Estou super cansado. Tive o meu último exame na Segunda-Feira que passou, e ainda não recuperei totalmente. Verdade seja dita, também ainda não consegui descansar como deve ser, por vários motivos. Portanto em vez de tentar fazer algo mais decente, para dormir muito menos (escrevo estes textos com antecedência, e este infelizmente está a ser escrito com o relógio a dizer-me que já passa da uma da matina de ontem, ou melhor, de hoje) e falhar miseravelmente em ter algo de jeito, decidi fazer algo muito simples.
Agora que se aproxima a altura em que vou conseguir fazer mudanças aqui pelo blog, que sugestões é que vocês têm? Um amigo meu de artes (que está a sempre dizer que é mágico) já me deu valiosas dicas sobre o aspecto do blog, mas estejam à vontade para dizer de vossa justiça. E sobre outras coisas também.
Freak Show foi a quarta temporada de American Horror Story, uma das séries mais interessantes que descobri nos últimos tempos. E claramente a mais perturbadora. A ideia do programa é ser uma antologia de horror, com cada temporada a passar-se numa época e num cenário diferente, com histórias e personagens diferentes, ainda que interpretados pelos mesmos actores (e algumas novas adições).
Despachei a primeira temporada num instante, e depois andei a acompanhar a segunda, deliciadinho da vida. A terceira não me encheu tanto as medidas, mas também gostei. E esta agora foi bastante peculiar, em vários sentidos. Mas antes de começar a falar da série, quero que vejam o genérico desta temporada.
Sim, são sempre assim tão estranhos e perturbadores. Agora quero que vejam o trailer de outra série muita famosa vinda dos mesmos criadores de American Horror Story.
Não, não estou a brincar. Sim, foi exactamente essa a minha reacção, quando descobri. Mas já perceberam a ideia da série, não já?
Durante todos os episódios de qualquer das temporadas, o equilíbrio entre gore e ridículo é muito ténue. E a certa altura há aliens, nazis e possessões demoníacas no mesmo episódio. Estão a ver o calibre disto!
A verdade é que por mais estranho que possa parecer, esta é de facto uma boa série. Uma excelente série, diria eu, que de vez em quando se deixa desvirtuar ligeiramente. Mas nada demasiado grave.
Freak Show é um excelente exemplo disso mesmo. A premissa é perfeita: depois de uma casa assombrada na primeira temporada, um asilo atroz na segunda e uma escola de bruxas na terceira, um circo de freaks é a melhor ideia de sempre para esta quarta temporada. E logo nos primeiros episódios somos testemunhas disso mesmo.
O Lobster Boy, a mulher gigante, a mulher minúscula, a mulher com barba, o homem foca, a mulher que é só da cintura para cima (desculpem o link, não resisti) e tantas outras personagens fantásticas, todas elas peculiares de alguma forma e brilhantemente interpretadas. Bem-vindos ao Freak Show!
No meio de tudo isto, há alguém que se destaca, como se destaca em todas as temporadas, pelo seu enorme carisma e a sua brilhante actuação. Falo de Jessica Lange, cujo único defeito é as suas personagens serem bastante parecidas umas com as outras, de uma temporada para a outra. Se bem que não importa, esta tipa podia fazer metade das personagens numa temporada, que eu via e adorava na mesma.
A mulher é incrível. Tem aquela dignidade de diva em fase de declínio, que mistura muito bem com uma sensualidade que parece ter sido descoberta depois dos sessenta anos (tem actualmente 65) e uma presença que transborda completamente para fora dela própria. Nem sequer é justo, normalmente, tê-la a contracenar com alguém, porque consegue ofuscar um actor bom com bastante facilidade.
Nesta temporada é a dona do circo, Elsa Mars, alemã com um sotaque porreiro, um segredo muito, muito negro, e um sonho de ser uma estrela. É uma personagem fantástica, indecisa entre o amor que tem aos seus "monstros", como lhes chama, e a vontade de ser algo mais. A gravidade que Lange dá à personagem torna-a completamente convincente, logo desde os primeiros momentos e completamente até ao fim.
Mas é preciso dizer a verdade e fazer jus ao trabalho dos outros actores aqui envolvidos. Não o notei tanto nas outras temporadas, embora tenha notado, mas nesta há claramente um elenco maduro, com uma excelente química entre uns e outros, e que conseguiram ter algumas das melhores interpretações que vi em televisão.
Vou evitar falar de Kathy Bates, que faz de mulher barbuda, porque é demasiado fácil. Uma senhora actriz como Lange, é outra mulher incrível que fez um papel do caraças na última temporada - incluindo muito tempo a ser, literalmente, apenas uma cabeça numa bandeja - e que aqui volta a repetir a brincadeira.
Falo por exemplo de Sarah Paulson, que tem sido bastante consistente ao longo da série, tendo inclusivamente papéis centrais pelo menos desde a segunda temporada, e que em Freak Show brilha completamente como Bette e Dot, duas irmãs siamesas com apenas um corpo, mas duas cabeças e personalidades completamente distintas.
Eu nem quero imaginar como terá sido gravar para estes papéis, mas que trabalheira que deve ter sido! E o facto de ela conseguir convencer o espectador de que estão ali, realmente, duas personagens diferentes que tiveram o azar de partilhar o mesmo corpo... Extraordinário e sem dúvida um dos pontos altos da temporada.
Mas há mais, muitos mais, demasiados! Todos os freaks merecem aplausos, muitos deles a serem realmente aquilo que representaram (apenas ligeiramente menos assassinos e tal). Mas e fora dos freaks? Que tal Finn Wittrock como Dandy Mott e Frances Conroy como sua mãe, Gloria Mott, riquinhos da silva, ela toda paninhos quentes e "ai meu rico menino" com ele, enquanto ele é ligeiramente, mas só ligeiramente, um autêntico psicopata?
Pois é. Há toda uma mensagem sobre estas pessoas normais, especialmente o Dandy, serem os verdadeiros freaks, enquanto os freaks são apenas pessoas normais com aspectos peculiares. E muito mais que isso, embora alguns episódios não se consigam decidir sobre o orgulho que os freaks têm em serem chamados freaks.
No entanto, conseguem imaginar alguém que contrata um palhaço assassino, claramente com um ar assustador e maléfico, para o filho adulto se divertir, como se fosse a coisa mais normal do mundo?
