns amigos emprestavam-me Anne Rice e afins, mas nunca ninguém me tinha falado de Philip K. Dick ou de Ursula LeGuin. Autores nacionais como o Luis Filipe Silva ou o João Barreiros então ainda menos! Aliás, sem ser algumas das apostas da Ed. Presença, dentro do Fantástico, não tinha ouvido falar de nenhum autor nacional que escrevesse fora daquele tipo de registo! Ficção Científica portuguesa simplesmente não existia no meu universo.

Foi preciso entrar para este grupo de escrita a que pertenço e tomar contacto com verdadeiros conhecedores (talvez aficcionados seja uma boa palavra para descrevê-los) para perceber o quão enganada estava. Para começar a conseguir distinguir nomes associados automaticamente a qualidade de escrita. Para perceber que se divulga muito lixo literário (e agora abrangendo um pouco todos os géneros literários) e pouco se aposta em publicar e divulgar os autores nacionais que se dedicam de corpo e alma à FC & F.

No meio é que está a virtude

Não se pense, no entanto, que estou completamente contra a postura dos editores. Não, não se trata disso. São negócios como outros quaisquer e a opção entre ter ou não ter lucro acabará certamente por ter influência na hora da escolha do que se quer publicar. Tudo bem.

Também sou da opinião que tem que haver oferta disponível para todos os gostos. Nem toda a gente gosta de naves espaciais e nem toda a agente gosta de seres mitológicos. Há quem suporte um pouco de ambos mas ainda assim não seja um verdadeiro fã.

Assim sendo, creio que tem que existir uma oferta um pouco mais “leve”, acessível a todos os leitores. Mas também acho que se pode instrui-los para poderem começar a explorar novos caminhos e novas vertentes dentro do Fantástico e da FC.

Reparem que, se não fosse pelo que algumas editoras insistem em publicar e divulgar, eu nunca teria descoberto o Fantástico e a minha verdadeira paixão enquanto leitora e escritora amadora nunca se teria revelado. Bom ou mau, foi pela mão deles que cá cheguei. Até aqui estamos de acordo.

Mas a minha mente curiosa, depois de conhecer um pouco mais todas as dificuldades que encontram não só os escritores, como também os leitores da FC & F no nosso país, não pode deixar de levantar algumas questões e que aqui partilho convosco:

A primeira é porque é que a par dos projectos de “venda segura” não se aposta na tradução de autores de qualidade? Porque é que não os encontramos nas nossas livrarias prontos a ser descobertos na nossa lingua?

A segunda é por que razão estarão os poucos autores nacionais de qualidade confinados a serem sobejamente conhecidos lá fora (estou a pensar por exemplo no Brasil onde este género literário é não só amado como bem trabalhado pelas editoras) e em Portugal nunca se ter ouvido falar deles?

Por que razão estarão os leitores que, como eu, nunca tiveram um ponto de referência influente dentro da FC & F, confinados ao que as editoras optam por publicar? 

Estará quem não tem conhecimentos suficientes para fazer uma compra online numa livraria estrangeira condenado a não evoluir como leitor amante do género?

As respostas a isto, na minha modesta opinião, trariam muitas outras questões a lume, originando algumas “pescadinhas de rabo na boca”, eu sei, mas ainda assim a minha veia de justiceira super-heroína fica aqui aos saltos quando pensa em como temos tanto potencial e as coisas poderiam ser bem diferentes.

Assim sendo, deixo-vos a vós a pensar nelas, na esperança de que os meus devaneios pessoais possam chamar a atenção de potenciais leitores para o que se passa e, quem sabe, despertar-lhes a curiosidade em começar a pesquisar um pouco mais sobre o assunto.

Nota final: aviso à navegação
Não podia acabar a crónica sem aproveitar os meus únicos quinze minutos de fama para deixar um pequeno recado em jeito de desabafo: por favor mudem o conceito das capas de FC já que são elas [e o facto de habitualmente serem HO-RRO-RO-SAS] a verdadeira razão de nunca ter escolhido um livrinho destes para ler.

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Elsa,

Partilho de algumas opiniões tuas, especialmente a relativa às HOR-RO-RO-SAS capas dos livros de FC.
Acho que se os editores apostassem verdadeiramente em melhores capas talvez tivessem mais lucros nesta área de mercado.(Vg. A nova edição das Crónicas de Allarya são... horríveis, mas as antigas também eram um pouco infantis...)
Por vezes, falta algum tom de suspense ou segredo na capa deste género de livros que até existe muito neste tipo de histórias...

Quanto à aposta no género FC por parte das editoras, há bem pouco tempo enviei à Porto Editora a sugestão de criar uma coleccção tipo a Via Láctea porque acho que são um grupo editorial muito profissional (Basta ver as capas dos livros do Paul Hoffman)... foi-me respondido que:
"O tipo de livros que refere não tem sido uma das prioridades da maioria das chancelas do nosso grupo, mas estaremos atentos a essa oportunidade no sentido de a aproveitarmos no futuro."

Ou seja, traduzindo, em Portugal, maior parte dos leitores tem a mania que é da elite apenas por comprar livros. Ora, uma elite só é elite se ler coisas elitistas, como romances históricos ou livros policiais/suspense pois estes são os géneros literários por excelências (basta ler a LER ou a ESTANTE para perceber que só este tipo de literatura em Portugal é valorizada).
Assim, as editoras nacionais não ficam com muito espaço de manobra, tendo que se virar para as modas literárias globais (porque os portugueses sempre gostaram das modas globais também).

Quanto às traduções de grandes autores e de grandes obras como a Roda do Tempo e Duna, é fácil ter presente que os direitos de autor pagam-se e bastante bem... logo, é tentar acertar na prospecção de novos valores e esperar que eles tenham sucesso.(GRR Martin foi um achado para a Saída de Emergência por exemplo... andou dez anos desconhecido...)

Bom post
Francisco Fernandes