Este mesmo, também conhecido por concorrência-ao-It-do-Stephen-King. É que foi exactamente isso que aconteceu com Gloria e Dandy. Estranhos duma figa, é o que é. Aliás, ambas as personagens são fantásticas de acompanhar, a mãe porque é interpretada pela Frances Conroy, que é outra actriz que impõe respeito, e o filho porque é uma personagem verdadeiramente fascinante. Mimado até à exaustão e psicopata até ao tutano, parece não ter a mínima noção de como tudo funciona, e foca-se excessivamente em si próprio. De tal forma que raramente vemos Wittrock a contracenar com mais alguém, e quando o faz é numa posição dominante e chamativa.
Ah, o palhaço chama-se Twisty e tem uma das histórias mais tristes de sempre. Na série acaba por, digamos, se associar com Edward Mordrake, um nobre com uma cara na nuca, relativamente funcional. Para terem uma ideia do quão perturbador é o caso de Mordrake, digo-vos que é das poucas coisas que realmente incomoda a minha namorada, que eu raramente vejo incomodada com alguma coisa. Compreendem?
Falando novamente da temporada, o que é que se retirou destes episódios? Demasiado para uma única crítica, mas o essencial é uma dicotomia curiosa entre ter orgulho naquilo que somos, especialmente se formos diferentes da maralha, e renegar os outros quando são demasiado diferentes. Estranho.
Claro que o essencial, essencial, são mesmo as cenas perturbadoras, como a de alguém a ser serrado ao meio e depois separado e verem-se entranhas a caírem ao chão. Ou umas pernas a serem cortadas. Enfim, só vendo.
Lá pelo meio, nem tudo é mau, e tenho que destacar duas personagens, Pepper e Ma Petite:
Aquela pessoa minúscula é a Ma Petite, e é tão adorável como vocês acham que é. E tem a minha idade. A Pepper foi a primeira personagem a aparecer em mais do que uma temporada (também entrou na segunda, do asilo) e além de ser claramente, e com razão, uma favorita dos fãs, revelou-se como uma personagem extremamente trágica, quando descobrimos a sua história entre o tempo narrativo de Freak Show e o de Asylum.
Esta personagem foi apenas o primeiro elo de ligação entre as várias temporadas, e podem ver facilmente que já existem muitas teorias por aí a flutuar, a maior parte delas muito interessante e que prometem algo que acho que vou gostar de ver: ligações ténues, claramente existentes, mas não demasiado óbvias nem demasiado importantes.
Como já devem ter percebido, adoro esta série. Ainda estou um pouco indeciso quanto a esta temporada, provavelmente a que tinha mais potencial e que a mais o desperdiçou. Delirei com as duas primeiras, fiquei assim-assim com a terceira, e esta agora deixou-me uma sensação estranha. Parece que teve várias oportunidades de ser brilhante, arriscou, e acertou completamente ao lado. É um risco que se corre com qualquer coisa, quanto mais com uma série destas, mas essas alturas fazem com que tudo pareça apenas mais do mesmo, diminuindo o impacto do choque e do horror, que tanto marcaram as primeiras temporadas.
O final em si é porreiro, deu gozo de ver, mas o último episódio é novamente uma montanha-russa de emoções. Quando estava a ver, completamente imerso naquilo, não tive problemas, mas depois de pensar um bocado... Não havia necessidade. Acho que o argumento se esforçou demasiado para fechar algumas das muitas pontas soltas, mas deixou uma grande parte de fora. O que é uma pena, porque como já disse, esta série é das melhores coisas que já vi, e esta temporada tinha tudo, desde a história, às personagens e ao cenário, para ser absolutamente brilhante, e não se conseguiu elevar para além de boa, mas...
Agora é esperar uns meses até ser anunciado o tema da próxima temporada, e se a Lange fica ou vai embora, e quem vão ser as novas estrelas que vão atrair para isto. Desta vez até o Neil Patrick Harris conseguiram convencer! Fico ansioso, mas confesso que espero que melhorem consideravelmente o rumo que estão a tomar...
"Há estrêlas de primeira, segunda e mais grandezas, outras cuja classificação é difícil de fixar e ainda outras que os sábios estão por descobrir. Muito parecido com o que se passa com as pessoas. Se houvesse só uma estrêla no céu, os homens matavam-se todos uns aos outros cá em baixo. Foi preciso prometer-lhes que havia uma para cada um."
Autor:José de Almada Negreiros Sinopse Opinião: Finalmente peguei em alguma coisa de Almada Negreiros. Nunca foi um autor que me parecesse particularmente interessante, e ainda por cima a única coisa dele de que se fala na escola é o Manifesto Anti-Dantas, à qual faço alergia onomatopeica. Mas graças à exposição actualmente presente no Museu da Electricidade, onde estou a estagiar como guia desde Novembro, fiquei honestamente interessado. Afinal o homem foi uma figura muito mais fascinante daquilo que eu pensava! Felizmente tinha este livro, numa edição fac-símile. Foi só juntar dois mais dois. E tentar controlar as baixas expectativas. Por muito que o homem tenha sido fascinante, aquilo que estava a conhecer dele dizia-me que eu talvez não fosse o maior fã da sua prosa. Não podia estar mais errado. E porquê? Porque o tipo era peculiar. Não era estranho, não era bizarro, não era excêntrico, era peculiar. Podem ver aqui um pedaço duma entrevista dele, para verem como é que ele era a falar. Já está? Óptimo. Sabem o que é que é incrível? Eleescreve assim. Tem um ritmo muito próprio, e dá um ênfase muito marcado ao discurso, muitas vezes a coisa a que não estamos à espera. Neste livro isso acontece com a própria narrativa principal, que tem quase uma importância secundária face às reflexões e particularidades do narrador. De tal forma que nos primeiros capítulos eu achei que isto não ia ter história, que ia ser só uma espécie de ensaio com muita reflexão. Novamente, não podia estar mais errado. O livro tem uma história, um estranho amor entre Antunes, um rapaz atadinho e que os pais despacham para um familiar para ver se fazia dele um homem, e Judite, uma rapariga com um dia-a-dia, digamos, duvidoso. Entre fixações completamente aleatórias, algum desprezo e muito mel, a coisa dá-se e desdá-se, e no fim quase tudo fica tal e qual como começou. O Antunes começa por ser um panhonha que fica apanhadinho pelo Judite quase instantaneamente, e que, por sua vez, não é flor que se cheira. Não deixa de ser interessante ver as aventuras e desventuras de Antunes e Judite (principalmente Antunes), tudo por causa da insistência da rapariga para que não dissessem nada aos pais e simplesmente zarpassem dali para fora. A prosa demasiado activa não é das minhas favoritas, antes pelo contrário, mas a verdade é que assenta muito bem com aquilo que Almada quer contar. Ou será que é ao contrário? Ajusta-se a narrativa em função da prosa? É uma possibilidade, de tão científico que este homem era, mas sinceramente não sei. Aquilo que sei é que aconselho vivamente este livro. É preciso algum estômago intelectual para ir lendo isto com o mínimo de atenção, mas é uma leitura bastante recompensadora!
Opinião: Senhoras e senhores, meninos e meninas, vejam bem a capa deste livro. Decorem o nome. Os autores. Procurem por ele. Em português, em inglês, em francês, em romeno, em latim ou em klingon, não interessa, mas arranjem-no. Comprem-no, peçam-no emprestado, roubem-no, qualquer coisa!
É que este livro, simplesmente chamado Hulk: Cinzento, é das melhores coisas que já li e vai ser sem dúvida um dos destaques de 2015. E ainda só estamos em Janeiro!
Não, não estou a exagerar. Há aqui alguma contribuição de não ter grandes expectativas e elas terem sido facilmente (e fantasticamente) ultrapassadas, mas garanto-vos que vale a pena. Esta BD é dos livros mais bem pensados e mais bem executados que vi nos últimos tempos.
No fundo não é mais do que um recontar da história de origem do Hulk, ainda na sua versão cinzenta (não sabia que ele tinha realmente começado por ser cinzento!), através de um gigantesco flashback de Banner, a falar com o seu psiquiatra.
O resultado é uma história bonita, intensa e muito triste. Ouvir alguém a contar sobre como perdeu o controlo de forma abrupta e teve que aprender a viver com um monstro dentro de si, com quem se recusava a identificar, mas com quem não conseguia evitar identificar-se... Fantástico.
E a parte mais incrível? A expressividade que Tim Sale dá ao Hulk, uma personagem normalmente retratada como uma espécie de neandartal gigantesco, um brutamontes incapaz de ter um pensamento ou uma emoção mais complexa do que "ESMAGAAAAAR". É fascinante ver como Loeb conseguiu dar tanta profundidade a uma personagem assim, e ter Sale a acompanhar isso mesmo no desenho.
Outra coisa que funciona muito bem é o ritmo da história. Narrada pelo próprio Banner, com uma espécie de respostas/comentários do seu psiquiatra, tudo anda em uníssono: diálogos, narração, desenho, narrativa. É uma coreografia complexa, mas tornada simples pela fluidez de cada página.
Já mencionei as páginas duplas divinais? Digam o que disserem, Sale esmerou-se e conseguiu encaixar aqui autênticas obras-primas para as quais dá realmente gosto olhar. A sério. Parar e observar.
Também é incrível como a maior parte da emoção é transmitida pelo Hulk, como quando Betty, a amada de Banner, fica ferida, e é preciso curá-la. As tentativas do grande monstro cinzento são desastradas e o resultado final menos do que satisfatório, mas a preocupação é real. Ver a Betty a desprezar tudo isso tem um peso muito forte.
E já no final, a conclusão simultânea do Hulk no flashback e de Banner no presente, está muito bem construída. O primeiro percebe, e fica enraivecido por isso, que ele não é um monstro e só protege a Betty, mas ela ama é o pai, um tipo à beira da psicose e que só a magoa; o segundo apercebe-se de que ela só o amava porque ele era como o pai dela. Primeiro odeia o Hulk pelas razões erradas, e depois ama o Banner pelas razões erradas.
É muito doloroso, e é muito triste, e está muito bem feito. Fiquei seriamente impressionado, e vou sem dúvida procurar os outros livros desta trilogia: Demolidor: Amarelo e Homem-Aranha: Azul. A vocês digo-vos o que disse no início, arranjem este livro!
Sejam bem-vindos ao primeiro Estantes Emprestadas de 2015, já no seu novo formato! Comecei por convidar a Júlia, também conhecida por Jules, porque quem melhor para inaugurar isto do que a minha namorada? Já sabia que ela ia dar um tema difícil, mas interessante, e tinha razão. Até começou por lixar, que primeiro que eu conseguisse começar a escrever... Mas depois tornou-se em algo que me deixou mais satisfeito.
Para quem não se lembra, a ideia desta segunda versão das Estantes Emprestadas é ter bloggers a sugerirem-me um tema, sobre o qual eu escrevo um texto, a que esses bloggers depois têm de responder. É uma experiência de interactividade entre bloggers!
Conhecendo-te bem, e a mim também, sei bem que gostamos de muita coisa e todas muito diferentes umas das outras. Gostando de tanta coisa acabamos por precisar de vários meios para obter satisfação para todas. Mas e se fosse possível reunir tudo num só sítio? Como é que isso aconteceria? É possível de maneira real e – isto é importante – que faça sentido?
No teu caso, por exemplo, reunir DW, epopeias, dinossauros, livros, mitologia, integrais, crianças pequenas, desgosto por cães, como é que isto tudo poderia ser junto? Resultava? Sendo nós tão ecléticos? E quereríamos que isso acontecesse? Retiraríamos realmente o prazer que retiramos dos pequenos pedacinhos num todo?
Pergunta difícil. A resposta fácil, e mais simples, é que não sei. Não consigo imaginar muito bem algo que conseguisse realmente conter todas essas coisas (e outras tantas) num todo coerente e razoável. Quem me dera a mim! Mas não me parece viável.
Posso, no entanto, falar de alguns exemplos, alguns bem recentes, que considero interessantes e que se encaixam, de certa forma, na tua pergunta.
A começar por Doctor Who. Toda a gente sabe o quanto é que eu gosto desta série, mas poucos compreendem verdadeiramente o motivo: é uma espécie de resposta à tua pergunta. Nunca vi nada que juntasse tanta coisa numa só. Os encontros com a mitologia são frequentes, a ciência é constante, há crianças adoráveis, dinossauros, zombies, naves espaciais, aliens, magia, figuras históricas, enfim, de tudo!
E isto feito de forma coerente, consistente (a maior parte das vezes), com bons elencos e boas histórias. É um bom exemplo de como se pode pegar num conjunto infindável de temas, juntá-los, misturar bem, e ter como resultado algo excelente.
Tu de certo que compreendes, és tão fanática por Doctor Who como eu. Cada episódio é uma pequena obra-prima de diversidade temática, alguns mais bem executados do que outros, mas sempre fascinantes, de uma forma ou de outra. A capacidade que o programa tem de fazer isso e ao mesmo tempo manter-me suficientemente embrenhado para nunca duvidar nem questionar grande coisa, apenas apreciar, é qualquer coisa de especial.
Falemos agora de exemplos mais literários. Há o caso simples, e óbvio, de The League of Extraordinary Gentlemen, que me oferecido por alguém (fazes ideia?) numa edição para lá de lindíssima. A mente irrequieta e arcaica de Alan Moore consegue criar um livro fantástico que mistura várias mitologias e várias ficções (mais ou menos) actuais, numa história coerente e, pior ainda, interessante.
O meu fascínio por este livro já está bem documentado aqui no blog, portanto não me quero alongar demasiado, mas percebem? Tu certamente que percebes, Jules, ainda não o leste e já tens o mesmo fascínio. A sensação que tenho deste livro é parecida com a que tenho da série Sandman, de Neil Gaiman. A mistura entre realidade e ficção é parecida, embora assuma contornos bastante diferentes. E o sense of wonder é exactamente o mesmo nestas duas BD's e em Doctor Who. Algo que nos faz sonhar e acreditar.
Para dar um exemplo mais discreto, deixa-me falar de Flatland. Ainda estou para perceber como é que um livro tão pequeno e aparentemente tão simples consegue exercer um fascínio tão grande sobre mim, mas a verdade é essa.
Nesta curta história sobre um quadrado muito vitoriano que é arrancado do seu mundo bidimensional e levado a conhecer todas as múltiplas dimensões “acima” e “abaixo” da dele, não se misturam muitas coisas: apenas conceitos matemáticos, literatura e crítica/paródia à sociedade vitoriana. Mas o autor consegue fazê-lo de uma forma que me deixou completamente rendido logo na primeira leitura, quanto mais na segunda e na terceira. Não sei se é de ver rigor matemático e explicações geométricas no meio de uma narrativa, mas Flatland é e sempre será um dos meus livros favoritos de sempre.
Agora que falo nele, no entanto, lembro-me de um autor que tenho de mencionar: Jorge Luís Borges. Aquela mistura de ficção com matemática, a sua utilização de conceitos matemáticos para construir uma história, e de usar uma história para explicar conceitos matemáticos, é completamente fora de série. É o tipo de coisa que eu gostava de fazer um dia.
Tenho que falar dos vários contos que envolvem labirintos? Ou uma biblioteca infinita? Um disco que só tem um lado? Um livro de infinitas páginas? O próprio Aleph? Genial não chega para o descrever!
Como vês, existem já vários exemplos de coisas que podem fazer mais ou menos essa enorme mistura de temas. Mas sinto que falta responder à tua pergunta de uma outra perspectiva. O que é que poderia existir que realmente fizesse essa mistura, e com sucesso? Queremos que aconteça?
A resposta à segunda pergunta é: digo-te depois de ler/ver/ouvir. Quanto à primeira... Bem, conheço casos de coisas que tentam fazer misturas e falham redondamente, como Falling Skies, que tenta misturar distopia, invasão alienígena e História, mas apenas consegue ter um professor de História estranhamente competente em termos militares, que aproveita qualquer oportunidade para relembrar toda a gente à sua volta de que era professor de História. É irritante e inútil.
Se queres que te diga, para mim, a única forma de isso acontecer seria em BD. Não há limites de orçamento, o que é um bónus, e não era difícil misturar isso tudo, nem que fosse em pormenores tão palerma como ter uma personagem que, como quase acontece comigo, só tem camisolas nerd/geek. Só isso já dava para introduzir algumas coisas, de forma discreta. O resto era deixar a imaginação correr.
Eu sei que este exemplo parece um bocado palerma, mas tu percebes-me, eu sei que sim. O que é realmente relevante nisto é a imaginação, tão simples quanto isso. É possível? Não tenho a certeza. Seria porreiro? Também não tenho a certeza. Gostava que acontecesse? Claro que sim, mais que não fosse para responder às duas perguntas anteriores, que só gosto de falar de incerteza quando a seguir digo “de Heisenberg” e antes disse “princípio da”.
Como tal, atiro-te novamente a pergunta, o que é que tu achas? E vocês, que estão a perguntar-se o que raio aconteceu à minha memória a longo prazo, para todos os exemplos serem de coisas com as quais lidei no último mês, o que têm a dizer?
Arte:Nicola Scott, Aaron Lopresti, Chris Batista, Fernando Dagnino, Travis Moore, Doug Hazlewood, Matt Ryan Raul Fernandez, Bit, Wayne Faucher, Brad Anderson, John Dell, Hi-Fi, Brad Anderson
Opinião: Melhor do que estava à espera, confesso. Mas nada de especial. Foi uma oportunidade única, encontrei-o no site da Fnac por um euro e lá teve de marchar, para a minha crescente colecção de BD.
Nunca tinha lido nada com esta personagem, nem sabia muito bem o que esperar dela. Para mim sempre foi uma mistura do Super-Homem com o Capitão América, e nunca me consegui decidir sobre se gostava do conceito ou não.
Claro que sempre tive tendência para gostar, mais que não seja porque é uma forte personagem feminina com um historial de mitologia grega.
Este livro é da altura em que Gail Simone escrevia as histórias desta personagem, e sempre ouvi falar muito bem desta era. E prometia. Uma escritora feminina com nome bem firmado na indústria dos comics americanos, adorada pelos fãs, a escrever para uma personagem feminina igualmente adorada pelos fãs? Expectativas!
Por outro lado é um livro com tanta saída que estava a ser vendido por um euro. E, bem, não tinha um aspecto nada de especial. Portanto não explodi de expectativa, antes pelo contrário, e ainda bem. É que isto lê-se bem, a personagem é porreira, a arte é banal mas interessante e eficaz, e a história até está (moderadamente) bem construída, mas não me despertou a atenção.
Não me interpretem mal, cento e vinte páginas de Wonder Woman a dar porrada em outras gajas, incluindo a Power Girl, é qualquer coisa digna de se ver, mas no que toca a história? Não é má, mas fica muito aquém daquilo que podia ser.
Até há flashbacks interessantes e alguns plot twists curiosos, mas não se tornou numa leitura motivante. Talvez se lesse mais uns livros, os anteriores, e ficasse mais dentro do assunto, conseguisse apreciar melhor, mas a verdade é que o achei meramente mediano.
Opinião: Como boa ficção científica clássica que é, a história não é das mais fáceis de seguir. Tem muita coisa implícita, e é preciso prestar muita atenção. Como bom Argonauta que é, a própria leitura não é fácil de seguir, pois há algumas palavras e expressões que nos fazem pensar duas vezes: o autor escreveu mesmo isto, ou o tradutor fez uma escolha errada de palavras?
Mas é uma leitura rápida na qual é fácil ficar imerso. Até nos aparecer um daqueles possíveis problemas de tradução, mas pronto.
A sociedade que Herbert apresenta em Os Olhos de Heisenberg está dividida entre os Optimanos, imortais e governantes, e o resto. A facção rebelde e revolucionária dos Ciborgos é mais perturbadora do que outra coisa, e é semi-secreta.
Como é que os Optimanos conseguirem esta imortalidade? Através de engenharia genética altamente avançada, a mesma que é usada para controlar todos os nascimentos a nível molecular. Deficiência numa válvula cardíaca? Não pode ser. Arranja-se, para o puto sair perfeitinho.
É claro que uma sociedade assim é altamente regulamentada, e a maioria da população é infértil, mas isso são pormenores, não é verdade?
Tudo começa a mudar, no entanto, quando a resistência se empenha mais e uns futuros pais, os Durant, invocam uma lei obscura que lhes permite assistir ao "arranjo" genético do embrião que é suposto original o filho deles. Nunca ninguém a tinha invocado, e é uma grande chatice para os médicos - perdão, cirurgiões genéticos - que não querem ninguém a ver o que raio fazem.
Uma grande tramóia e alguns acontecimentos ligeiramente inexplicáveis depois, toda a sociedade está em risco de ruir por completo. Um grande feito para um livro tão relativamente pequeno, se querem que vos diga. E com um final interessante e, curiosamente, optimista! Mais ou menos.
No meio disto, o que é que é realmente importante? A crítica velada que Herbert faz à imortalidade. Ou melhor, às consequências para uma sociedade de existirem indivíduos imortais: estagnação e inflexibilidade. Basta uma pequena mudança para desencadear todo um processo auto-destrutivo brutal. Como uma régua muito rígida e fininha. Dobra-se a parte-se. Uma régua menos rígida ainda dobra e consegue-se adaptar.
Esta sociedade governada por Optimanos não. Por isso é que a resistência ganhou no momento em que foi criada. A mudança que introduziu no sistema, a variabilidade, a incerteza, tudo é demasiado grande apenas por existir.
O que o autor conseguiu foi agarrar em meia dúzia de personagens e focar nelas a história, não exagerando na exposição e realmente mostrando os conflitos, mesmo em termos históricos, através das acções, de forma muito ritmada e bem calculada. Nenhuma dessas personagens é particularmente memorável, mas todas parecem humanas, pelo menos. Bem, algumas personagens não são propriamente humanas, mas até nessas se reconhecem os traços da Humanidade.
Só para terminar, gostava de mencionar a fantástica linguagem secreta que os Durant tinham entre eles, que funcionava através de um qualquer código de pressão nas mãos um do outro. Perfeitamente silenciosa, discreta e clara como se fosse diálogo falado. Incrível! Apenas mais um pormenor num livro com boas ideias e que está bem trabalhado, ainda que apresente algumas falhas. Fica a curiosidade para ler mais Herbert (Dune! Dune! Dune!).
Opinião: Bradbury nunca falha, e The Veldt não é excepção. Este pequeno conto futurista é do mais típico que se pode encontrar neste autor. Um ambiente pacato e inocente, uma escrita fantástica, ideias e conceitos fascinantes, e um final intenso.
A história é sobre uma família que vive numa casa inteligente que incluiu um quarto de realidade virtual, em que as paredes projectam o imaginação dos ocupantes, neste caso a dos filhos do casal, dois miúdos, rapaz e rapariga, ligeiramente assustadores.
Se isto fosse um filme, seria daqueles em que eu olhava para as crianças e dizia "nope". Crianças creepy nunca dá bom resultado!
A ideia do quarto de realidade virtual esteve o tempo todo a fazer-me lembrar alguma coisa. Um livro distópico qualquer. 1984? Não, não... Admirável Mundo Novo? Também não. Nós? Hum... Não. Espera, já sei! A televisão imersiva do Fahrenheit 451... do Bradbury!
Faz sentido. E fiquei muito agradado com a maturidade dos temas abordados. O próprio desenrolar da história é mais negro do que aquilo que eu esperava, embora seja relativamento óbvio, relativamente cedo.
É que a casa inteligente parece uma excelente ideia, mas os dois adultos sentem-se cada vez mais inúteis e desnecessários, o que é completamente razoável quando se tem uma casa que até inclui uma máquina para atar os sapatos às crianças. É uma crítica àquilo que corremos o risco de nos tornar, comodistas ao ponto de sermos criaturas puramente sensitivas, com o único propósito de ver, sentir e cheirar, como diz uma das crianças do conto.
A crítica é bem conseguida, mas não é o ponto fulcral da história. O mais interessante é o que acontece quando a imaginação das crianças passa a controlar o quarto da realidade aumentada com demasiado à-vontade e demasiada intensidade. Começam a imaginar uma savana africana (o tal veldt), com liões sanguinários incluídos e tudo, e digamos que depois as coisas não correm muito bem.
Terá sido a imaginação das crianças, demasiado acirrada, que provocou tudo? Ou a culpa foi dos pais despreocupados, que se deixaram substituir pelas engenhocas de uma casa inteligente? Haverá aqui um problema mais profundo? Bradbury não responde propriamente a nenhuma pergunta, deixando o assunto suficientemente em aberto para gerar muito debate. Limita-se a apresentar a história, quase como um caso clínico, mas com uma emoção muito própria da sua escrita.
O final, do ponto de vista do psicólogo das crianças, é um momento marcante e a forma ideal de terminar este excelente conto, que assim entra para a minha lista de favoritos, sem dúvida!
Ora bem, vamos lá falar um bocadinho. Estou sem tempo para escrever grande coisa (época de exames do IST é a melhor de sempre /fimdeironia), portanto ficam com um texto destes, simples e que dá pouco trabalho e que ainda assim consegue ser minimamente interessante. Próximo Sábado prometo uma crónica a sério!
Por agora vejam bem essa imagem. Não vos está a fazer impressão? Não querem esses livros todos, nessas edições? É que nem interessa que livros são! Estas edições da Folio Society são das edições mais bonitas que já vi, e a minha vontade é fazer colecção, mas são edições caras como o caraças!
Duas coisas que já estão atrasadas: vão até ao blog do Joel G. Gomes, meu colega da Oficina de Escrita e autor de livros fixes que eu até já entrevistei, e passem a acompanhar a nova rubrica dele, em que faz entrevistas peculiares a vários autores; depois podem ir ver o vencedor do Prémio Bang!, que é (como seria de esperar em termos estatísticos) brasileiro. Os meus parabéns, e agora fico à espera que apareça o livro!
Sem saírem do site da Bang!, podem espreitar esta retrospectiva de 2014 sobre o Fantástico, pela mão do João Campos, outro colega da Oficina de Escrita que é sempre interessante de acompanhar.
Em termos de notícias há duas que merecem destaque. Ou pelo menos apanhei duas que merecem claramente destaque. A primeira é a de que a Porto Editora engoliu a Livros do Brasil, qual LeYa dos pequeninos, e vai relançar alguns dos seus livros. Infelizmente, nada de Fantástico, o que significa que podem tirar o cavalinho da chuva se estavam à espera de Argonautas. Mas eles que se lembrem de continuar a colecção... A LeYa até chora.
Foi ontem que falei dele, portanto espero bem que sim. É só para dizer que me foi oferecido pela minha namorada, e acho que nunca recebi um livro tão bom na minha vida. Isto dá vontade de folhear. E de reler. É uma autêntica orgia de referências literárias, de Wells a Borges, passando por Calvino, Verne, Stevenson, Stoker, Shelley e sei lá mais o quê! Fascinante, simplesmente fascinante...
Opinião: Nem sequer vou tentar esconder que sou um autêntico fanboy de Alan Moore. Se o homem escreveu, eu quero ler, com a certeza de que vou gostar. A sério, é inacreditável, não há muitos autores que consigam ganhar esta minha confiança cega!
Mas este livro em particular é especial. Watchmen tem todos os elementos de sátira e de desconstrução que gosto de ver, misturados num mundo relativamente distópico recheado de personagens geniais; Saga of the Swamp Thing é um triunfo narrativo, uma história simples e já semi-esquecida completamente rejuvenescida, e novamente com personagens geniais, particularmente o monstro; V for Vendetta é uma amálgama, e uma demonstração, da minha ideologia pessoal, e utiliza um protagonista misterioso, e fantástico, chamado simplesmente V, para espelhar a mente do autor, que muito agrada.
Mas este? Oh, este... The League of Extraoardinary Gentlemen parece que foi escrito de propósito para mim. Passado maioritariamente numa Inglaterra Vitoriana em que aparentemente TODAS as personagens e lugares da ficção clássica existem, este livro conta uma história mais do que conhecida e utilizada, mas de uma forma tão original e bem feita, que isso nunca incomoda.
Ah, e foi-me oferecido depois do que foram, provavelmente, anos a babar-me para ele. Acho que nunca uma prenda me soube tão bem!
Vejam bem, os protagonistas são Wilhemina Murray, Allan Quatermain (o único que desconhecia), Dr. Jekyll e Mr. Hyde, Capitão Nemo, e Hawley Griffin, o Homem Invisível. Quem é que está por trás deste grupo? Campion Bond e o seu misterioso chefe, M. Familiar? Pois.
Querem mais? Um tal de Doctor Moreau? Sherlock e Mycroft Holmes? Moriarty? Arsene Lupin? Auguste Dupin? Orlando? Gulliver? John Carter? Sinbad? Alguns são só mencionados, num apêndice depois da banda desenhada propriamente dita, mas mein Gauss!
E depois ainda há tudo o que acontece e aparece, como a invasão marciana com as naves trípodes de H.G.Wells, ou o Nautilus e as naves bala de Verne, os híbridos de Moreau... Nem sei bem o que dizer sobre tudo isto.
Aquilo que sei, no entanto, é que o traço de O'Neill é simplesmente perfeito para este tipo de história, e não consigo imaginar outra forma de fazer isto. É um traço seco, de certa forma, mas muito expressivo. Não exagera de forma demasiado óbvia, mas até o faz de forma quase cartoonesca, por vezes, sem nunca cair no erro de quebrar o registo. É uma arte que consegue capturar os pormenores da barba do Capitão Nemo e a grandiosidade do Nautilus em página dupla.
Mas há melhor. É que esta é a edição Omnibus, com o volume 1 e 2 e recheado de capas alternativas, capas dos vários comics, um conto com o Quatermain como protagonista, depois do primeiro volume, um Almanaque no fim, um tabuleiro para um jogo e montes de pormenores extra-livro mas não extra-história. Inacreditável!
Esse conto sofre um bocado com a escrita demasiado floreado e exagerada em que Moore cai, por vezes, mas durante a maior parte do tempo até é uma leitura bastante agradável. O mais incrível é a forma como em poucas páginas o autor conta um pouco do passado da personagem, e ao mesmo tempo encaixa tudo na banda desenhada que acabámos de ler.
O Almanaque no fim é um conjunto dos relatos das várias Leagues, ao longo dos séculos, sobre os mais diversos lugares, espalhados por todo o Mundo. De Shangri-La a Toyland, com referências a Flatland, Borges, Calvino, todos os autores de FC e Fantasia clássica que consigam imaginar, e pormenores deliciosos de como tudo está intrinsecamente ligado.
Resumindo: não há palavras. A história é fabulosa, as personagens estão bem construídas, a crítica à sociedade é óbvia (as mulheres são tão mal tratadas), o estilo sardónico e irreverente típico de Alan Moore está presente na melhor forma possível, e a arte é fantástica.
No meio disto há duas personagens que se destacam claramente: Capitão Nemo e Hyde. O primeiro por ser tão misterioso, pragmático e transmitir uma sensação de fúria calma completamente avassaladora; o segundo por ser exactamente o contrário, fúria incontida, mas com um enorme intelecto por detrás da faceta animalesca que tanto gosta de demonstrar. Tanto um como o outro são protagonistas de várias situações intensas, mas Hyde rouba completamente o foco da atenção.
A sua paixão por Wilhemina Murray é das mais bonitas interessantes histórias de amor e admiração que já vi, e faz com que cometa actos terríveis para proteger a sua honra. A vingança contra uma personagem que espanca Murray... Bem, é desagradável. Mas não deixa de ser interessante ver esta autêntica besta a ser acalmada por uma mulher, de forma tão simples. E o seu humor e prontidão em matar e comer o que quer que seja são dois dos pontos altos de toda a história!
Só vos posso dizer para lerem, e para lerem desesperadamente. É um livro um pouco estranho, e relativamente denso, especialmente o Almanaque e especialmente para quem tiver menos referências literárias do género, mas até eu, que já reconheci muita coisa, tive que ir pesquisar muita coisa. Claro que não me importei, que é o que vale. The League of Extraordinary Gentlemen - The Omnibus Edition é, afinal, um livro extraordinário e uma das melhores prendas que já recebei (e irei receber) em toda a minha vida!
Argumento:Christ Claremont, Marjorie Liu, Stuart Moore, Kelly Sue DeConnick
Arte:Milo Manara, Dave Stewart, Filipe Andrade, Nuno Plati, Jay Leisten, Sandu Florea, SotoColor, Mark Brooks, Walden Wong, Emily Warren, Ryan Stegman, Tom Palmer, Victor Olazaba, Juan Doe
Tradução:José de Freitas, João Miguel Lameiras, Paulo Furtado
Opinião: Este foi daqueles que antes da leitura era uma perfeita incógnita. A capa é apresentação suficiente do artista envolvido, Milo Manara, e não sou particularmente fã da sua obsessão com um ou dois tipos idealizados (e exagerados) de mulheres, que desenha até à exaustão, com mínimas variações.
Mas nem só de Manara se faz este volume, que conta com contribuições de artistas portugueses, Filipe Andrade e Nuno Plati, e ainda mais duas histórias, perfazendo assim um volume diversificado, tanto a nível de argumentos como de arte, apesar da "temática" central das mulheres como protagonistas.
É interessante, de um ponto de vista cultural, reparar como isto soa diferente até nos dias de hoje, em que supostamente somos tão progressivos e as personagens femininas ganham cada vez mais (ou menos) destaque qualquer que seja o meio.
Mas essas considerações não são relevantes. Aquilo de que quero falar é de como Manara me supreendeu, os portugueses me deixaram bastante satisfeitos, a arte da terceira história me apanhou desprevenido, e como a última história deixou muito a desejar a todos os níveis.
Primeiro, Manara. Com argumento fraco de Chris Claremont, um veteraníssimo destas andanças, Manara não se deixou intimidar e demonstra uma arte impecável. Continuo a ter um problema com as mulheres que ele desenha, assim como com as "acidentais" poses semi-eróticas e roupas curtas e justas que insiste fazer aparecer por todo o lado, mas o nível de detalhe é fantástico, e dá gozo olhar para estas páginas. É mesmo uma arte boa!
Claro que a história das super-heroínas que vão de férias e se vêem subitamente sem poderes e envolvidas em problemas não é completamente desinteressante, mas o facto de se reunirem meia dúzia das mutantes mais poderosas à face da Terra, e ainda assim precisarem de um homem para salvar o dia... Cai mal, e falha um bocado o objectivo.
A segunda história é a que conta com a contribuição de Andrade e Plati, com um a desenhar as sequências reais, e outro as sequências sonhadas. Foi sem dúvida a minha história favorita, e em grande parte graças à fantástica arte dos dois portugueses, tão diferentes e estranhamente complementares entre si. O argumento é algo confuso, porque é o meio de qualquer coisa e envolve um clone feminino do Wolverine com problemas de identidade, e bastante negro. Diria até surpreendentemente negro, tendo em conta o estilo mais leve e humorístico tão típico da Marvel.
Foi a história seguinte, sobre duas personagens relativamente obscuras, Cloak e Dagger, que me surpreendeu, com um estilo muito parecido a desenhos animados, luminoso e com uma espantosa sensação de movimento.
A história final é sobre Sif, uma asgardiana, e conta com a participação de Beta Ray Bill, um alien muito parecido com o Thor e que é das personagens mais peculiares que já encontrei. Infelizmente, desta vez nem a história nem a arte nem nada me cativou minimamente.
Avaliando o geral, acho que é um livro que vale a pena ler. Tem os seus problemas, a vários níveis, algumas das histórias mais do que outras, mas a arte das três primeiras histórias, especialmente a de Manara e a da dupla Andrade/Plati mais do que compensam. Um livro que foi uma pequena surpresa!
Arte:Ricardo Tércio, Niko Henrichon, Nick Dragotta, Mike Allred, Laura Allred, João Lemos, Christina Strain, Nuno Plati
Tradução:Filipe Faria, Paulo Furtado, João Miguel Lameiras, Paulo Moreira
Opinião: Sem dúvida um dos volumes mais interessantes desta colecção, inicialmente não me tinha chamado a atenção. É que há cerca de um ano li Marvel Fairy Tales, e achava que isto ia ser apenas uma repetição. E se tinha ficado a gostar da arte e das adaptações, os diálogos tinham deixado a desejar.
Felizmente este livro não só tem histórias que esse outro livro não tinha, como os diálogos são consideravelmente melhor, não sei se pela tradução ou se pela nova leitura.
A verdade é que desta vez gostei mesmo muito de ler estes contos de fadas super-heróificados, que são adaptações soberbas das histórias originais. Há pequenos pormenores espalhados por todo o lado que me deixaram de boca aberta, como a sombra do Capitão América/Peter Pan servir de escudo, ou inverter os papéis da Cinderela para que seja o Homem-Aranha o protagonista. Fantástico.
É uma pena que não venha aqui aquela fantástica fábula africana retratada como a amizade entre Magneto e o Professor X - sem dúvida a melhor parte de Marvel Fairy Tales - mas para compensar inclui outra fábula africana, desta vez com o Homem-Aranha como protagonista, com a melhor arte do conjunto e uma história mágica e simplesmente fantástica!
Este volume é também notável por incluir arte de muitos portugueses, pessoalmente convidados por Cebulski, um confesso admirador dos nossos artistas. É fácil ficar impressionado com estes desenhadores lusos, e também é fácil de perceber a dificuldade em entrar no mercado dos super-heróis, se bem que não me espantaria de os ver a fazer coisas como Sandman, só para dar um exemplo.
Bem vistas as coisas, este é um livro de que não me arrependo de ter comprado, apesar da minha hesitação inicial, e que inclusivamente aconselho a toda a gente: se o que querem são boas histórias, boas adaptações, boa arte, e ficar a conhecer bons artistas portugueses, este é um dos livros que devem, definitivamente, ler.
Muito se disse nos últimos dias sobre o ataque terrorista ao jornal Charlie Hebdo. Foi um daqueles acontecimentos que teve repercussões no mundo inteiro, e é fácil de perceber porquê.
Por um lado há os preconceituosos que acham que uma pessoa de turbante, um árabe e um muçulmano são a mesma coisa, e que se não forem também não interessa, porque são terroristas. Por outro há o pessoal hipócrita, tão ou mais fanático que qualquer terrorista, apenas com menos acesso a Kalashnikovs, que acham muito mal que se ande aí a matar pessoas que apenas dizem a verdade sobre uma falsa religião.
Também há pessoas normais, sim. A única coisa em comum com todos estes tipos de pessoas é o horror que se sente ao ver as imagens do que se tem passado em França, ler as reportagens e ficar a saber as consequências.
Morreram pessoas. A verdade é esta. E não foi um acidente, nem uma bomba, das que mata de forma indiscriminada. Não. Foram pessoas armadas a entrar na sede do jornal, a chamar as vítimas pelos nomes e a matá-las de forma sistemática.
Tudo por causa de uns desenhos. Sim, uns desenhos que os visados podem considerar ofensivos, e neste caso até sempre foram bastante vocais sobre o assunto, mas desenhos. Que ainda por cima tinham razão.
Estes desenhos não criticam a religião, isso cada um faz e acredita no que quer, mas sim as atitudes e convenções desumanas que algumas religiões implementam, e também os fanáticos, que existem em todas as religiões - e fora delas.
Neste caso, estes desenhadores não foram estúpidos, foram corajosos. Tomaram uma posição e defenderam-na, literalmente, até à morte. Se calhar nunca acharam que isto chegasse tão longe, mas foi uma decisão que tomaram e arcaram com as consequências. Eu não sei se seria capaz de fazer o mesmo, por mais seguro que me sentisse.
Isto porque o medo é, realmente, uma arma muito forte. É disso que os terroristas se alimentam, e é isso que semeiam. Os jornalistas do Charles Hebdo perderam a vida por causa disso, mas tinham razão: enquanto houver fanatismo a denunciar, é preciso é denunciá-lo.
E não me venham cá com histórias como a do mentecapto que é o Gustavo Santos, que diz basicamente que eles é que o estavam a pedir. Isso é gozar com as nossas caras e com as deles, que morreram. Felizmente há gente que se tem insurgido como deve ser sobre o assunto, como o Rui Sinel Cordes e companhia.
Mas ao fim do dia, a única coisa que estes ataques e estas mortes conseguiram, foi provar que a guerra já não se faz no campo de batalha. Isso é só brincar às armas para que alguém tenha lucro a vender balas. Os verdadeiros soldados são pessoas como estas que perderam a vida. Aparentemente seguras, com uma opinião e sem medo de a expressarem. São estas as pessoas que afectam esses líderes criminosos da Era Medieval que ainda temos por esse mundo fora, são estas as pessoas que os atingem. E o que aconteceu não foi um ataque à liberdade de expressão, mas sim um ataque à inteligência e humanidade de cada um de nós.
Já há algum tempo que conheço esta série, mas nunca me tinha chamado a atenção. Parecia ser algo perfeitamente genérico, com uma história que eu conseguia adivinhar por inteiro só de ver os trailers, e que portanto não precisava propriamente de ser vista.
Foi preciso "obrigarem-me", através de um acordo que estou à espera de ver cumprido - alguém que tem de ver Doctor Who - para pegar na série e despachar a primeira temporada. E eu tinha razão: a série é risível.
Os primeiros dois episódios (colados num) são grandiosos e cheios de explosões e coisas a acontecerem, mas sem grande história nem explicações. São meras introduções que servem apenas esse propósito, e isso aborrece-me de morte.
A personagem principal é Tom, um ex-professor de História, como o argumento faz questão de me lembrar várias vezes por episódio em ridículos momentos de exposição, que se torna num dos líderes de um dos grupos de sobreviventes de uma guerra que acontece antes do primeiro episódio entre a raça Humana e os aliens, carinhosamente apelidados de skitters.
Estes aliens raptam crianças e espetam-lhes uma criatura repugnante nas costas, como se fosse um arnês, que lhes está constantemente a injectar uma série de drogas e a permitir que os skitters as controlem. Um dos três filhos de Tom passa metade da temporada como prisioneiro destes skitters.
Vou ser honesto e dizer que a série tem alguns bons momentos, que me deixam envolver na história, e ficar genuinamente interessado, mas a parvoíce é tanta que rapidamente me deixo disso. A título de exemplo, aqui ficam alguns problemas:
O procedimento para retirar o arnês alienígena das costas das crianças sem as matar envolve levantar um bocadinho o bicho e depois dar cabo das agulhas com uma pequena chama. Não é propriamente complicado, mas toda a gente insiste que só o cirurgião super antipático é que o sabe fazer.
Só no quinto episódio é que se lembram que a médica do grupo tinha um filho antes do ataque. Incluindo ela!
Existe uma personagem, meio rebelde, que é o criminoso moralmente muito dúbio que se torna lentamente numa espécie de anti-herói, e que sabe, basicamente, fazer tudo. É um cozinheiro profissional que por algum motivo se especializou em bombas e em sei lá mais o quê.
E isto para não falar de como os diálogos são terríveis, simplesmente terríveis. Também não quero falar daquele momento em particular em que uma personagem aparece do nada e sugere levar todas as crianças com ele enquanto os adultos ficam para trás a lutar. As únicas pessoas que não perceberam que algo de errado se passava assim que o tipo abriu a boca, foram TODAS as outras personagens.
Nível de inteligência colectivo: "Sim, claro, vamos entregar as nossas crianças todas a este tipo com uma história duvidosa."
Pior do que séries previsíveis só as séries demasiado óbvias - excepto para as personagens. Por amor de Gauss, isto topava-se a milhas, confirmou-se, e os protagonistas ainda demoraram um bocado.
Também me lembrei agora que logo num dos primeiros episódios se questionam: se eles parecem aranhas, porque é que os robots são vagamente humanóides? É tão óbvio que há mais uma raça, que nem sei...
Perto do final da temporada, aquilo começa a ganhar algum interesse, mas o storytelling é demasiado óbvio e demasiado script-driven. Quer dizer, a parte de "mostrar" é muito pouco eficiente, e recorrem demasiado ao "contar" para colmatar. Por exemplo, quando a médica se apercebe que os skitters têm um arnês dentro deles, ela conclui, alto e bom som, que os miúdos se vão tornar skitters, o que não é, de todo, a conclusão mais óbvia! Enfim.
Já o último episódio não é mau de todo, mas está cheio de más decisões. E depois, do nada, os aliens querem ficar com o Tom na nave? Mas que raio? E a Karen, uma miúda raptada no início da temporada de quem o argumento só se lembra neste momento, depois de ter desaparecido durante montes de tempo sem que ninguém quisesse saber.
É uma série banal, não é má, mas não é absolutamente nada de especial. Um bocadinho mais do mesmo. Distopia barata, com argumento mediano e diálogos frequentemente maus. Dá para entreter, mas não muito mais que isso.
Vou continuar a ver, porque agora tenho de saber o que vai acontecer, mas não tenho grandes esperanças. Talvez a coisa melhore um bocadinho, com revelações interessantes, mas pronto... Perdem demasiadas boas oportunidades, se querem que vos diga.